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‘Não nos calarão!’, afirma manifestante em ato no Carone

Protesto foi motivado por agressões de seguranças contra um homem negro acusado de furto

Divulgação

A Unidade Negra Capixaba realizou, nesta quinta-feira (23), um protesto no supermercado Carone, em Laranjeiras, Serra, onde um homem negro foi agredido fisicamente por seguranças, após ser acusado do roubo de uma bicicleta. Os manifestantes, compostos também por integrantes de outras entidades da sociedade civil, chegaram a ser hostilizado por transeuntes, mas se mantiveram firmes. “Não nos calarão!”, enfatizou a coordenadora do Círculo Palmarino, Ana Paula Rocha.

Ela destacou que essas pessoas “desconhecem que nos é permitido estar aqui, porque temos uma trajetória de resistência”, e questionou: “cadê os seguranças do Carone para fazer seu serviço e garantir nossa segurança? Coloca o lacaio do ódio para correr!”, ordenou.

Ana Paula salientou que os manifestantes foram até ali para dizer que o racismo no Carone é institucionalizado e que as agressões ao homem negro foram uma violência racista “praticada por homens negros em situação precarizada de trabalho, que também são vítimas do racismo, formados em um sistema de segurança que encara o povo preto como marginal”.

A militante do Movimento Negro, Míriam Cardoso, defendeu a importância da luta contra o racismo para superá-lo. “Parece que o Brasil, os poderosos, olham nossos corpos como quando estavam no navio negreiro nos matando, nos colocando nos porões. Quando encontrei vocês aqui, a esperança voltou. A gente não tem outra coisa a fazer a não ser lutar, punir esse povo que acha que a carne negra não serve de nada”, desabafou.

O integrante da Unidade Negra Capixaba, Gilberto Campos, o Gilbertinho, afirmou que o ato foi para “demonstrar aos racistas que estão na porta, que estão lá dentro [do supermercado], toda nossa indignação. Se uma pessoa negra for novamente espancada, novamente viremos aqui. Voltaremos toda vez que for necessário”. Ele também anunciou que serão tomadas medidas judiciais.

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O advogado André Moreira informou a Século Diário que o Ministério Público do Espírito Santo (MPES) será acionado para denunciar criminalmente tanto os funcionários que cometeram a agressão quanto a direção da unidade. Também será movida Ação Civil Pública (ACP) por parte das entidades do Movimento Negro e de defesa dos direitos humanos, denunciando o Carone por racismo institucionalizado.

A ação, segundo André, é pautada no fato de que o supermercado “tem precedentes da mesma natureza”. O advogado relata que seu escritório vai mover ação judicial individual, porque em 24 de dezembro de 2020, um menino de 12 anos foi agredido por seguranças no Carone de Jardim da Penha, em Vitória. André recorda que a criança vendia bombom na frente do estabelecimento, quando foi informada de que deveria sair dali, mas se recusou, sendo agarrada pelo pescoço pelos seguranças.

A agressão à criança, como afirma, será inclusa na ação civil pública com a violência dessa última sexta-feira. Este último episódio, avalia o advogado, é marcado pela confusão entre espaço público e privado. “O supermercado é espaço privado de acesso público, quem está lá não pode adotar medidas que devem ser praticadas por servidores públicos, nesse caso, pela Polícia Civil [PC] e Militar [PM], pelos agentes da segurança pública”, explica.

André recorda que em casos semelhantes ocorridos em supermercados, no desenrolar do processo judicial, o Movimento Negro chegou a tirar o reconhecimento do ato de racismo. Um deles foi o assassinato de João Alberto Silveira Freitas, morto a pancadas por seguranças do Carrefour em Porto Alegre, Rio Grande do Sul, em novembro de 2020. “Não há possibilidade de a gente fazer isso. Vamos lutar para que isso não aconteça. Queremos levar o caso até o final”, garante.

Nessa quarta-feira (22), a vereadora de Vitória Camila Valadão (Psol) também afirmou, no plenário da Câmara, que a agressão não pode ser vista como fato isolado, uma vez que em 2016, um homem foi morto dentro do Carone na Serra. Ele estava tentado roubar duas peças de picanha, mas o alarme disparou e ele fugiu. Os seguranças o apanharam e, depois de imobilizá-lo em um terreno baldio, o levaram para o supermercado, onde morreu, sendo constatada morte por asfixia. Os dois seguranças foram presos e libertados por não “oferecerem risco à sociedade”.

