Quinta, 09 Mai 2024

'PCDs não são os nazifascistas que atacam as escolas', afirma Ato pela Educação

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Leonardo Sá

"PCDs não matam". "Por causa dos terroristas, estamos perdendo vidas". "Sou PCD e não terrorista. Mais respeito". "Queremos estudar e não morrer". "Governador, até quando?".

Frases de protesto e súplica como essas foram empunhadas por mães de estudantes com deficiência integrantes do Coletivo Mães Eficientes Somos Nós (MESN) e militantes de movimentos sociais nas ruas do Centro de Vitória na tarde dessa segunda-feira (3), durante o ato Luto e Luta pela Educação.

Na caminhada pela Avenida Jerônimo Monteiro, uma faixa foi ocupada mediante segurança da Polícia Militar. Além dos cartazes, dois caixões, um deles com uma jovem representando uma vítima de ataque terrorista em escola, que em sua performance gritava por socorro, chocando os passantes.

O encerramento se deu na porta do Palácio Anchieta, na Cidade Alta, onde uma comissão do ato aguardou ser recebida pelo governador Renato Casagrande (PSB), conforme solicitação feita em carta protocolada ao chefe de Estado na última sexta-feira (31). O pedido, no entanto, não foi atendido. "Casagrande foi covarde em nos receber", lamentaram as manifestantes.

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"A gente respeita muito o governador, apoiamos a reeleição dele e ele sabe a seriedade do nosso trabalho, das nossas pautas. Mas não nos receber foi um ato de covardia, ele devia estar preparado para debater esse assunto com a gente", posicionou Lucia Mara Martins, coordenadora-geral do Coletivo MESN.

Na carta, as mães enfatizam a necessidade de inclusão de representantes de movimentos sociais no comitê coordenado pela Secretaria de Estado de Segurança Pública e Defesa Social (Sesp) para elaborar ações de segurança e enfrentamento aos ataques nas escolas.

"Não desconsideramos o trabalho de quem já está dentro dele, mas as famílias, os trabalhadores, os estudantes que estão sendo diretamente afetados, precisam participar. O governador sabe que dá para construir política pública junto com os movimentos sociais. O coletivo está construindo", reforçou, tocando em um ponto ressaltado por pesquisadoras das Universidades de Brasília e Campinas (UnB e Unicamp) em evento realizado na última quarta-feira (29) pela Associação de Jornalistas de Educação (Jeduca).

Até o momento, alertam as mães e outros manifestantes – da Associação dos Docentes da Ufes (Adufes), do Fórum de Mulheres do Espírito Santo (Fomes), do Sindicato dos Trabalhadores em Limpeza (Sindilimpe), do mandato de deputada estadual Camila Valadão (Psol) e do Círcuło Palmarino –, as medidas propostas pelo comitê se baseiam em ações policiais e de repressão, sem enfrentar o discurso de ódio e a disseminação de células nazifascistas entre os jovens.

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Outro posicionamento perigoso, afirmam, é a atribuição da violência cometida pelo atirador de Aracruz a um suposto problema mental, o que esvazia a verdadeira causa do ataque, que foi a inspiração nazista, conforme constatado pela própria Polícia, e ainda provoca ainda mais discriminação contra os estudantes com deficiência mental e intelectual.

"Essa fala do governador de que o ataque de Aracruz foi de uma pessoa com deficiência mental, só vai abrir porta para as crianças discriminarem as PCDs mais ainda. Muitas mães estão transferindo seus filhos PCDs de escola por causa de preconceito, que já é do cotidiano dos nossos filhos PCDs", pontua Franciane Rodrigues, integrante do Coletivo MESN.

"Não são as PCDs que matam. Quando um estudante com deficiência é coagido ou sofre bullying ou qualquer ataque dentro das escolas, eles são capazes de se automutilar e de se matar, mas não têm coragem de fazer algo com o próximo", explana.

"O governador quer colocar a culpa de terroristas em cima de crianças inocentes. A gente quer que ele se retrate com as PCDs, para que as pessoas na rua não julguem nossos filhos, não discrimine mais ainda os nossos filhos. Porque da mesma forma que os alunos estudam, os nossos também querem estudar, ter esse direito".

