Sexta, 17 Mai 2024

O que o PT ganha com a eleição de João Coser na presidência do partido?

O que o PT ganha com a eleição de João Coser na presidência do partido?
Nerter Samora e Renata Oliveira
 
Passada a eleição interna do PT e confirmada a vitória do ex-prefeito de Vitória, João Coser, Papo de Repórter analisa o que isso significa para o partido e para o cenário eleitoral de 2014 no Espírito Santo
 
Nerter – A eleição do PT confirmou aquilo que se esperava, com a vitória do ex-prefeito João Coser para a presidência e com maioria no diretório e na Executiva estadual do partido. Isso coloca o botão, como se diz no pôquer, nas mãos dele para o jogo eleitoral de 2014. Também dá a sustentação que ele precisa para garantir a articulação ao lado do PMDB e o afastamento necessário do grupo do governador Renato Casagrande. No contexto que se desenha para o próximo ano, Coser é a figura no PT com capacidade para sentar à mesa de negociação. Não acha?
 
Renata – Do ponto de vista pragmático, sim. Coser conseguiu fazer o processo interno do PT jogar a seu favor. No PED ganha quem tem a maioria dos votos e isso consiste em conseguir o apoio do maior número de filiados possível. Diante de convencer a juventude e os chamados históricos, o ex-prefeito traçou uma estratégia vitoriosa. Investiu na filiação em massa no final do ano passado, ajudou na quitação das dividas dos filiados para que se tornassem aptos a votar, apoiou, ainda, com a máquina da prefeitura de Vitória nas mãos, candidaturas em vários municípios e, nos últimos dias antes da votação, partiu para uma ação intensiva para garantir a vitória nos principais diretórios municipais. Ganhou numericamente, mas sua eleição traz contestações ideológicas. 
 
Nerter – Isso ficou refletido no comparecimento dos filiados. Menos da metade foi votar. Mostra a mudança de perfil do PT no Estado. De partido ideológico, criado no início da década de 1980, para ser representante da classe trabalhadora na política institucional, o PT se transformou, sobretudo a partir do início da década passada - com a chegada de Lula à presidência - num partido de disputa de poder.
 
No Espírito Santo, evidenciou-se as características de partido de reduto, movido pela barganha de cargos. O partido cresceu, claro, e hoje ocupa muitos espaços políticos, mas essa representação é questionada dentro do próprio partido. 
 
Renata – Com a eleição de 2004, quando o PT chegou à frente de duas grandes prefeituras da Grande Vitória:  a da capital e a de Cariacica; e em 2008, com as vitórias em Cachoeiro de Itapemirim e Colatina, o partido passou a governar um grande número de pessoas, o PT nunca esteve tão grande no Espírito Santo, exceto pelo período em que esteve à frente do governo. Mas a retração em 2012, mostra que o partido perdeu seu capital na mesa de negociação que harmonicamente compartilhava o poder no Estado. 
 
Nerter – Você se refere àquela mesa que garantia assentos para PT, PMDB, PSB, PDT e PR. Realmente, por muitos anos houve um equilíbrio de forças, com as siglas se revezando na Grande Vitória, principalmente, com os cargos de prefeito, vice-prefeito, equipe de governo, presidência de Câmara. Mas isso começou a desandar no momento em que o PMDB pegou o lugar do PSB na vaga de vice da reeleição de Coser, na articulação das eleições 2008 em Vitória. O caldo entornou mesmo quando Renato Casagrande, em 2010, devido a uma manobra nacional, furou a fila para chegar ao Palácio Anchieta. No projeto dos cabeças desses partidos – Paulo Hartung (PMDB), Renato Casagrande (PSB), Sérgio Vidigal (PDT), Neucimar Fraga (PR) e João Coser (PT), isso na época –, o sucessor de Hartung seria Ricardo Ferraço, que se comprometera a governar por quatro anos, abrindo mão do governo, agora em 2014 para João Coser. Entendia-se que Casagrande já havia sido contemplado com o Senado, Vidigal tinha seu reduto, a Serra, e Neucimar a reeleição em Vila Velha. Mas, ao furar a fila, Casagrande acabou com esse "acordo de cavalheiros". 
 
