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Matemática de pobre

Roubamos dois pães sem nada dentro ou em cima, sanduíche de vento, mas ainda fresquinhos. Os pães que a gente consegue de modo honesto, quer dizer, pedindo nas portas,  são sempre duros, velhos de três dias, tem que molhar na água. Já nem lembrava mais o gosto de pão fresco. Comemos felizes, rindo, apesar da dificuldade de dividir dois pães pra três panacas esfomeados, que nem sabem fazer conta direito. Se fossem três pães pra três meninos a conta era mais fácil e a barriga ia ficar mais feliz.
 
Somos três, e qualquer comida que se ganha fica difícil dividir. Conta de somar é mais fácil de fazer, mas nunca temos nada pra somar, só dividir mesmo. Tem uma casa grandona na esquina, pintada de branco, sempre com o carro parado na porta. O carro é velho mas anda. A casa também é velha, e o povo que mora lá é mais velho ainda. Só a menina… A gente fica espiando, porque de fora dá pra ver as pessoas sentadas na mesa, quer dizer, sentadas, que a mesa é pra pôr a comida. Dá pra ver pela janela aberta que eles ficam um tempão lá, rindo, conversando, brigando… mas sempre comendo.
 
Pelo tempo que demoram deve de ser muita comida, e pelo jeito que ficam rindo, a comida deve de ser boa. É a velha que faz, e pelo cheiro que enche a rua, a gente sabe o que eles tão comendo… “Arroz com feijão e carne”;  “Galinha com batata”; “Quêquié bataba?” Domingo sempre tem macarrão com queijo.  Aqui fora, dividir dois  pães pra três esfomeados demora mais do que botar eles no bucho. “Já acabou?” Engana a barriga que amanhã tem mais!
           
A menina vai na escola e nunca pode brincar na rua; a velha briga.  O bairro é mal frequentado”, fala bem alto, que é pra gente escutar. O povo desse bairro é pobre e não implica com pivete, mas também num dá sobra de comida, porque nunca sobra. Guardam pra amanhã, pra depois, pra sempre. Se não tem sobra, nunca tem nada pra roubar também. Na nossa área a comida é sempre pouca, mas na casa da esquina parece que nunca falta.
 
De tardinha a menina vem chupar um picolé na varanda, cada dia é de uma cor diferente.  A gente fica apostando… Esse é de manga; Ah, hoje é de uva; Êta que esse é de limão, tô até sentindo o gostinho. “Pode ser abacaxi, é tudo da mesma cor”.   A gente acha que ela faz de propósito, só pra fazer inveja. Picolé é coisa rara por aqui, porque o dinheiro do povo num sobra. Quer dizer, o dinheiro num sobra pra comprar coisa que derrete e não enche barriga.
 
De tanto ver a menina chupando picolé na varanda  a gente bolou o plano – assaltar a mercearia de tarde, na hora do maior movimento, quando todo mundo vai comprar pão pro lanche da noite. Em bairro de pobre é assim, ninguém num janta, só faz lanche. Elemento surpresa – o freezer fica na entrada, perto do caixa, quem pode pagar chega e pega o que quer, sem ter que fazer conta de dividir. Estratégia: “Vamo os três ou vai um só?”
 
Decidimos pelo Biluca, que é o menor do bando e as pessoas acham que é bobinho, não ligam muito pra ele. Foi vapt-vupt! Chegou, pegou, correu.  O gerente nem viu, só ouviu os gritos da moça do caixa e da mulher que ia saindo com uma sacola de pão. Com o susto, ela deixou cair tudo no chão. Deu vontade de voltar e pegar, mas ia ficar meio arriscado. Já longe e fora de perigo, cansados mas felizes, nos dedicamos à complicada tarefa de dividir por três os 10 picolés de coco. Antes de derreter.

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