Quando não dói no bolso
No Brasil, infelizmente, boa parte da população só obedece às leis se houver ameaça iminente ao bolso. Se a obediência a uma lei depender apenas do bom senso, da prática cidadão, dificilmente ela será cumprida. Dependendo do tamanho do risco e do valor da multa, existe muita gente disposta a arriscar. Pronta para infracionar.
São inúmeros os exemplos que presenciamos todos os dias desse crônico desvio de conduta que envergonha a alguns de nós. É o motorista que insiste em tomar a vaga de estacionamento reservada ao idoso; o apressadinho que fura o sinal e põe vidas em risco; o empresário ganancioso que insiste em burlar o fisco para aumentar os lucros; e por aí vai...
Se o infrator souber que aquela determinada lei não prevê multa, mas apenas uma advertência, o cumprimento à legislação se torna ainda mais abusivo, porque passará a depender unicamente do senso de cada um.
O serviço de fornecimento de alimentação para os internos do sistema prisional capixaba, há anos funciona dentro dessa lógica nefasta, que diz que o “mundo pertence aos espertos”.
Há anos, três ou quatro empresas dominam o fornecimento de marmitex para as unidades prisionais. As empresas oferecem uma alimentação de baixíssima qualidade, porque sabem que o usuário final do serviço, o interno, não tem a quem se queixar da péssima comida que é servida.
Para uma denúncia chegar a alguma entidade social ou órgão de defesa de direitos, pode demorar meses ou até anos. Se chegar, depois da denúncia ser encaminhada à Secretaria de Justiça, irá levar um bom tempo para algum servidor tomar uma ação e averiguar a denúncia.
Ainda assim, muito tempo depois, tão grave e crônica é a situação, uma nutricionista do Estado é capaz de constatar que determinada empresa realmente está fornecimento alimentos de baixa qualidade aos internos, portanto, desobedecendo às regras do contrato que regula a prestação do serviço.
Para a irregularidade ser publicada no Diário Oficial do Estado, como aconteceu nesta terça-feira (30), deve ter percorrido todo esse caminho. Para a denúncia surtir efeito, é preciso que muitas variáveis conspirem a favor dos presos que, enquanto isso, são obrigados a consumir uma comida que deveria ser vetada ao consumo humano ou mesmo animal.
Pois bem, o DIO-ES de hoje (30) publica que a Viesa Alimentação Ltda ME foi multada em R$ 152 por ter descumprido o contrato de fornecimento de alimentação para o Centro de Detenção Provisória (CDP) da Serra. O valor é simplesmente irrisório diante do montante do contrato, que rompe a casa dos R$ 120 mil mensais. Para ser mais exato, os R$ 152 representam 0,12% do valor mensal do contrato.
É claro que a empresa não está preocupada com a multa. Na cabeça dos empresários, compensa continuar fornecendo uma alimentação de baixa qualidade aos presos, pois é justamente na compra desses produtos, considerados refugos, que o lucro é garantido.
A empresa sabe que pode administrar as advertências e multas antes de permitir que o contrato seja cancelado. O empresário sabe também que as multas recorrentes ou mesmo o cancelamento de um contrato – algo muito raro de ocorrer - não se estende a outros contratos que a empresa mantém com o Estado.
Se a fiscalização fosse rigorosa, as multas realmente pesadas e a quebra do contrato redundasse em punição severa à empresa, com certeza haveria uma melhora substancial na qualidade da alimentação que é oferecida aos presos. Estamos falando de marmitex, mas a regra se aplica a diversos outros produtos e serviços que são fornecidos diariamente ao poder público.
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