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‘Não basta tipificar, é preciso nomear o feminicídio’

“Sem nomear, a cultura da violência contra a mulher continua e não é percebida a necessidade de alterar a forma de atuação dos agentes policiais e do Judiciário, e de acolhimento das vítimas sobreviventes, dos familiares, da memória da vítima”. 

A percepção é da capixaba Renata Bravo, mestre em Direito e especialista em trabalhos de igualdade de gênero, que lança, no próximo dia 18, seu primeiro livro Feminicídio: tipificação, poder e discurso, publicado pela Editora Lumen Juris. 

Fruto de sua dissertação de mestrado na Faculdade de Direito de Vitória (FDV), a obra mostra como a arcaica cultura do patriarcado se dá nos meios jurídicos. Para tal, Renata analisou o discurso utilizado em processos de feminicídio que tramitam na 1ª Vara Criminal de Vitória, uma das cidades mais violentas, Capital de um dos estados mais fatais para as mulheres.

A análise se deu à luz da Lei do Feminicídio – Lei nº 13.104/2015, que modifica o Código Penal, criando a tipificação do feminicídio – e das Diretrizes Nacionais para Investigar, Processar e Julgar com Perspectiva de Gênero as Mortes Violentas de Mulheres, esta, publicada em 2016. 

A Lei do Feminicídio se seguiu à publicação da Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006) e se inspira em classificações históricas feitas por mulheres de diversas partes do mundo, como a sulafricana Daiana Russell, que cunhou o termo “femicide” em 1976 – “O feminicídio é o ato extremo de um contínuo de violências sofridas pelas mulheres” – e a latino-americana Rita Fegato, que aborda o desejo do agressor em reafirmar, no corpo da mulher, o seu poder como macho. 

Ambas as leis, no entanto, ressalva a especialista, bem como “o maior rigor na instrução criminal e no apenamento dos agressores [quando os processos são condenatórios] não estão sendo suficientes para, de forma isolada, impedir que as mulheres continuem sendo ameaçadas, agredidas fisicamente e, por fim, mortas em relações domésticas e familiares”. 

Daí advém a necessidade de um novo recurso, que são as Diretrizes, complementares à Lei de 2015 e que orientam como deve ser a atuação da polícia durante a investigação, do Ministério Público ao oferecer a denúncia e do poder Judiciário no ato de julgar. São resultado de uma construção latino-americana, que definiu o Brasil como país piloto para aplicá-las, devido às estruturas de governo aptas para tal, existentes na época e devastadas atualmente. 

As Diretrizes formam um receituário de 200 páginas, organizado em capítulos direcionados a agentes específicos: polícia, Ministério Público, Judiciário e assistência social. Entre as principais orientações, estão o resguardo da integridade física e psíquica da vítima sobrevivente e de seus familiares – que se materializa na prisão preventiva do agressor, enquanto aguarda julgamento, por exemplo -; e a proteção da memória da vítima, que consiste na supressão, nos autos do processo, de difamações feitas pelo agressor contra a vítima, como culpar a roupa ou o comportamento da mulher. 

Tipificação isolada e protocolar

Renata observou que os processos analisados fazem sim a tipificação prevista na atualização do Código penal – Artigo 121, parágrafo 2º inciso 6. Mas isso se dá de forma isolada no processo, algumas vezes apenas pela promotoria, outras apenas pelo Judiciário, outras por ambos. Mas a devida nomeação do crime como feminicídio, do começo ao fim, como orientam as Diretrizes Nacionais, não acontece. 

Essa ausência, afirma, reflete a mentalidade dos agentes do Judiciário ainda impregnada pelo sexismo, mas que, apenas de forma protocolar, realizam a tipificação legal do caso, sem de fato dar-lhe o tratamento específico necessário ao longo de todo o processo. 

A única forma de transpor essa limitação do Judiciário, acredita a acadêmica, é por meio da informação qualificada, da divulgação maciça das Diretrizes e de sua importância para vencer o patriarcado que continua agredindo e matando as mulheres. 

“Quando a Lei do Feminicídio não é usada ou as Diretrizes não são usadas, é por falta de amplo conhecimento dessas diretrizes por todos os setores do Estado. O que eu defendo é que a gente precisa dar nome e fazer chegar ao conhecimento do Judiciário e dos assistentes sociais, amplo conhecimento pra mudar essa cultura e romper com o ciclo de violência que essas mulheres sofrem diariamente em casa, no trabalho, nas ruas”, posiciona. 

“O Ministério Público e o Judiciário têm realizado capacitações dentro das polícias, do Tribunal de Justiça, mas com relação às Diretrizes, a informação ainda está falha”, aponta. 

As estatísticas mostram o quanto essas implementações são necessárias. Nos últimos 12 meses, 1,6 milhão de mulheres foram violentadas no Brasil, enquanto 22 milhões (37,1%) de brasileiras passaram por algum tipo de assédio. Os dados são de um levantamento do Datafolha feito em fevereiro deste ano, encomendado pela ONG Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) para avaliar o impacto da violência contra as mulheres no Brasil.

O livro

Dividido em três capítulos que se conectam e buscam levar ao entendimento histórico deste fenômeno da violência contra a mulher, o livro apresenta elementos sólidos para a compreensão de que tipificar o feminicídio é fundamental para o enfrentamento desta problemática e, segundo a autora, uma possível alternativa para uma mudança.

O primeiro capítulo apresenta a ideia de masculinidade e virilidade como construção histórica da sociedade patriarcal brasileira e como o patriarcado influencia na prática de violência contra as mulheres. Já no segundo capítulo, demonstra-se como ocorreu a construção histórica dos direitos das mulheres no cenário internacional até ser absorvido no Brasil.

Para finalizar, o terceiro capítulo relaciona discurso e poder, na visão de Michel Foucault, para verificar como os discursos dos processos criminais de feminicídios são construídos. Também é feita uma análise se o Poder Judiciário e o Ministério Público capixabas estão observando as Diretrizes Nacionais, ao investigar, processar e julgar os casos de mortes violentas de mulheres.

Feminicídio: tipificação, poder e discurso passa a integrar uma leitura importante e primordial para todas as pessoas que se colocam nas diferentes frentes de luta para preservação da vida das mulheres no Brasil”, destaca a professora e vice-reitora da Ufes, Ethel Maciel, que assina o prefácio da obra.

SERVIÇO

Quando: 18 de setembro (quarta-feira)

Onde: Dugê Casa Boutique (Av. Desembargador Sampaio, 303, Praia do Canto).

Horário: A partir das 19h.

Entrada: Gratuita.

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