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Essa inocência, reforça Marta Souza, também integrante do Mães Eficientes, coloca os estudantes com deficiência em situação de maior vulnerabilidade diante de um ataque terrorista. "Nós estamos com medo de mandar nossos filhos para a escola. Eu cheguei para o cuidador do meu filho e pedi para ele proteger meu filho se houver uma invasão. A gente quer que o governador veja a dificuldade que nós estamos tendo. E a gente precisa de uma resposta urgentemente. Quem é que vai pagar para ver?", roga.

"Eu queria que colocassem uma porta giratória com detector de metais, não são todas as mães do coletivo que pensam assim, mas eu gostaria. Só que só isso não resolve. Eles estão dizendo que o que aconteceu em Aracruz foi um adolescente que sofreu bullying, mas não é isso. Ele tem problema, mas não é deficiência, é problema da família".

A jovem que fez a performance no caixão, Luna Garcia, reconhece a necessidade de se combater o bullying e como esse problema costuma ser relacionado a ameaças e ataques terroristas.

"Eu já pensei em fazer isso, entrar na escola e atacar todas as pessoas que faziam bullying comigo. Mas a empatia falou mais alto, pensei em tantas pessoas que não faziam isso e nas mães deles. Durante muito tempo eu era a menina que faria massacre na escola, a menina da ambulância, porque eu passava mal e ia embora de ambulância. Eu nunca disse a ninguém que iria fazer, eu era na minha, quieta, e por eu ser quieta, as pessoas falavam que eu ia fazer um massacre na escola. Mas por eles falarem muito que eu ia fazer aquilo, eu decidi fazer o contrário, me formei durante a pandemia, passei em duas faculdades boas no Espírito Santo, a Ufes e a Emescam, tive direito de escolha, e mostrei para eles que a menina esquisita era apenas inteligente demais e eles tinham raiva de mim por isso", relata.

Luna pede que o combate ao bullying seja levado a sério. "Precisa dar uma punição verdadeira para quem faz, porque as escolas falam que fazem, mas não fazem. Eles falam 'não está fazendo por mal, ignora', mas é muito difícil você ignorar. As campanhas acontecem só uma vez por ano, mas a depressão não existe só no setembro amarelo. Na minha escola, criaram sites e perfis na internet para me atacar. Eu tentei suicídio em 2020 para tentar escapar do bullying. Se existisse uma punição de verdade, se olhassem o bullying não só como uma brincadeira de adolescente, aí sim poupariam muito sofrimento".

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Mas, por sua própria história e pelo que ela vê no noticiário e na vida dos estudantes PCDs no Coletivo, a universitária sabe que que o que leva de fato alguém a cometer uma violência tão grande tem outras motivações. "Se não transmitissem esses ataques como eventos históricos! O massacre de Columbine, por exemplo [ocorrido nos Estados Unidos em 1999, com 13 assassinatos no local e o suicídio dos dois atiradores, ambos fascinados confessos do nazismo], ninguém tomaria isso como inspiração, se mostrassem como uma coisa que precisa de punição. Deveria retirar tudo o que é referente a isso [essa espetacularização do crime] da internet", pondera.

Essa diferenciação entre bullying e motivação nazifascista, entre deficiência e terrorismo, enfatiza Lucia Mara Martins, não está sendo trabalhada pelos membros do Executivo e do Legislativo que têm liderado as discussões no comitê coordenado pela Sesp. "Eles não entendem isso, confundem tudo, e não atacam a raiz do problema. A tendência é que as coisas piorem".

O ato, avalia, "foi um sucesso" no tocante à população que presenciou a caminhada. "A gente conseguiu causar esse impacto visual na população, trazer a atenção da sociedade para esse tema". Falta, no entanto, que o impacto repercuta no Palácio Anchieta. "Ainda precisamos que o governo inclua os movimentos sociais na discussão e na elaboração das políticas públicas de segurança nas escolas. O debate de bullying é extremamente importante nas escolas, principalmente para os estudantes PCDs, mas o que está acontecendo hoje é um ataque por seguidores do nazifascismo, e isso precisa ser enfrentado de frente".

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