Quarta, 15 Mai 2024

Nova ação popular pede nulidade de incentivos fiscais ao setor atacadista

Nova ação popular pede nulidade de incentivos fiscais ao setor atacadista

Depois de suspender os repasses de dinheiro para o Instituto Sincades, a Justiça estadual vai analisar o pedido de decretação da nulidade de todos os incentivos fiscais para o setor atacadista. A solicitação faz parte de uma nova ação popular movida pelo estudante de Direito Sérgio Marinho Medeiros Neto contra o ex-governador Paulo Hartung (PMDB) e mais três pessoas. A ação pede a responsablização do grupo por prejuízos causados aos cofres do Estado e dos 78 municípios capixabas.



No processo ajuizado nesta terça-feira (9), o autor da ação – que já havia se insurgido contra a criação do fundo cultural derivado do incentivo – pede a concessão de liminar para que o contrato de competitividade entre o governo do Estado e o Sindicato do Comércio Atacadista e Distribuidor do Estado (Sincades) seja suspenso até o julgamento final do caso. No mérito, ele pede que o benefício seja anulado e os responsáveis sejam condenados a ressarcir os cofres públicos.



Foram denunciados no processo, o ex-governador Paulo Hartung, o ex-secretário da Fazenda, Bruno Negris, o ex-subsecretário de Desenvolvimento, Luiz Carlos Menegatti, além da pessoa jurídica do Sincades e seu presidente, Idalberto Luiz Moro, que seriam responsáveis por causarem prejuízos ao erário. Constam ainda como partes interessadas na questão, o Estado do Espírito Santo e os 78 municípios capixabas, que teriam deixado de receber R$ 3 bilhões nos últimos anos.



De acordo com a ação popular (que tramita com o nº 0011504-78.2013.8.08.0024), tanto o contrato como o decreto que permitiram a instituição do incentivo fiscal (assinados pelo então governador Paulo Hartung) seriam lesivos ao erário, segundo o autor:



“Se o Estado possui posição econômica privilegiada pelo aspecto natural e estrutural, que favorecem a competição, então é óbvio que ele não precisa conceder incentivos fiscais. [...] Ou seja, a justificativa apresentada pelo atual governo para manter esse contrato imoral que sangra os cofres públicos, segundo a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) em torno de R$ 820 milhões ao ano, é o mais leviano possível”,questiona um trecho da ação.



O estudante de Direito rebate a justificativa do governo do Estado para a manutenção dos incentivos. Apesar de o atual secretário de Desenvolvimento Nery de Rossi ter saído em defesa do benefício sob alegação da criação de empregos, Sérgio Marinho aponta que o governo passado concedeu incentivos de forma ilegal e de que a suposta compensação não é devidamente explicada pelo Estado.



Ele classifica os benefícios fiscais ao setor atacadista, como os demais incentivos da Era Hartung, de ilegais, uma vez que Constituição Federal veda a concessão de incentivos sem lei específica ou prévia autorização da Assembleia Legislativa. No caso, os empresários foram agraciados por meio de uma "canetada" do ex-governador, em 2008.



Hartung teria cometido duas aberrações, segundo o autor da ação popular: na primeira, ele teria ampliando os benefícios que eram concedidos de forma individual desde 2003 para a formalização de contrato que garantiu os incentivos para toda a categoria; enquanto na segunda, permitiu a extensão dos incentivos, de forma indiscriminada, para todas as empresas do setor por meio de decreto.



O denunciante afirma que os próprios empresários do setor atacadista não estariam cumprindo até mesmo o contrato de competitividade, que prevê uma taxa mínima de crescimento (de 5%). “A meta estabelecida pelo Governo é que a empresa que recolheu R$ 100,00 em um ano, no outro ano recolha 5% a mais, ou seja, R$ 105,00. Muito menos do que os R$ 1.200,00 que teria de recolher”, observa.



O autor da ação popular avalia que o contrato é extremamente lesivo, já que autorizou os comerciantes a demorarem um longo período para alcançar o valor que deveria ser recolhido normalmente. “Consistindo em amarga renúncia fiscal, sem contrapartida justificável”, classificou.



