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Protestos contra PL do Aborto serão realizados em Cachoeiro e São Mateus

Após desgaste, presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), anunciou criação de comissão

As mulheres do interior do Espírito Santo também se mobilizam contra o Projeto de Lei (PL) 1904/2024, que equipara aborto realizado após 22 semanas de gestação ao crime de homicídio simples, inclusive nos casos de gravidez resultante de estupro. Nesta quinta-feira (20), será realizada uma manifestação no Centro de São Mateus, no norte do Estado, e, na sexta (21), em Cachoeiro do Itapemirim, na região sul.

O PL, de autoria do deputado federal Sóstenes Cavalcante (PL/RJ), altera o Código Penal, que hoje não pune o aborto em caso de estupro e não prevê restrição de tempo para o procedimento nesse caso. O código também não pune o aborto quando não há outro meio de salvar a vida da gestante.

Em São Mateus, a manifestação será às 17h, na Praça da Rodoviária, onde haverá oficina de cartazes e panfletagem com o intuito de dialogar com as pessoas que passarem pelo local.

O protesto é organizado pelo Coletivo Belas, Coletivo Constança de Angola e por entidades do Movimento Estudantil, como o Diretório Central dos Estudantes (DCE) da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes). “Estamos pensando na dignidade das mulheres e principalmente das meninas, que são as maiores vítimas de estupro e muitas vezes demoram a descobrir a gravidez”, destaca Alini Altoé, integrante do Coletivo Belas.
Alini recorda o caso ocorrido em São Mateus, quando, em 2020, uma menina de 10 anos, grávida do tio, que a estuprou, encontrou dificuldades para conseguir a interrupção da gestação, mesmo tendo esse direito. A situação gerou, no Espírito Santo e no restante do país, protestos de pessoas que buscavam garantir o direito e das que eram contrárias. A menina teve que ir para Pernambuco fazer o aborto. “A gente não vai ficar calada, não queremos que histórias como essa se repitam”, afirma.
Divulgação

Em Cachoeiro, a manifestação será na Praça Jerônimo Monteiro, no Centro, das 7h às 8h. A organização é do Movimento Esquerda Socialista (Mês), União Cachoeirense de Mulheres (UCM), Conselho Municipal da Juventude, Não só mais um Silva, Juventude de Axé, Conselho Estadual LGBTQIA+ e do Coletivo de Fortalecimento da População Negra do Sul do Espírito Santo (Fepnes).

“O PL 1904/24 ameaça diretamente o direito de escolha das mulheres, é uma grave violação dos direitos humanos. Obrigar uma mulher ou, pior ainda, uma criança, a manter uma gestação resultante de estupro é uma forma de tortura. Devemos lembrar sempre: criança não é mãe, e estuprador não é pai”, aponta a vice presidente do Conselho Estadual LGBTQIA+ e coordenadora de diversidade do Fepnes, Agatha Brenks.

Ela destaca que não se pode subestimar a importância de se ter uma posição contrária ao PL “Ele representa uma ameaça direta à autonomia das mulheres sobre seus próprios corpos e à dignidade de milhares de vítimas de violência sexual. Ignora completamente o trauma e o sofrimento que a continuação forçada de uma gravidez indesejada, especialmente resultante de estupro, pode causar. Tal medida é uma afronta aos princípios básicos de justiça e humanidade”, sentencia. 

A integrante do Vozes Feministas, Liliana Rodrigues Monteiro, destaca que o PL “criminaliza crianças e mulheres que estão sendo violentadas e tirar da mulher o poder de decidir sobre os seus corpos”. 

Demetrius Julice

Também nesse domingo aconteceu, em Guarapari, a roda de conversa “Políticas Públicas para Mulheres e Controle Social: Nenhum Direito a Menos!”. Nessa segunda (17), foi realizada, na Praça Costa Pereira, Centro de Vitória, uma banca de diálogo, na qual as pessoas puderam conversar e tirar suas dúvidas sobre o projeto de lei. Nessa terça (18), no Metrópoles, na Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), foi realizado o Cine Debate, com exibição do filme Levante. Na próxima terça-feira (25), o tema será debatido no Espaço Cultural Thelema, no Centro de Vitória, às 19h.

