Quando os brasileiros decidiram sair às ruas em junho deste ano, a insatisfação com o transporte público era a prioridade número um da pauta popular. Tanto que os movimentos que mais se destacaram no início das manifestações estavam ligados a esse tema: “Não é por 20”, “Passe Livre” etc.
No Espírito Santo não foi diferente. A “sucursal” do “Não é por 20” puxou boa parte dos protestos, pedindo equilíbrio na equação custo-benefício do transporte público.
Com a intensificação dos protestos e diversificação da pauta, o tema transporte público logo agregou outras demandas do asfalto e ampliou a discussão para mobilidade urbana. Além de pedir mais espaços para os ciclistas, qualidade no transporte público e preços mais justos, a pauta acabou desaguando na praça do pedágio da Terceira Ponte. O fim da cobrança do pedágio, com todos os seus simbolismos, passou a ser o principal mote dos protestos.
De cada dez manifestações, onze acabavam na praça do pedágio. Invariavelmente os manifestantes exigiam a liberação das cancelas. Quando conseguiam, por algumas horas, tinha a sensação de que a Justiça estava sendo feita: o povo vencia a queda de braço contra a Rodosol e governo.
Acuado, o governador Renato Casagrande, em parceria com o Tribunal de Justiça, Ministério Público e Tribunal de Contas, encontrou uma solução providencial para se ver livre da pressão das ruas.
Depois de defender com unhas e dentes a Rodosol e corroer sua popularidade, o governador decidiu mudar o discurso ao defender a realização de uma auditoria para averiguar se o preço cobrado (R$ 1,90) era realmente justo.
No pacote de medidas populares, Casagrande apoiou a decisão da Justiça que mandou reduzir a tarifa para R$ 0,80 até que a auditoria seja concluída — prazo se encerra no início de 2014.
É óbvio e ululante que o governo não quer mexer na tarifa do pedágio para cima. Seria uma medida pra lá de impopular. Isso tudo em ano eleitoral? Nem pensar. Mesmo que a auditoria arbitre que o valor justo tenha de ser R$ 1, por exemplo, o governador vai ser o primeiro a berrar contra. A tendência é que a decisão sobre o pedágio fique para depois das eleições.
Casagrande, mais que ninguém, sentiu na pele a pressão das ruas e o alívio imediato que a redução da tarifa provocou, com o arrefecimento dos protestos.
Isso explica, como bem disse o professor Roberto Simões, como os projetos de mobilidade urbana tem viés eleitoreiro. A apresentação do BRT foi mais um espetáculo nesse sentido. Muitos croquis coloridos, desenhos, maquetes e outros truques da tecnologia gráfica para dar contornos de realidade a um projeto que ainda não saiu do papel.
O governador Casagrande, relembrou Simões, reedita a estratégia de outros governantes para elevar um projeto que ainda é virtual como a maior solução de mobilidade urbana para a Grande Vitória dos últimos tempos.
O seu antecessor Paulo Hartung e o então vice-governador Ricardo Ferraço também já ganharam fama com essa prosa, vendendo o mesmo BRT. No projeto de Hartung ele ainda incluía um túnel “sensacional” ligando Vitória a Vila Velha.
O ex-prefeito João Coser também se reelegeu em 2008 à custa do Trem Leve de Superfície, que descarrilou antes mesmo de sair do papel, se tornando em uma das mais frustrantes promessas de campanha do petista. Motivo de chacota dos adversários.
O aquaviário naufragou, como bem lembrou o professor Roberto Simões, porque a eleição de 1982 anunciou o projeto às pressas. “Compraram lanchas inadequadas para a Baía de Vitória”.
Em meio ao deslumbramento com o BRT, o professor faz um alerta muito oportuno para a ocasião: “É sempre assim, sempre esse afogadilho de lançar em toda a eleição um projeto às pressas para arrecadar votos, mas isso não significa resultado em mobilidade”.