“Trágico é que se ouve todo dia notícias de severas punições contra aqueles que sonegam. Mas, na hipótese, a sonegação é ‘autorizada’ oficialmente. E mais, a renúncia ao imposto é contratada e ratificada por Decreto em condições extremamente lesivas ao Erário. Não há qualquer lei que autorize isso, e, a bem da verdade, nem poderia existir”, narra outro trecho do processo que tramita na 3ª Vara dos Feitos da Fazenda Pública Estadual.



Prejuízo aos municípios



Na mesma ação, Sérgio Marinho destaca que os municípios capixabas também foram lesados pelos benefícios ao setor atacadista, já que o governo teria suprimido tributos que pertenceriam ao caixa dos municípios. A legislação prevê que o bolo do ICMS estadual (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) é divido entre o Estado (que fica com 75%) e municípios (25%), porém, a lei atribui que cada ente é o titular de sua parte. Por este motivo, o Estado não poderia “transferir o dinheiro do município para particulares”.



“O Supremo Tribunal Federal já pacificou que é vedado ao Estado abrir mão, em renúncia fiscal, da participação dos Municípios. Nem mesmo o famigerado Fundap foi capaz de tamanha audácia! Durante os quase 40 anos que vigorou o Fundap, a quota dos municípios foi integralmente recolhida pelos empresários”, lembrou.



O estudante de Direito sustenta ainda que o contrato é nulo por não respeitar a legislação, uma vez que foi criado sem a existência de lei específica e sem o respaldo da Procuradoria Geral do Estado (PGE): “O prejuízo na demora é evidente, já que o dinheiro público está sendo dilapidado, sendo difícil, senão impossível a reparação. Sobretudo aos municípios, que estão sendo lesados de forma continuada. São mais de R$ 750 milhões que foram desviados nos últimos anos, sendo que a cada mês se renova o desvio”.



O autor da ação popular pediu à Justiça que determine o envio de cópia do processo para o Ministério Público Estadual (MPE) para que apure eventuais atos de improbidade na concessão dos benefícios, assim como para as Secretarias da Fazenda dos demais estados para que adotem a fiscalização em créditos indevidos. Na denúncia, ele menciona que a suposta “guerra fiscal” encobriu relações promíscuas entre o setor político e o setor privado.



“Estamos de frente a um caso ainda mais grave, pois determinados cidadãos, investidos de cargos públicos estaduais, resolveram doar dinheiro a empresários que pertence não apenas ao cofre estadual, mas também aos cofres municipais”, denunciou.



Guerra fiscal deu margem à fraude



Citando informações do mercado, o estudante garante que o incentivo deu vazão a um esquema de fabricação de notas fiscais fraudulentas. “A situação é notória, pois existem grandes galpões alugados por contadores ou empresas especialistas em guerra fiscal que abrigam diversos escritórios de ‘distribuidoras’. Esses galpões funcionam como baias de emissão de notas fiscais escoradas no ‘contrato de competitividade’, geralmente com um telefone e um empregado cada empresa, à plena luz do dia e com o conhecimento da fiscalização estadual”.



Ele utilizou como exemplo, uma operação fictícia entre uma empresa local e de um outro Estado da Federação: “Se uma empresa capixaba vende a uma outra, de São Paulo. A capixaba recolhe 1% de imposto, mas tira a nota com 12%. A empresa de São Paulo irá apresentar ao fisco a nota e exigir o crédito de 12%. Ao conseguir, estará de fato lesando São Paulo com 11%, pois é um crédito que jamais poderia existir”. No texto, Sérgio Marinho destaca que alguns estados, como Minas Gerais, conhecem o esquema e não aceitam mais este tipo de nota fiscal.



“Saber que todo esse mecanismo fraudulento é possibilitado por autoridades públicas mediante créditos presumidos é de causar indignação. Pois se fossem dois empresários, não amparados por um ‘contrato’ assinado pelo Estado, pasmem, a esta altura já teriam sofrido os rigores da lei. Pois o que diriam de tais empresários? No mínimo, que estariam ‘vendendo notas ou créditos fiscais fictícios’”, cravou.

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