'Na Ufes, negro pode ser até técnico, professor não'
A Associação dos Docentes da Universidade Federal do Espírito Santo (Adufes) divulgou dados que mostram um número ínfimo na instituição de ensino de professores negros, grupo que trata-se da soma de pretos e pardos. Do total de 2.874 docentes, 66 são pretos e 312 pardos. Diante dessa realidade, a entidade defende que seja aplicada nos concursos públicos para a docência a Lei nº 12.990/2014, que garante cotas de 20% das vagas para negros, ação afirmação que já é colocada em prática para os servidores técnico-administrativos.
"Na Ufes, negro pode ser até técnico, professor não", diz a vice-presidente da Adufes, Jacyara Paiva. Ela informa que a lei entrou em vigor em 2014, tendo prazo de validade de 10 anos, e que buscou informações com a Administração Central da universidade sobre as possibilidades de aplicação da lei e recebeu como resposta que existe uma comissão que estuda como aplicá-la. "Essa comissão está discutindo isso há nove anos?", questiona.A professora faz críticas aos editais individuais para seleção de professores, ou seja, com foco nas vagas de necessidade especificamente de um determinado curso, que, muitas vezes, são somente uma, impossibilitando a aplicação das cotas raciais. A proposta da Adufes é juntar todas as vagas existentes em um único edital e averiguar quais são os cursos com o menor número de negros para aplicar as cotas.
"A ponto de perder o bonde da história, nossos editais individuais têm levado a Ufes ao descumprimento da Lei nº 12.990/2014, enquanto várias universidades têm realizado estratégias para seu cumprimento. Temos uma resposta a dar à sociedade diante desta omissão histórica, não podemos continuar negligenciando a urgência de implementação de uma política nesse campo, sob o risco de continuar ratificando racismo estrutural e institucional através do não cumprimento da lei", reforça.
Jacyara destaca que além da não aplicação da lei, a falta de cotas raciais nos programas de pós-graduação também contribui para o número ínfimo de professores pretos e pardos, uma vez que não amplia as possibilidades de os negros obterem o título de doutor, necessário para participar do certame. Existem cerca de 60 programas de pós-graduação na Ufes, mas apenas oito têm cotas raciais, o que foi implementado por iniciativa dos próprios programas, enfatiza.
A mobilização pela aplicação da Lei nº 12.990/2014 ganhou força diante da polêmica ocorrida em novembro último devido à decisão do Departamento de Línguas e Letras (DLL) de ceder a vaga da professora Jurema José de Oliveira, falecida em outubro deste ano, para a área de língua francesa, o que causou repercussão negativa e divulgação de diversas notas de repúdio, principalmente de entidade ligadas ao Movimento Negro, que apontaram como a iniciativa estava impregnada do racismo institucional.
Jurema presidia a Associação Internacional de Estudos Culturais e Literários Africanos (Afrolic) e criou e coordenava o Núcleo de Literaturas Africanas da Ufes. A docente, que ingressou na instituição de ensino para lecionar literatura portuguesa, também ministrava aulas de literaturas africanas de língua portuguesa e literatura afro-brasileira, tornando-se referência nessa área. Diante da repercussão negativa do fato, o DLL voltou atrás na decisão e estabeleceu que vaga se manteria na literatura, abrindo concurso público para a área de Africanidades. Havendo nova vacância na literatura, essa vaga será destinada para língua francesa.
Números por Centro
Os dados obtidos com a Pró-Reitoria de Gestão de Pessoas (Progep) são baseados em autodeclaração, portanto, conforme afirma Jacyara, o número de negros pode ser ainda menor, uma vez que, "por falta de letramento racial", algumas pessoas brancas podem ter se declarado pardas.
O levantamento também mostra o número de docentes pretos e pardos em cada um dos centros, nas Pró-Reitorias e na Superintendência de Relações Institucionais (SRI). O centro com maior número de pretos é o de Ciências Humanas e Naturais, com 12, seguido de Ciências Exatas, Naturais e da Saúde (8); Ciências Jurídicas e Econômicas (7); Educação (7); Tecnológico (6); Universitário Norte do Espírito Santo (5); Ciências Agrárias e Engenharias (4); Ciências da Saúde (4); Educação Física e Desportos (4); Exatas (3) e Artes (1).
O centro com maior número de pardos é o de Ciências da Saúde, com 55. Em seguida vem o Universitário Norte do Espírito Santo (39); Ciências Jurídicas e Econômicas (36); Ciências Humanas e Naturais (31); Tecnológico (28); Educação (26); Exatas, Naturais e da Saúde (23); Artes (22); Ciências Agrárias e Engenharias (21) e Ciências Exatas (21).
Na Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis e Cidadania (Proaeci), há dois pretos. Tanto na Pró-Reitoria de Extensão (Proex) quanto na SRI, um docente preto. Na Pró-Reitoria de Graduação (Prograd), dois pardos.
Ufes: cessão de vaga de literaturas africanas para língua francesa gera polêmica
A decisão, do Departamento de Línguas e Letras, é apontada como reflexo do racismo institucional na universidade
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Após repercussão negativa, foi revogada a decisão de destinar a vaga para língua francesa
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