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Camila Valadão reforça questionamentos à instalação do Porto Central

Compensação, indenização e plano contra violência sexual são temas de ofícios ao governo estadual

Lucas S.Costa/Ales

A deputada estadual Camila Valadão (Psol), presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa, reforça os questionamentos aos impactos causados pela implantação do Porto Central em Presidente Kennedy, no litoral sul do Estado. A expectativa é de que as obras sejam iniciadas até o fim deste ano, mas a comunidade da região protesta contra o empreendimento.

Neste mês, Valadão encaminhou ofícios ao governo estadual, requerendo informações sobre: um recurso de R$ 8 milhões de compensação por danos ambientais; indenização a pescadores; e de plano de prevenção à violência sexual de mulheres. Também foram enviados ofícios ao Ministério Público, Defensoria Pública do Estado (DPES) e Conselho Estadual de Cultura (CEC), a respeito da criação de uma área de preservação, das consultas feitas à população sobre o porto e da proteção do Santuário e da procissão de Nossa Senhora das Neves.

Os requerimentos de informação foram protocolados em resposta a reivindicações da Campanha Nem um Poço a Mais, da Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (Fase). Seus representantes participaram de uma reunião da Comissão de Direitos Humanos em abril deste ano, na qual apresentaram uma carta de reivindicações sobre o tema.

Dois dos ofícios foram encaminhados à Secretaria de Estado do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Seama). No Requerimento de Informação 524/2024, a deputada questiona o que será feito com um recurso de R$ 8,8 milhões destinados à compensação ambiental. De acordo com planilha registrada no Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Iema), o valor se refere a um processo da empresa de nome Geraes relacionado à Usina Termoelétrica (UTE) Presidente Kennedy.

“Sabe-se que a fonte da compensação é estadual, mas consta que a Unidade de Conservação (UC) beneficiada é indefinida, bem como é indefinido o órgão gestor da UC. Também é exposto que não há Termo de Compromisso de Compensação Ambiental (TCCA) com o empreendedor”, diz o documento, questionando se o valor está ou não relacionado à construção do porto.

Já no Requerimento de Informação 525/2024, Camila Valadão pede esclarecimentos sobre como os pescadores da região do porto serão indenizados pelos impactos. Segundo ela, “não foi possível encontrar, tanto no Rima [Relatório de Impacto Ambiental] quanto em demais documentos disponibilizados pelo Estado em relação ao empreendimento, como será feita a indenização devida aos pescadores diante do impacto severo que a obra gerará na forma de sustento das suas famílias”.

Para a Secretaria de Estado das Mulheres (SESM), a presidente da Comissão de Direitos Humanos encaminhou a Indicação 1.089/2024, requerendo a elaboração de um plano de atuação para a proteção das mulheres e meninas que residem em territórios com grandes empreendimentos, em parceria com organizações da sociedade civil.

“Infelizmente, constata-se que, pelo crescimento urbano desordenado que altera a região e a vida de todas as pessoas que moram na localidade, os casos de crimes sexuais, como importunação sexual e estupro, aumentam significativamente em territórios que se tornam sediadores de grandes obras”, diz o texto.

“Em Altamira, município no interior do Pará que recebeu a construção de uma hidrelétrica, os dados da delegacia da mulher da região mostram um recorde de notificações de violência sexual em 2012 e 2013, no auge da construção da obra, 42 e 47 casos, respectivamente. Em 2014 foram registrados 25 casos de violência sexual e, em 2015, 24”, menciona a deputada.

Para o Centro de Apoio Operacional da Defesa do Meio Ambiente do MPES, o questionamento diz respeito à possibilidade de criação de aérea de proteção estadual em Presidente Kennedy e Mimoso, tendo em vista proteger a “região dos alagados, mangue, restinga e nascentes dos corpos hídricos que servem como berçário para abastecimento pesqueiro da região, como o rio Preto e córrego Pesqueiro, afluentes do Rio Itabapoana”.

