A manifestação da última quinta-feira (20), que levou mais de 100 mil às ruas de Vitória, foi criticada por alguns pela ausência de foco. A profusão de demandas, alertavam os observadores, poderia guinar o movimento para o vazio. Essa mesma crítica se estendia aos protestos que se espalhavam por todo o país, mas, aos poucos, as muitas reivindicações que estampavam os cartazes dos manifestantes vão ganhando forma e se transformando em pautas mais concretas.
Na Grande Vitória, a discussão sobre mobilidade urbana vai ganhando contornos mais delineados.
A segunda-feira (24), que amanheceu chuvosa e cinzenta, se transformou em um pesadelo para os capixabas que tentavam cruzar a Terceira Ponte em ambos os sentidos. A partir da meia-noite de hoje (24), a Rodosol, que suspendera a cobrança do pedágio após o protesto da última quinta, voltou a cobrar a tarifa manualmente. A redução do número de cabines em funcionamento e a inoperância do serviço de cobrança automático provocaram congestionamentos gigantescos em Vitória e Vila Velha, com reflexos por toda a região metropolitana.
O caos desta segunda-feira pôs novamente em xeque a cobrança do pedágio e a baixa qualidade do serviço oferecido pela concessionária Rodosol, que detém a exploração do sistema deste 1998.
Reportagem publicada hoje (24) em Século Diário revelou que o ex-conselheiro do Tribunal de Contas do Estado (TCE), Enivaldo dos Anjos, peleja na Justiça desde 2006 para provar que a concessionária não cumpre o contrato celebrado com o governo do Estado. No último dia 21, Enivaldo recorreu da decisão do juiz da 3ª Vara dos Feitos da Fazenda Pública Estadual, Gustavo Marçal da Silva e Silva, que extinguiu a ação popular do ex-conselheiro por prescrição de prazo.
Entre outras irregularidades cometidas pela Rodosol, Enivaldo exige na ação a nulidade do artigo que desobriga a concessionária de garantir a qualidade do serviço. “É exatamente esta omissão criminosa em desfavor da sociedade capixaba que se quer reprimir”, diz um trecho da ação.
Também nesta segunda, o deputado Euclério Sampaio (PDT) apresentou na Assembleia um Projeto de Decreto Legislativo que propõe o fim da cobrança do pedágio na Terceira Ponte. “É inadmissível que persista a cobrança de pedágio dentro do perímetro urbano da região metropolitana da Grande Vitória”, criticou.
Assim como Euclério, Enivaldo também defende o encerramento imediato do contrato com a Rodosol. O ex-conselheiro, no entanto, propõe que o governo do Estado, por meio do Departamento de Estrada de Rodagem (DER-ES), assuma a gestão da Terceira Ponte. Ele acredita que a tarifa poderia ser reduzida em até 60% caso o sistema passasse a ser administrado pelo DER. Nas contas de Enivaldo, a tarifa cairia dos atuais R$ 1,90 para cerca de R$ 0,75 (tarifa para carros de passeio).
No início da noite desta segunda, o Movimento Ponte Livre (MPL), grupo gestado na manifestação dos 100 mil, voltou às ruas para protestar. Mesmo debaixo de uma fina garoa cerca de 500 pessoas ocuparam a praça de pedágio da Terceira Ponte. O MPL, assim como o deputado do PDT e o ex-conselheiro, pede o fim do contrato com o Rodosol. Além disso, como o nome do movimento sugere, querem o fim da cobrança do pedágio.
A manifestação dos 100 mil, o caos no trânsito nesta segunda, a ação popular de Enivaldo, a proposta de Euclério e o protesto do MPL, juntos, exerceram uma forte pressão sobre os deputados.
Para se ter uma ideia, a proposta de Euclério para desonerar o usuário do pagamento da tarifa do pedágio da Terceira Ponte vem sendo martelada pelo deputado desde 2003, ainda no seu primeiro mandato, mas todas elas foram rejeitadas pela Procuradoria da Assembleia ou vetadas pelo Executivo estadual.
Hoje, no entanto, com o clamor das ruas reverberando no prédio da Assembleia, já havia deputado prometendo apoio à proposta. Até o presidente da Assembleia, Theodorico Ferraço (DEM), que não é muito afeito a Euclério ou ao que venha dele, já avisou que “tá junto” com o pedetista. Sinal dos tempos.