A Defensoria Pública do Espírito Santo (DPES) encaminhou ofício para o supermercado Carone, a fim de reunir informações sobre a agressão cometida por seguranças contra um homem negro que foi acusado de roubo. O envio do ofício foi feito por meio do Núcleo de Direitos Humanos, solicitando esclarecimentos, como os protocolos adotados pela empresa de segurança patrimonial e imagens do circuito interno de monitoramento, especificamente, da sala onde o homem foi mantido. Segundo a DPES, o caso chegou até a instituição por meio da Secretaria de Estado de Direitos Humanos (SEDH).

Nessa terça-feira (21), o Carone divulgou em suas redes sociais, junto a mais uma nota de esclarecimento, as imagens da Câmera de Videomonitoramento, que mostram a tentativa de furto de uma bicicleta pelo rapaz agredido e sua condução para o interior do estabelecimento pelo garagista. No vídeo, a narradora diz que “ele é conduzido de forma tranquila e calma pelos terceirizados para o acionamento da polícia”, sendo enviado para o administrativo.

Nesse momento, ela refere-se ao professor Demian Cunha, que divulgou o vídeo nas redes, como “cliente de camisa azul”, afirmando que começou a filmar e a “incitar o indivíduo detido e intimidar os terceirizados que o conduziam”. Diz ainda que ele promoveu “gritaria e xingamentos, chamando a atenção de todos ao redor”, além de “chutar a porta e agredir verbalmente”, fazendo com que o rapaz, ao ver que alguém o defendia, “se tornou extremamente agressivo, dificultando sua contenção para aguardar o acionamento e a chegada da polícia”.

Para Demian, as imagens reforçam a afirmação feita por ele a Século Diário, de que o rapaz somente resistiu quando foi agredido, já dentro do recinto para onde foi levado, não tendo reagido violentamente quando foi abordado. “A narrativa que eles fazem é de me responsabilizar, como se eu tivesse sido um agitador, como se eu tivesse feito escândalo e atrapalhado o trabalho da segurança”, aponta.

Embora o Carone afirme no vídeo que o rapaz foi enviado para o administrativo, Demian contesta. “Aquilo ali me parece um banheiro, é um ambiente escuro. Não é um ambiente onde você leva alguém para aguardar qualquer tipo de coisa. Não tem câmera, então não dá para dizer o que aconteceu lá dentro, fica a minha palavra contra a deles, pois se não tem registro imagético, não dá para falar”, reitera.

Sobre a acusação de ter xingado verbalmente os seguranças, Demian afirma que isso não aconteceu. “O guarda patrimonial travava a porta e eu pedia para ele abrir, dizendo que aquilo era errado, mas em nenhum momento eu xinguei. Tem uma parte que ‘ah, ele chutou a porta’. Na verdade, eu tentei abrir a porta com o pé, já que as minhas mãos estavam ocupadas. Eu estava com sacola nos dois braços e aí tentei no desespero abrir a porta com o pé”.

O Carone já havia divulgado uma nota na qual dizia que “conforme imagens do circuito de monitoramento, ao ser abordado por seguranças das terceirizadas do Carone Mall [que é o shopping, e não o supermercado], o mesmo [a vítima] resistiu”. O supermercado prosseguiu relatando que “nesse momento, além de resistir, inclusive chutando a porta, estava gritando muito, bem como agredindo os seguranças, alguns clientes se aproximaram e tomaram partido do acusado, ameaçando os seguranças para soltá-lo. Assim, antes mesmo da chegada da polícia, evitando maior tumulto, o rapaz foi liberado pelos terceirizados”.

Para André Moreira, a divulgação feita nas redes sociais do supermercado trata-se de uma “confissão”. “Na primeira nota disseram que o rapaz era violento, que havia reagido agressivamente ao ser abordado, o vídeo mostra o contrário, que ele reagiu quando começou a apanhar”, pontua.

André destaca também que, independentemente de o recinto para onde o rapaz foi levado ser um banheiro ou sala administrativa, a conduta foi errada. “Não se pode levar ninguém para lugar fechado, só quem pode prender é a polícia, a segurança privada não é polícia privada. Eles podem dar voz de prisão, que coloca o ato em ação de flagrante, e acionar a polícia. Não podiam nem ter tirado o rapaz do local onde supostamente tentou cometer o furto, pois isso é alterar a cena do suposto crime”.

Para o advogado, a ação foi “amadora, despreparada, uma tentativa de invadir uma posição que é pública e de usurpação da função exclusiva da segurança pública”. 

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