Domingo, 19 Mai 2024

Lições da ocupação

Seria prudente que a classe política e as autoridades em geral analisassem com atenção redobrada cada um dos pontos da pauta de reivindicações apresentada pelo grupo de manifestantes que ocupou a Assembleia nos últimos 12 dias. Os dez pontos da pauta, em certa medida, sintetizam o clamor das ruas.
 
Embora o pleito que pede o fim da cobrança do pedágio da Terceira Ponte tenha se tornado o carro-chefe dos protestos na Grande Vitória, o processo de ocupação do prédio do legislativo estadual trouxe à tona outras demandas, além de desvelar o despreparo do governo e das instituições, que não souberam lidar com o fenômeno das ruas. 
 
Quando os primeiros 30 mil manifestantes tomaram o asfalto no dia 17 de junho, governo e instituições levaram um tremendo susto. Três dias depois, mais de 100 mil "invadiriam" às ruas, na maior manifestação proporcional do país, desde que a onda de protestos teve início no país.
 
No primeiro momento, o governo foi pragmático com os protestos. Usou a polícia para reprimir os manifestantes, apostando que a onda de protesto seria passageira e perderia força e intensidade na mesma velocidade que se avolumou nas ruas. 
 
Entretanto, as sistemáticas marchas viraram quase rotina na Capital capixaba. As pessoas já marcavam ou cancelavam seus compromissos de olho na agenda dos manifestantes, que usavam as redes sociais como canal de mobilização. Apesar dos transtornos (inevitáveis), boa parte da população continuava ou continua apoiando os protestos. 
 
Acuado e inábil para pavimentar um canal de interlocução com as ruas, o governo seguia perdido. No auge da desorientação, passou a criminalizar os protestos. A estratégia era minar a força do movimento, mostrando à opinião pública que a onda inicial de protestos fora "contaminada" por vândalos e arruaceiros. 
 
Não bastasse o clamor do asfalto, o governo enfrentava sua pior crise com o legislativo estadual que, surpreendentemente, num cochilo do Executivo, pôs na pauta o projeto de decreto legislativo que pede o fim da cobrança do pedágio na Terceira Ponte. 
 
O golpe mais agudo viria com a decisão, em bloco, dos deputados do PT que se posicionaram a favor do projeto do deputado Euclério Sampaio. A essa altura o pedetista tinha conseguido, com seu projeto, materializar uma das principais demandas da rua (o fim da cobrança do pedágio e todos os seus simbolismos) e, de quebra, abrir um racha na base de sustentação do governador Renato Casagrande, que passou a dividir a Assembleia, unânime até então, em dois blocos: os a favor e os contra o projeto.
 
Seria na sessão histórica do dia 2 de julho, tomada por manifestantes que acompanhavam atentamente o desfecho da votação, que se daria a ocupação da Assembleia. Os protestos deixavam provisoriamente as ruas para ocupar o prédio do legislativo. Não qualquer espaço, mas o gabinete da presidência da Casa. 
 
Após 12 dias de ocupação e 12 horas de negociação com o juiz Marcelo Loureiro e companhia, a ocupação da Casa foi encerrada ao meio-dia deste sábado (13) de forma pacífica. Menos pior para o governo e seus apoiadores.
 
Todo esse processo - que do primeiro ato de rua para cá já dura quase um mês -, fragilizou uns e fortaleceu outros. A pauta de reivindicações dos manifestantes revela, como numa fotografia, a imagem de autoridades e instituições pós-ocupação. 
 
Entre os que saíram mais desgastados desse processo, com base nos pontos da pauta, destaques para o governador Renato Casagrande, que não soube mediar o conflito e precisou recorrer a terceiros (leia-se desembargador Pedro Valls Feu Rosa, presidente do Tribunal de Justiça,) ; e para os 15 deputados que aceitaram a manobra do governo para obstruir o projeto de Euclério. 
 
Na lista dos fortalecidos, destaque para a população que tomou as ruas na marcha dos 100 mil.  O histórico ato mostrou o poder de mobilização das massas e pôs uma enorme pulga atrás das orelhas das autoridades. 
 
O destaque especial vai para o movimento "Ocupa Ales", que levou a insatisfação das ruas para dentro da Assembleia e defendeu com unhas e dentes as demandas populares. Em 12 dias de ocupação, eles deram uma senhora chacoalhada nunca vista nos três poderes, que precisaram se curvar aos 100 bravos resistentes, que preferem ser identificados coletivamente como grupo. 

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