A transação de alienação de uma área em Vila Velha, com cinco mil metros quadrados no bairro Boa Vista, entre o Estado do Espírito Santo e a estatal EDP Escelsa, durante o governo Paulo Hartung (PMDB), está na mira da Justiça. Uma ação popular movida por três cidadãos, que tramita há quase três anos na Justiça, discute o processo de licenciamento ambiental para a construção da Subestação de Itapoã e da passagem de linhas de alta tensão sobre sete bairros do município. A área foi repassada à empresa no final de 2008 por R$ 1,9 milhão, cinco vezes menor do que o valor de mercado.
Desde fevereiro do ano passado, o processo está sob apreciação da 3ª Vara dos Feitos da Fazenda Pública Estadual, criada justamente para dar celeridade às ações populares e de improbidade. No último dia 28 de maio, o juiz Manoel Cruz Doval determinou a realização de uma perícia no imóvel para levantar a ocorrência de eventual prejuízo aos cofres públicos em decorrência da transação, feita pelo ex-governador com o intermédio da Assembleia Legislativa após a manifestação contrária da Procuradoria-Geral do Estado (PGE).
Na ocasião, o juiz rejeitou todas as questões preliminares (tipo de defesa processual prévia) levantadas pelas defesas da EDP Escelsa, do governo do Estado, do município de Vila Velha e do Instituto Estadual de Meio Ambiente (Iema) – que figuram como réus na ação popular. Manoel Doval também fixou como os pontos controvertidos, isto é, os questionamentos que deverão ser respondido ao final do processo, o exame da legalidade da venda da área, bem como se o preço praticado foi condizente com o valor de mercado.
Além da discussão sobre o processo de negociação e de venda do imóvel sem a realização de licitação pública, a Justiça estadual também deve se posicionar em relação às obras da subestação – neste caso, se a construção respeita as diretrizes e os parâmetros legais. A construção é alvo de protesto de moradores de sete bairros de Vila Velha, que criaram até uma entidade – Moradores Unidos Contra a Rede de Alta Tensão (Mucrat) – na luta contra a obra. Eles alegam desde a existência de riscos à população na passagem das linhas de alta tensão à desvalorização dos imóveis afetados pelas linhas.
Esses mesmo questionamentos foram levantados nos autos da ação popular pelos cidadãos Enito Molinari, Vicente José Machado e Patrícia de Aquino. Nos autos do processo, eles afirmam que os moradores dos bairros Novo México, Guaranhuns, Jockey Club, Parque das Gaivotas, Coqueiral de Itaparica, Santa Mônica e Boa Vista estão sendo prejudicados pela realização das obras. Os cidadãos denunciam que os moradores não foram ouvidos durante o processo de licenciamento ambiental e da concessão do alvará da obra.
Na ação popular, eles alegam que a população já teria se manifestado “inúmeras vezes” de forma contrária às obras durante protestos realizados na região e até mesmo em uma audiência pública na Assembleia. No texto, os cidadãos sugerem que a ligação da subestação com os fios de alta tensão seja feita através de cabos diretamente enterrados no solo, técnica considerada por eles como “mais segura e benéfica em longo prazo”.
Entre os pedidos da ação, os três cidadãos pleiteiam a paralisação das obras para construção da subestação. Em janeiro de 2011, o juiz Gustavo Zago Rabelo negou um pedido de liminar para suspender a empreitada. Naquela oportunidade, o magistrado considerou que a ausência da provas pré-constituídas (que já existem antes do processo) aptas para formar o juízo de “convicção razoável” sobre a legalidade das obras. “Embora este magistrado não questione a urgência da medida, ainda mais sendo esta de natureza ambiental, é cedido que para concessão da tutela antecipada, se faz estar presente a prova inequívoca da verossimilhança do alegado, a qual resta ausente nestes autos”, indicou
Nos autos do processo, os autores da ação popular listam reportagens jornalísticas e um trabalho acadêmico sobre o risco à população que vive próxima às redes de alta tensão. Já a defesa da EDP Escelsa trouxe um parecer técnico, encomendado pela própria empresa a uma consultoria independente, que minimizou os riscos à população vizinha às torres com fios de alta tensão.
Entretanto, o juiz Gustavo Rabelo entendeu que nenhum dos laudos poderia ser admitido como a verdade absoluta: “Cada uma das partes trouxe sua versão para os efeitos das redes de transmissão eletromagnéticas, sem que nenhuma destas, possa subsidiar de maneira imparcial este magistrado”.
Além dessa ação popular, a Justiça estadual também examina uma ação civil pública, movida pelo Ministério Público Estadual (MPE), contra as obras da subestação da EDP Escelsa. Em ambos os casos, o Judiciário vai analisar a transação feita durante o governo Paulo Hartung, que hoje é conselheiro do grupo EDP – Energias do Brasil SA (dono da ex-estatal, que é responsável pelo serviço de distribuição de energia no Estado).
Em reportagens publicadas ao longo dessa semana, o jornal Século Diário revelou que o ex-governador foi nomeado como membro do Conselho de Administração do grupo após episódios de favorecimento à empresa em seu governo. Além da alienação do terreno para a construção da subestação sem o aval da PGE no final de dezembro de 2008, o peemedebista também concedeu R$ 290 milhões em incentivos fiscais à Escelsa há menos de um mês do final de seu mandato, em 2010.
Antes disso, em março de 2008, o então secretário estadual da Fazenda, José Teófilo de Oliveira – que hoje é sócio do ex-governador no escritório de consultoria Éconos – garantiu a renúncia fiscal de R$ 127,8 milhões para a empresa Santa Fé Energia SA, que também é do grupo EDP. Os incentivos foram destinados a construção de uma Pequena Central Hidrelétrica (PCH) no município de Alegre (região Caparaó). Somados, o total de deferimentos chega a R$ 420 milhões, o que os coloca no rol dos maiores contemplados pelo Programa de Incentivo ao Investimento no Estado (Invest-ES) na chamada Era Hartung.