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No ES, 82% dos quilombolas residem em territórios ainda sem delimitação oficial

“Precisamos falar de regularização fundiária”, salientou presidente do Incra 

Foto: Aquipoa

“Precisamos falar de regularização fundiária”. A afirmação foi feita por duas autoridades nacionais nesta quinta-feira (27), durante lançamento do Brasil Quilombola – Quantos somos, Onde estamos?, com base nos dados do Censo Demográfico de 2022, realizado no Palácio do Desenvolvimento – Ministério do Planejamento e Orçamento, em Brasília.

Primeiro, pelo presidente interino do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Cimar Azeredo Pereira, que mediou as apresentações e depoimentos de representantes de órgãos e entidades, como os Ministérios do Planejamento, da Igualdade Racial e do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA), além de organismos da Organização das Nações Unidas (ONU) e da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq), e de recenseadores quilombolas que participaram do levantamento.

O censo recenseou 106,8 milhões de endereços e 203 milhões de pessoas em 8,5 milhões de km² e a priorização do IBGE foi divulgar os dados relativos às populações mais vulneráveis, pontuou Cimar. Desse total, 1,32 milhão de pessoas se autodeclaram quilombolas, sendo 15,6 mil moradoras do Espírito Santo.

Pessoas quilombolas, segundo as unidades da federação – Censo 2022/IBGE

O número, destacou o presidente interino do IBGE, supera os registros administrativos sobre quilombolas até então vigentes no Brasil, como o de pessoas quilombolas vacinadas ou registradas no Cadastro Único (CadÚnico) do governo federal. E tudo, seguindo a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil é um dos 24 países a ratificá-la, dentro do universo de 187 que são membros da entidade. As lideranças das comunidades quilombolas foram consultadas durante todas as etapas do processo de pesquisa.

“O censo é de fundamental importância para orientar e monitorar as políticas que não são para o indivíduo e sim para o conjunto de indivíduos. Orientar, por exemplo, onde colocar as escolas quilombolas, nortear a instalação de postos de saúde, orientar políticas de titulação territorial, a gente está falando de regularização fundiária!”, exclamou o presidente interino do IBGE, em meio a falas emocionadas de agradecimento pelos envolvidos no trabalho e enaltecimento da importância desse estudo inédito na história do Brasil, que possui a maior população negra fora da África e foi o último a abolir a escravidão de negros.

Jéssica Cândido/IBGE 

Pegando gancho em sua fala, o presidente do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), César Fernando Schiavon Aldrighi, ratificou: “Sim, nós precisamos falar de regularização fundiária”. Dirigindo-se aos quilombolas presentes no Palácio do Desenvolvimento, afirmou que “é uma alegria poder recebê-los nesse espaço, que é para debater o avanço das questões agrárias e a pauta dos povos e comunidades remanescentes de quilombos, que nos últimos quatro anos, foram silenciados. Esse povo não podia entrar nesse prédio e foi determinado ao Incra que nem um palmo de terra seria demarcada para povos quilombolas e povos indígenas”.

O passivo com os quilombolas, elencou o presidente do Incra, se mede em números. Existem mais de 1,8 mil comunidades quilombolas certificadas pela Fundação Palmares, disse, porém, até agora, menos de 300 já possuem seu Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID) e somente 89 tiveram seus decretos para titulação elaborados. “Temos uma dívida enorme de regularização fundiária com as comunidades quilombolas. Essa é uma tarefa que o Incra tem que fazer”.

82% não estão oficialmente delimitados

A informalidade dos territórios quilombolas em âmbito nacional se repete no Espírito Santo. O Censo Demográfico 2022 aponta que, na data de referência de 31 de julho de 2022, residiam no Espírito Santo 15,6 mil pessoas quilombolas, representando 0,41% da população capixaba, de 3,8 milhões de pessoas, na época. Desse total, 82% residem fora de territórios oficialmente delimitados.