O projeto foi assinado por mais de 30 parlamentares, entre eles, Gilvan da Federal (PL) e Evair de Melo (PP), ambos da bancada capixaba. A proposta ficou conhecida como PL do Aborto e PL da Gravidez Infantil , já que as meninas são consideradas as mais prejudicadas caso seja aprovado, pois, entre as pessoas que procuram abortamento legal acima de 22 semanas em caso de estupro, há um número considerável de crianças vítimas de abuso sexual. Isso porque, nessas situações, há mais demora em descobrir a gestação.

Para barrar o projeto, foi criada a Campanha Criança Não é Mãe, que coleta assinaturas para pressionar as lideranças da Câmara dos Deputados. De acordo com dados do Anuário Brasileiro da Segurança Pública, contidos no site, 74,9 mil pessoas foram estupradas no Brasil em 2022, sendo 88,7% do sexo feminino. Desse total, seis a cada 10 tinham, no máximo, 13 anos.
Comissão
O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), afirmou, nessa terça-feira (18), que o PL será debatido no segundo semestre, após o recesso parlamentar. Para isso, será criada uma comissão com representantes de todos os partidos. A integrante da Frente pela Legalização do Aborto do Espírito Santo, Leilany Santos Moreira, acredita que a afirmação feita pelo deputado é para “não entregar os pontos”, pois o PL teve uma repercussão negativa e perdeu força.
“O que ele está fazendo é dizer ‘nós não vamos desistir e depois vamos voltar’. É ano eleitoral, apresentaram a proposta como forma de desgastar a esquerda, mas acabaram se desgastando. Saíram menores do que entraram”, avalia.

Leilany questiona a criação da comissão: “criar uma comissão para debater retirada de direitos? O que tem que se discutir é o aumento dos direitos, o acesso ao abortamento legal. Quem vai debater nessa comissão? Homens? Deputados fundamentalistas?”.

Moção de Apoio
No Espírito Santo, o PL 1904/2024 ganhou apoio de mais da metade dos deputados estaduais. Dos 30 parlamentares, 17 assinaram uma moção de apoio à proposta. A iniciativa partiu do deputado Callegari (PL) e, conforme consta no histórico de tramitação no site da Assembleia Legislativa, aguarda análise da Presidência da Secretaria Geral da Mesa.
Além de Callegari, é assinada pelos demais parlamentares da bancada do PL, Capitão Assumção, Lucas Polese e Danilo Bahiense; do Republicanos, Sergio Meneguelli, Bispo Alves, Hudson Leal e Alcântaro Filho; e por Coronel Weliton (PRD), Allan Ferreira (Podemos), Lucas Scaramussa (Podemos), Mazinho dos Anjos (PSDB), Zé Preto (PP), Denninho Silva (União), Adilson Espíndula (PSD), Bruno Resende (União) e Theodorico Ferraço (PP).
Na Assembleia, as moções não são aprovadas em plenário. De acordo com o Regimento da Casa, “os requerimentos de manifestação de pesar por falecimento e voto de aplauso, regozijo ou congratulações por ato público ou acontecimento de alta significação serão redigidos eletronicamente e, após autuados, serão enviados à Presidência para análise e autorização do encaminhamento”.
Na moção, os parlamentares pedem que “seja manifestado expresso apoio ao excelentíssimo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco [PSD-MG], e ao excelentíssimo presidente da Câmara, Arthur Lira [PP-AL], para que se posicionem favoravelmente à aprovação da PL 1904/2024, que visa proibir a prática da assistolia fetal e proteger a vida dos fetos em idade gestacional avançada”.
Também solicitam apoio ao Conselho Federal de Medicina (CFM), buscando que “a Mesa Diretora envie expediente aos Gabinetes das Presidências do Senado Federal e da Câmara dos Deputados, acolhendo esta moção como manifestação de vontade da maioria absoluta do povo do Estado do Espírito Santo, mediante deliberação de seus representantes legitimamente eleitos, no intuito de apoiar o Conselho Federal de Medicina e a Resolução CFM nº 2.378/2024”.
Consta também o pedido para que “seja considerado, respeitosamente, pelas duas Casas do Congresso Nacional, a conveniência de se passar legislação positiva de proibição da chamada assistolia fetal, a fim de assegurar a proteção integral da vida dos nascituros e alinhar a legislação brasileira com os princípios humanitários e éticos”. Por fim, “que se leve em consideração a vontade popular majoritariamente contrária ao aborto, conforme diversas pesquisas realizadas por variados institutos, e que os representantes eleitos honrem esse mandato protegendo a vida desde a concepção”.
A moção foi classificada como uma afronta pela Flaes. “Mostra como a gente vive em um estado retrógrado, conservador, que preza pouco pela vida das mulheres e meninas. Isso explica o porquê de tanta violência contra nós no Espírito Santo. Mostra que a gente não pode parar de lutar. Vamos acompanhar de perto essa moção”, enfatiza Leilany.

