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Trabalho e desumanidade

Muito mais do que os 802 casos de trabalho escravo no período entre 2004 e 2019 registrados no Espírito Santo pelo Ministério Público do Trabalho (MPT), o setor ocupacional, no Brasil, certamente atingiria maiores índices de servidão desumana se incluídas fossem as precarizações, terceirizações, desregulamentações, assédio e contratos intermitentes. A desumanização é alarmante, e não somente no meio rural, como enfatizam os números divulgados. 

Se no meio rural o trabalho ainda é desenvolvido em algumas regiões com práticas medievais, que saem no meio familiar para se constituir em mais uma forma de exploração de mão de obra, principalmente dos mais jovens, nos centros urbanos ganha uma nova roupagem, a informalidade. Esse tipo de ocupação avança em proporção maior do que a celebrada redução de desemprego que atinge 11,5% a população, segundo cálculos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). 

Motoboys, motoristas de carros com aplicativos, vendedores ambulantes, trabalhadores terceirizados, sem garantias nem direitos, invadem o mercado e se transformam em casos de sucesso celebrados como fruto de treinamentos realizados por instituições públicas e privadas, que enaltecem o empreendedorismo e a superação, entre outros sofismas. Tão aviltante quanto o trabalho escravo, esse tipo de ocupação entra para o rol das coisas aceitáveis do ponto de vista social. 

O trabalho é considerado análogo ao escravo quando possui ao menos uma das seguintes características: “trabalho forçado; jornada exaustiva; condição degradante de trabalho; restrição, por qualquer meio, de locomoção em razão de dívida contraída com empregador ou preposto, no momento da contratação ou no curso do contrato de trabalho; ou retenção no local de trabalho”, informa matéria publicada neste Século Diário, em alusão ao Dia Nacional de Combate ao Trabalho Escravo.

Na informalidade, no entanto, essas características não são mensuradas, pois é cada qual por si, com seus próprios esforços. Nesse contexto, o individuo é despossuído do seu ser, vai contra seus verdadeiros objetivos, e tem a consciência desumanizada, segundo Karl Marx. 

Isso explica, por exemplo, a migração de um emprego de auxiliar administrativo, com todas as garantias, pela informalidade de entregador de pizzas ou a troca das tarefas de um engenheiro pelas de um motorista de aplicativo. São fatos registrados no dia a dia das cidades, com jornadas de trabalho exaustivas, mas que já foram incorporados às atividades consideradas normais. 

E o que dizer dos motoristas de caminhão? Esses são um caso à parte. Não apenas por se constituir em uma das mais importantes ocupações para a economia, mas, e principalmente, pelo envolvimento em acidentes nas rodovias do País, com estreita ligação com jornadas de trabalho incompatíveis com os níveis de resistência do ser humano. 

O sistema, como um todo, ignora esses fatores, sendo necessária a adoção de medidas políticas e econômicas a fim de punir com rigor a prática do trabalho escravo e, também, reconduzir e economia do País a um patamar capaz de gerar cada vez mais oportunidades para todos.   

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