Renata – Por isso é incoerente ele tentar agora recompor o projeto de unanimidade. Há um novo projeto em curso e Casagrande não faz parte dele. Ao vencer a disputa interna no PT, Coser fica apto a construir esse novo projeto ao lado de Hartung e Ricardo Ferraço. Neucimar não é mais o presidente do PR e não há acordo com Magno Malta, porque não há como controlá-lo. A dúvida nesse jogo fica com o PDT. Vidigal também perdeu muito nesse processo. No palanque de Renato Casagrande terá de conviver com seu desafeto, Audifax Barcelos. Já no palanque PMDB-PT pode ficar sem espaço. Nesse grupo, existe a possibilidade de Hartung disputar o governo ao lado de Coser, que buscaria o Senado. Há ainda a possibilidade de construir uma composição com Ferraço para o governo, Hartung ao Senado e Coser na vice-governadoria. Uma saída mais fácil para Vidigal seria justificar, pela amizade, seu apoio ao palanque do senador Magno Malta, mas há dúvidas sobre a entrada do senador na disputa ao governo, portanto, Vidigal é uma noiva cobiçada, mas precisa de tempo para escolher o parceiro. 
 
Nerter – Voltando ao PT, a eleição de Coser atende à movimentação da nacional. O ex-presidente Lula e o presidente reeleito do partido, Rui Falcão, têm trabalhado pelo isolamento do PSB nos estados governados pelos socialistas, como no caso do Espírito Santo. E a vitória de Coser, evidentemente, representa um avanço na costura do PT com o PMDB. Apesar do jogo de cena do presidente do partido no Estado, José Roberto Dudé, do grupo de Coser, dizendo que o PT privilegia a permanência no grupo de Casagrande. A cúpula petista hoje, quer continuar  ao lado de Hartung, pois faz parte do grupo dele. E aos poucos isso vai sendo assimilado pelos demais membros do partido. A bancada na Assembleia já entendeu. 
 
Renata – Entendeu rapidinho. Até o deputado Roberto Carlos (PT), que era o mais governista deu uma diminuída no ritmo. A movimentação de Rodrigo Coelho na comissão do ICMS coloca os prefeitos em rota de colisão com Casagrande e justamente onde ele buscava o fortalecimento de seu palanque, no interior do Estado. O líder da bancada, Claudio Vereza, rasgou logo o verbo contra o governo na questão dos 11.98%, sem poupar ironias: chamou o procurador-geral Rodrigo Júdice de sub judice - em reprovação à manobra do governo de tentar "melar" os 11,98%. E como esquecer a frase  da deputada Lúcia Dornellas, que pelo menos eu entendi muito bem, na eleição para conselheiro do Tribunal de Contas: “Pela neutralidade, voto em Claudio Vereza”. 
 
Nerter – Em outro ponto que o controle do PT por Coser atende ao projeto da nacional é a necessidade do partido em eleger senadores nos estados  de menor densidade eleitoral, mais uma vez, como é  o caso do Espírito Santo. Não estou dizendo que Coser vá ganhar a eleição, mas ele, por meio de suas movimentações ainda na prefeitura de Vitória, tem um capital de votos que se bem trabalhado ao lado do palanque de Hartung e não houver algum revés nesse palanque tem competitividade para a disputa. Sem entrar no mérito do direito de Ana Rita disputar à reeleição e do tratamento dado pelo PT a seu trabalho no Senado, ela tem capital para disputar a Assembleia e refazer uma caminhada política. Como eu disse, para o cenário do próximo ano, o projeto de Coser serve ao PT. 
 
Renata – Mas é claro que estamos falando deste novo PT. Há uma questão a ser discutida aí. Há perguntas que ficam no ar e que devem ser discutidas dentro do partido. O partido se afastou de suas origens. De partido dos trabalhadores não tem nada no que diz respeito à sua atuação política. Valeu a pena abandonar esses ideais? Os espaços que o PT ocupou compensam essa guinada no partido? O papel que vai desempenhar no próximo ano vai mesmo surtir efeito para as pretensões que têm, sobretudo da reeleição da presidente Dilma Rousseff? O partido sairá fortalecido ou apenas o grupo de Coser? Esse é o projeto que a militância do partido defende?
 
Nerter – A resposta para a maioria dessas perguntas é provavelmente não. Mas é preciso entender também que o cenário político também é outro. Talvez o PT tenha se perdido no momento de adaptar sua proposta partidária às novas demandas. Talvez fosse o caso encontrar um caminho do meio. Mas isso não é fácil, nem para o PT e nem para qualquer outro partido que tente manter um projeto de poder e ao mesmo tempo manter-se fiel às bandeiras que levanta. 

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