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​Caso Araceli: Estado brasileiro é denunciado à OEA

Movimento Nacional e entidades capixabas cobram “reparação histórica” e responsabilização internacional 

O assassinato da menina Araceli Cabrera Crespo, após ser drogada, torturada e estuprada, que completa 50 anos nesta quinta-feira (18) com a marca da impunidade, foi denunciado à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização Estados Americanos (OEA). O Movimento Nacional de Direitos Humanos (MNDH) e o Centro de Defesa dos Direitos Humanos da Serra (CDDH) e a Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (Fase-ES) cobram “reparação histórica” e que o Estado brasileiro seja responsabilizado internacionalmente por omissão e violações.

Arquivo

O movimento de Direitos Humanos requer à OEA que o Estado Brasileiro apresente ações como a obrigação de investigar o caso; imponha medidas disciplinares, administrativas ou penais às ações ou omissões de funcionários estatais que tenham interferido na investigação; e estabeleça medidas de reparação integral dos direitos humanos de crianças e adolescentes no enfrentamento às violências sexuais contra a população infanto-juvenil.

“Trata-se de uma reparação histórica que reposiciona o Caso Araceli no campo da responsabilização do Estado, por ter violado um conjunto de direitos humanos, inclusive da sociedade. A omissão do Estado brasileiro é evidente, e o que é mais grave, com uma motivação decorrente de atuação com o regime militar à época”, afirma o advogado do MNDH, Carlos Nicodemos.

Na denúncia, destaca que, passado meio século do crime, “não houve um cumprimento efetivo quanto ao dever de investigar, responsabilizar e punir do Estado brasileiro, visto que não há a responsabilização e condenação daqueles responsáveis pelo crime. Ademais, a vítima, seus familiares e a sociedade brasileira, até a presente data, não foram reparadas pelos danos resultantes das violações de direitos que serão aqui expostas. Por estas razões, entende-se que as violações de direitos permanecem e perduram no tempo, caracterizando e justificando a competência temporal da CIDH no presente caso, conforme precedente do Relatório de Admissibilidade nº 80/12”.

O texto prossegue dizendo que “apesar do fato criminoso ter ocorrido em 1973, os desdobramentos judiciais e os danos do caso permaneceram até hoje, data em que o Estado brasileiro já reconheceu a competência desta Comissão, complementando o argumento quanto a competência temporal, especialmente, diante das violações de garantia e proteção judicial”.

Na denúncia também é recordado que, quando o crime aconteceu, havia “ausência de normativas específicas na época dos fatos que efetivassem a proteção integral devida à vítima, com o devido direito a memória, verdade e justiça”, uma vez que a proteção aos direitos da criança e adolescente no Brasil foi efetivada somente em 1990, com a ratificação da Convenção sobre Direitos da Criança e a promulgação do Estatuto da Criança e Adolescente em julho de 1990.

O movimento de Direitos Humanos acrescenta que “pelas condições sociais e econômicas da família de Aracélia Cabrera Crespo, evidenciou-se a impossibilidade de esgotamento formal e qualificado com os recursos cabíveis e pertinentes das instâncias do Sistema de Justiça no Brasil”. “Soma-se a isso o fato de que, a época dos fatos, o Estado brasileiro era uma ditadura civil-militar que fora notoriamente baseada em apoio e tráfico de influência com certas camadas da sociedade brasileira, como famílias economicamente influentes e o empresariado, razão pela qual, a ditadura brasileira deve ser considerada como uma ditadura civil-militar”.

A influência política da família dos acusados junto ao regime militar, conforme consta na denúncia, “acabou por promover insuperável coação contra a família da vítima, impedindo, por evidente, a adoção de medidas legais pautadas num estado de normalidade que pudesse dar ao caso um outro destino que não fosse a impunidade. Assim como o tráfico de influência da família dos acusados operou durante todo o processo investigativo e de julgamento que ocorreram no caso, resultando em procedimentos viciados, ineficazes e parciais que acabaram por absolver os acusados e perpetuaram as violações de direitos da vítima”.

Caso Araceli

Araceli tinha 8 anos quando foi raptada, drogada, estuprada, morta e carbonizada. A menina morava em Bairro de Fátima, na Serra, de onde saiu para ir à escola, na Praia do Suá, em Vitória. Após sair do colégio, foi vista por um adolescente em um bar entre o cruzamento das avenidas Ferreira Coelho e César Hilal, em Vitória. Depois disso, Araceli não foi mais vista. À noite, o pai, Gabriel Sanchez Crespo, iniciou as buscas.

Em 24 de maio, dias após o desaparecimento, o corpo de uma criança foi encontrado desfigurado e em avançado estado de decomposição em uma mata atrás do Hospital Infantil, em Vitória. Diante dos fatos apresentados pela denúncia do promotor Wolmar Bermudes, a Justiça chegou a três principais suspeitos: Dante de Barros Michelini, conhecido como Dantinho; seu pai, Dante de Brito Michelini; e Paulo Constanteen Helal, todos membros de tradicionais e influentes famílias do Espírito Santo.

A acusação alegou que Araceli foi raptada por Paulo Helal no bar que ficava entre os cruzamentos da rua Ferreira Coelho e César Hilal, após sair do colégio. Além disso, foi afirmado que no mesmo dia, a menina teria sido levada para o Bar Franciscano, na Praia de Camburi, pertencente à Dante Michelini, onde foi estuprada e mantida em cárcere privado sob o efeito de drogas. Devido ao excesso de substâncias em seu corpo, Araceli teria entrado em coma e levada ao hospital, local onde já chegou morta. Paulo Helal e Dante Michelini teriam jogado o corpo da menina em uma mata atrás do Hospital Infantil.

Na época, chegou a ser apontado que Dante Michelini se apoiou em suas ligações e influência com a polícia local para dificultar as investigações. Além disso, testemunhas-chave do processo morreram durante as investigações. 

Após a prisão, os três foram condenados em primeira instância, mas depois absolvidos pelo Tribunal de Justiça (TJES), alegando “falta de provas”. Na denúncia feita à OEA consta que o sargento José Homero Dias, quando estava prestes a finalizar as investigações, foi morto com tiros nas costas, assim o caso ficou esquecido por algum tempo.

Recorda ainda que Clério Falcão, vereador que se elegeu deputado estadual com a promessa de levar o caso Araceli ao fim, conseguiu a constituição de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) na Assembleia. A CPI concluiu que houve de fato omissão da polícia local, interessada em manter distantes de suas investigações os reais assassinos, que eram figuras de prestígio.

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