Sexta, 26 Abril 2024

Quando não dói no bolso

 

No Brasil, infelizmente, boa parte da população só obedece às leis se houver ameaça iminente ao bolso. Se a obediência a uma lei depender apenas do bom senso, da prática cidadão, dificilmente ela será cumprida. Dependendo do tamanho do risco e do valor da multa, existe muita gente disposta a arriscar. Pronta para infracionar. 
 
São inúmeros os exemplos que presenciamos todos os dias desse crônico desvio de conduta que envergonha a alguns de nós. É o motorista que insiste em tomar a vaga de estacionamento reservada ao idoso; o apressadinho que fura o sinal e põe vidas em risco; o empresário ganancioso que insiste em burlar o fisco para aumentar os lucros; e por aí vai...
 
Se o infrator souber que aquela determinada lei não prevê multa, mas apenas uma advertência, o cumprimento à legislação se torna ainda mais abusivo, porque passará a depender unicamente do senso de cada um. 
 
O serviço de fornecimento de alimentação para os internos do sistema prisional capixaba, há anos funciona dentro dessa lógica nefasta, que diz que o “mundo pertence aos espertos”. 
 
Há anos, três ou quatro empresas dominam o fornecimento de marmitex para as unidades prisionais. As empresas oferecem uma alimentação de baixíssima qualidade, porque sabem que o usuário final do serviço, o interno, não tem a quem se queixar da péssima comida que é servida. 
 
Para uma denúncia chegar a alguma entidade social ou órgão de defesa de direitos, pode demorar meses ou até anos. Se chegar, depois da denúncia ser encaminhada à Secretaria de Justiça, irá levar um bom tempo para algum servidor tomar uma ação e averiguar a denúncia. 
 
Ainda assim, muito tempo depois, tão grave e crônica é a situação, uma nutricionista do Estado é capaz de constatar que determinada empresa realmente está fornecimento alimentos de baixa qualidade aos internos, portanto, desobedecendo às regras do contrato que regula a prestação do serviço.
 
Para a irregularidade ser publicada no Diário Oficial do Estado, como aconteceu nesta terça-feira (30), deve ter percorrido todo esse caminho. Para a denúncia surtir efeito, é preciso que muitas variáveis conspirem a favor dos presos que, enquanto isso, são obrigados a consumir uma comida que deveria ser vetada ao consumo humano ou mesmo animal. 
 
Pois bem, o DIO-ES de hoje (30) publica que a Viesa Alimentação Ltda ME foi multada em R$ 152 por ter descumprido o contrato de fornecimento de alimentação para o Centro de Detenção Provisória (CDP) da Serra. O valor é simplesmente irrisório diante do montante do contrato, que rompe a casa dos R$ 120 mil mensais. Para ser mais exato, os R$ 152 representam 0,12% do valor mensal do contrato. 
 
É claro que a empresa não está preocupada com a multa. Na cabeça dos empresários, compensa continuar fornecendo uma alimentação de baixa qualidade aos presos, pois é justamente na compra desses produtos, considerados refugos, que o lucro é garantido. 
 
A empresa sabe que pode administrar as advertências e multas antes de permitir que o contrato seja cancelado. O empresário sabe também que as multas recorrentes ou mesmo o cancelamento de um contrato – algo muito raro de ocorrer - não se estende a outros contratos que a empresa mantém com o Estado. 
 
Se a fiscalização fosse rigorosa, as multas realmente pesadas e a quebra do contrato redundasse em punição severa à empresa, com certeza haveria uma melhora substancial na qualidade da alimentação que é oferecida aos presos. Estamos falando de marmitex, mas a regra se aplica a diversos outros produtos e serviços que são fornecidos diariamente ao poder público. 

Veja mais notícias sobre Colunas.

Veja também:

 

Comentários:

Nenhum comentário feito ainda. Seja o primeiro a enviar um comentário
Visitante
Sexta, 26 Abril 2024

Ao aceitar, você acessará um serviço fornecido por terceiros externos a https://www.seculodiario.com.br/