‘Cruel e inconstitucional’

O Conselho Pleno do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (CFOAB) aprovou, nessa segunda, um parecer contrário ao PL 1904/2024, elaborado por uma comissão formada por mulheres da OAB, que apontaram inconstitucionalidade. O documento foi apresentado e votado pelos 81 conselheiros federais. “O texto grosseiro e desconexo da realidade expresso no Projeto de Lei 1904/2024, que tem por escopo a equiparação do aborto de gestação acima de 22 anos ao homicídio, denota o mais completo distanciamento de seus propositores às fissuras sociais do Brasil”.

Além disso, destaca, ignora “aspectos psicológicos; particularidades orgânicas, inclusive, acerca da fisiologia corporal da menor vítima de estupro; da saúde clínica da mulher que corre risco de vida em prosseguir com a gestação e da saúde mental das mulheres que carregam no ventre um anincéfalo”.

“Todo o avanço histórico consagrado através de anos e anos de pleitos postulações e manifestações populares e femininas para a implementação da perspectiva de gênero na aplicação dos princípios constitucionais”, prossegue o parecer, “é suplantado por uma linguagem punitiva, depreciativa, despida de qualquer empatia e humanidade, cruel e, indubitavelmente, inconstitucional”.

Para a comissão, “ao equiparar o aborto a homicídio, mesmo que dentro das exceções legais, o texto afronta princípios constitucionais fundamentais, como a dignidade da pessoa humana, a solidariedade familiar e o melhor interesse da criança. Além disso, a proposta viola os direitos das meninas e mulheres, impondo-lhes ônus desproporcional e desumano”.
A comissão entende que a mulher não pode ser culpada pelo aborto, nos casos já guarnecidos em lei, pois isso denotaria expressivo retrocesso. “A solução para os desafios associados ao aborto não reside na criminalização da mulher e sim na obrigação do Estado e demais instituições de protegê-la contra os crimes de estupro e assédio”, destaca.

O parecer aponta que “é preciso implementar políticas públicas robustas que garantam educação, segurança, atendimento médico adequado e medidas preventivas. Atualmente, o Brasil enfrenta uma realidade alarmante: em mais de 80% dos casos as vítimas são crianças indefesas, violentadas e obrigadas a recorrer ao aborto”.

O documento pede pelo arquivamento da proposta e comunicação do documento às presidências da Câmara e do Senado Federal. “A criminalização pretendida configura gravíssima violação aos direitos humanos de mulheres e meninas duramente conquistados ao longo da história, atentando flagrantemente contra a valores do estado democrático de direito e violando preceitos preconizados pela Constituição da República de 1988 e pelos Tratados e Convenções internacionais de Direitos Humanos ratificados pelo Estado brasileiro”, destaca.

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