Junto ao Ministério Público do Trabalho, foram abordadas possíveis violações de direitos decorrentes da ausência de consultas prévias à comunidade. “De acordo com a denúncia recebida, não tem sido assegurada a consulta prévia, livre e informada para a comunidade tradicional da região, que é composta por pescadores e população ribeirinha, conforme previsto na Convenção Nº 169 da Organização Internacional do Trabalho – OIT”, afirma.

Ao Conselho Estadual de Cultura, Camila Valadão questiona quais providências estão sendo adotadas para proteger o Santuário e a procissão de Nossa Senhora das Neves. O projeto do porto prevê que a histórica igreja ficará enclausurada na área no empreendimento, afetando tanto o patrimônio histórico tombado quanto as tradições religiosas e culturais celebradas todos os anos.

O Núcleo de Atuação em Desastres e Grandes Empreendimentos da DPES também foi comunicado sobre as denúncias feitas pela Campanha Nem um Poço a Mais, e respondeu dizendo que analisa o caso. Os demais entes públicos oficiados ainda não responderam às solicitações, como informa a deputada. O prazo para dar retorno é de 60 dias.

Daniela Meireles, da coordenação da Fase no Espírito Santo, avalia que o combate ao Porto Central tem ganhado força. “Há uma luta bem articulada na Campanha Nem um Poço a Mais e que se fortalece com as trocas de resistências de outros portos, como o já instalado Porto de Açu, em Campos, ou o projeto do porto de Jaconé, em Saquarema, ambos no Rio de Janeiro. Os principais focos de luta contra o Porto Central são: os pescadores artesanais, a restinga, as mulheres e o Santuário das Neves”, comenta.

Implantação do Porto Central

Previsto para ocupar uma área de 20 milhões de metros quadrados na foz do rio Itabapoana, na divisa do Espírito Santo com o Rio de Janeiro, o Porto Central deverá impactar pelo menos 400 famílias ribeirinhas que vivem da pesca, além de gerar diversos impactos socioambientais e nos modos de vida de diversas comunidades da região.

Em maio de 2023, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Ibama) forneceu a licença de instalação do Porto Central, um complexo portuário estimado em R$ 5 bilhões, mas que não tem nenhum valor previsto como compensação à comunidade pesqueira da região.

O projeto é de 2011, mas, desde que foi protocolado, não conseguiu se viabilizar. Nesse período, houve mudanças nos arranjos econômicos, com a saída do Porto de Roterdã como um dos investidores. Para a viabilização dos licenciamentos, também se adotou uma estratégia de avanço em cinco fases distintas.

“A implantação, ao que sabemos, se dará por etapas: ferrovia, piers, etc. A medida que forem implantando cada um, buscarão o licenciamento e o financiamento para as demais partes. Ao que tudo indica, considerando a falta de transparência do projeto, não há investidores para arcar com o conjunto do porto. A Ferrous e o Porto de Roterdã, por exemplo, já abandonaram”, comenta Daniela Meireles.

Em maio, o Porto Central noticiou a assinatura de um memorando de entendimentos com a empresa europeia M.A.R.S. Europe A/S, uma subsidiária europeia da empresa M.A.R.S. Inc, dos Estados Unidos. Segundo o empreendimento, “a parceria visa realizar pesquisas aprofundadas para apurar a viabilidade e os potenciais benefícios de um projeto desse tipo no sul capixaba, reforçando um compromisso com práticas sustentáveis e desenvolvimento econômico”. Não foram divulgados valores de investimento.

“A Campanha Nem um Poço a Mais tem feito pressão junto ao governo estadual, mas também junto ao capital holandês, para que não invistam neste projeto, considerando as diversas ameaças de violações aos direitos humanos e da natureza e à emergência climática que requer desinvestimentos na indústria fóssil, a quem o Porto Central pretende atender” argumenta Daniela Meireles.

No último mês de março, a Organização Não Governamental (ONG) Restauração e Ecodesenvolvimento da Bacia Hidrográfica do Itabapoana (Redi) lançou o documentário de curta-metragem Antes que o porto venha, que apresenta depoimentos de pescadores da região em que o porto será implantado.

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