Quarta, 08 Mai 2024

Cuidado com o que você deseja

Desejava um emprego público... Sem estudo não posso ser exigente, mas tudo que desejo é um cargo vitalício com o pacote completo – pouco trabalho no dia a dia, salário na conta todo mês,  férias pagas todo ano, aposentadoria no fim da trilha. É desejar muito? Se tem gente que tem, por que não Pedro Porcino, porteiro pois?



Desejei ser porteiro quando era entregador de merceraria e fiquei responsável pelas entregas nesse prédio bonito, cheio de jardins, carros de luxo entrando e saindo da garagem. Tem até aguinha jorrando numa cascata, coisa linda de se ver! Tanto rezei e agradei aos moradores, fazendo biscates extras na hora das entregas, que acabei sendo aceito quando apareceu a vaga.



Pensei que havia chegado ao paraíso - quando davam festas sempre lembravam de me mandar um pratinho, e mais roupa usada, tênis gasto, sobras da geladeira... Mas isso de ter que arrastar sacolões de lixo todo dia, carregar gigantescos botijões de gás, ser chamado pra desentupir pia e trocar lâmpada já estava dando nos nervos. Alguns davam gorgetas pelo serviço extra, mas a maioria prometia e esquecia.



Além do medo de ser mandado embora por qualquer me-dá-lá-aquela-palha. Foi quando compreendi o grande segredo da vida – bom mesmo é ser funcionário público, profissão da maioria dos moradores do Residencial VidaBoa. Eram todos felilzes, sem pressa de sair de manhã, voltando mais cedo por isso ou por aquilo. E feriados à vontade! Pensa que porteiro de prédio tem direito a feriado e dia santo?



Aí o sexto andar foi vendido, e a nova proprietária tem uma deficiência nas mãos... que eu chamaria de artrite, ela chama de probleminha. Mora sozinha e o tal probleminha não lhe permite fechar o colar ou o relógio, ou subir e baixar o fecho-eclair do vestido. Advinha quem ficou responsável por tais procedimentos, sem ganhos extras? O porteiro, claro!



No princípio vinha a dona pra portaria com o vestido aberto e os ouros na mão; hoje toca o interfone e lá vou eu abrir enlatado e manejar tesouras e alicates; abrir ou fechar vestidos, abotoar e desabotoar colares... Pergunto – por que não compra ela coisas que se adaptem à tal deficiência? Também abro a correspondência e sei que é funcionária pública, mesmo sem poder escrever e manejar computadores. E jura que o tio desembargador não tem nada a ver com isso.



Depois de várias tentativas, e  para minha própria surpresa, passei no concurso pra gari da prefeitura. Não á cargo importante, mas paga salário todo mês, férias todo ano, aposentadoria e benefício. Tudo que eu desejei na vida... só que a moradora do sexto andar, deficiente e solitária, me pôs pra dormir no quarto dos fundos e precisa mais de mim do que o prefeito.

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