Os que se encontram nessa situação são apenas onze: Monte Alegre, em Cachoeiro de Itapemirim; Retiro, em Santa Leopoldina; São Pedro (entre Ibiraçu, Fundão e Santa Teresa); Serraria e São Cristóvão (São Mateus); São Domingos; São Jorge (ambos entre São Mateus e Conceição da Barra); Linharinho; Córrego do Alexandre; Morro do Onça; Porto Grande; e Roda D´Água (esses cinco últimos em Conceição da Barra). Nenhum deles, porém, ainda titulados.

Para o IBGE, “o conjunto dos Territórios Quilombolas oficialmente delimitados foi formado por aqueles que apresentavam alguma delimitação formal no acervo fundiário do Incra ou dos órgãos com competências fundiárias nos estados e municípios na data de 31 de julho de 2022, data de referência da pesquisa. Os Territórios Quilombolas oficialmente delimitados foram classificados ainda segundo o status do processo de regularização fundiária: Delimitado, Estudo Técnico, Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID), Portaria, Decreto, Título”, explica a autarquia federal.

Recenseamento na comunidade de Alto Iguape, em Guarapari. Foto: IBGE-ES

São Mateus e Conceição da Barra

São Mateus (6,2 mil) e Conceição da Barra (4 mil), no norte do Estado, abrigam o Território Quilombola Tradicional do Sapê do Norte e concentram dois terços da população quilombola capixaba, alvo de impactos socioambientais e violações provocadas há décadas, principalmente, pela Suzano Papel e Celulose (Ex-Aracruz Celulose e ex-Fibria).

Em terceiro lugar em número de pessoas descendentes de quilombolas, vem Itapemirim, no litoral sul (1,6 mil). Juntos, os três concentram 76%.

Também se destacam Presidente Kennedy (875) e Cachoeiro de Itapemirim (589). Outros 23 municípios registraram presença de população quilombola totalizando 26 dos 78 municípios capixabas.

Percentual de população quilombola no ES e por município

Em relação à composição dos territórios quilombolas oficialmente delimitados, o Espírito Santo tem a seguinte realidade: são 5 mil pessoas, sendo 2,7 mil quilombolas (54,91%) e 2,2 mil (45%) não quilombolas.

Segundo o IBGE, os estados com maior presença de não quilombolas nos territórios oficialmente delimitados são a Paraíba, com 51,58% (3.108), o Espírito Santo, com 45,09% (2.288), e o Rio Grande do Sul com 41,99% (1.888).

Perfil da população residente em territórios quilombolas

Metodologia adaptada

O IBGE desenvolveu uma metodologia específica para realizar o censo quilombola, tendo duas perguntas primordiais a guiar a pesquisa: “Você se considera quilombola?” e “Qual o nome da sua comunidade?”. A investigação dessa temática contou com o apoio das lideranças comunitárias quilombolas de todo o País, as quais atuaram no apoio ao mapeamento das comunidades e como guias para os recenseadores, garantindo que todos os territórios fossem visitados.

Para fins censitários, o IBGE considerou como localidades quilombolas o conjunto formado por três tipologias: Territórios Quilombolas oficialmente delimitados; Agrupamentos Quilombolas; e outras localidades quilombolas.

Os agrupamentos são assim chamados quando possuem um conjunto de 15 ou mais indivíduos quilombolas em uma ou mais moradias contíguas espacialmente, que estabelecem vínculos familiares ou comunitários e são pertencentes a Comunidades Remanescentes de Quilombos (CRQs), ou simplesmente Comunidades Quilombolas, que são grupos étnico-raciais, segundo critérios de autoatribuição, com trajetória histórica própria, dotados de relações territoriais específicas, com presunção de ancestralidade negra relacionada com a resistência à opressão historicamente sofrida, nos termos do Decreto nº 4.887, de 2003. Tal caracterização é atestada por autodefinição da própria comunidade, que solicita à Fundação Cultural Palmares a sua certificação.

Já as “outras localidades quilombolas” são aquelas de ocupação dispersa, não delimitadas pelos órgãos fundiários ou não definidas como agrupamentos pelo IBGE, mas de conhecida ou potencial ocupação quilombola.

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