De um minúsculo município de 15 mil habitantes encrustado na microrregião noroeste do Espírito Santo, Boa Esperança, nasce um exemplo de organização política em defesa de interesses coletivos que se sobrepõe ao individualismo característico de grande parte da classe política brasileira.
O processo judicial movido pelo senador Magno Malta (PR) contra o padre Romário Hastenreitter, que o chamou de traidor perante os fiéis, em sua maioria produtores de agricultura familiar, ganha uma dimensão maior, pois serve para demonstrar diferenciais de comportamento de indivíduos diretamente ligados ao meio social e que deveriam zelar por ele.
De um lado, um religioso à frente de uma comunidade formada por proprietários de pequenas lavouras, trabalhadores, donas de casa, reduzido número de profissionais liberais, professores e, de outro, um senador da República, eleito para representar esse povo, dentro do regime da democracia representativa em que o País vive e que votou a favor da famigerada reforma trabalhista, em 2017.
A polêmica em torno do comportamento de ambos reside em mensurar qual dos dois incorreu em erro. O padre, que em momento de ira deve ter usado palavras mais duras do que o habitual, mas nem por isso inverídicas, ou o político, desprovido da autoridade da qual foi investido pelo voto popular a partir do momento em que abdicou do direito de defender a população.
A gritaria contra a reforma Trabalhista foi geral e inclui especialistas de renome, que afirmam que a nova legislação contraria diversos artigos estabelecidos na Constituição, a exemplo do chamado princípio da norma mais favorável ao trabalhador.
A lei da reforma, de número 13.467, diz que os acordos coletivos de trabalho sempre preferem as convenções coletivas de trabalho. A convenção coletiva de trabalho é celebrada entre sindicato patronal e de trabalhadores, já o acordo coletivo é celebrado entre sindicato de trabalhadores e empresa.
O que a lei passa a dizer é que o que está no acordo coletivo, celebrado diretamente com a empresa, prevalece sobre o que celebrado na convenção, mesmo que seja pior, quebrando o princípio constitucional da norma mais favorável, como dizem alguns juízes do trabalho.
Embora possa não ser aceitável do ponto de vista legal, a braveza do padre é plenamente justificável se o foco for direcionado para a classe trabalhadora, especialmente no meio rural, cujos direitos foram abalados com a reforma, em um processo em que os autores ignoraram pareceres técnicos abalizados, a fim de favorecer interesses corporativos.
Nesse contexto, as razões do padre são infinitamente maiores do que um senador cuja folha de serviços prestados à nação é praticamente nula.