Ou muitas, que lixo nunca há de faltar. O lixo, o resto, o resíduo, o descartado por supérfluo, indesejado ou desnecessário, será o último e derradeiro vestígio humano sobre a terra, quando tudo mais se for. Quando tivermos esgotado todos os recursos, ficando apenas a última gotinha de guaraná na garrafa, a raspa do angu na panela, o cocô de cachorro na grama. E olha que não está longe.
Minha vida daria uma lixeira, resmunga Loura, como outros pensam que suas vidas bobas dariam um romance, um filme, uma novela. Ou até notícia de jornal – uns na coluna social, outros na policial. Com o cabelo sarará pintado de vermelho, Loura fica sentada no seu canto, quieta, matando o tal egípcio que lhe pica as pernas. Tem mais gente em volta, todos esperando e matando mosquito-vampiro, que leva o sangue e deixa a dengue.
Aí o barulho começa – baixinho no começo, depois crescendo, crescendo, até a zoeira espantar a mosquitada e acordar o povo na lerdeza da espera. Todos acordam da modorra e vão tomando posição, preparando os sacos de estopa. Os caminhões chegam com alvoroço e despejam as caçambas – a lixarada desce bonito, cascata de restos que para uns é trambolho e para outros é meio de vida. Fedorento, mas honesto.
Num dá tempo de escolher lado, estudar posição, analisar possibilidades. É atacar no cada um por si e Deus por ninguém, e quem der sorte hoje pode num pegar nada amanhã, e vice-versa, como diz o povão, que esse sabe das coisas. Hoje dei sorte – visualizei uns canos de chumbo que podem render alguma coisa, mas tive que disputar no muque com um grandalhão que calculou mal minhas possibilidades.
Vou pra casa mais cedo, que o material é pesado e num dá pra carregar mais nada. Tem mais gente de saco cheio – uma mulher passa carregando um enorme quadro de parede, dessas pinturas de rabiscos que só gente fina entende. Ou diz que. Com a moldura roída de cupim, ninguém num dá tostão por ele, então tá levando pra tapar o buraco da janela. Onde a gente vive, janela é luxo.
Topo com o Mavu, saindo com o saco ainda pelo meio, o preguiçoso. Jeitoso que só ele, pergunta se quero ajuda pra carregar meu peso, Não, brigada, que no meu saco só eu ponho a mão. Chegando no barraco vai se encostando, pede um café, depois um cafuné… Quando acordo já vai longe, e percebo a burrada – o destrambelhado levou meu saco e deixou o dele, sem nada que valha um pau de canela dentro. O pós-cafuné nem foi lá essas coisa.