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Escolas do campo são contra ensino remoto como dia letivo e aulas presenciais em 2020

Em Marilândia, Escola Família Agrícola conseguiu tablets para inclusão digital de famílias

Arquivo EFA Marilândia

Os estudantes das escolas do campo capixaba, bem como seus familiares e professores são contrários ao retorno das aulas presenciais em 2020 e à contagem das aulas remotas como dias letivos. 

Essas e outras conclusões são resultado de uma pesquisa feita pelo Comitê Estadual de Educação do Campo do Espírito Santo (Comeces) em meados de julho com 2,7 mil estudantes e familiares, educadores, gestores de educação, agricultores e lideranças comunitárias em 66 dos 78 municípios capixabas. 


“Existe uma concordância, das pessoas que participaram da pesquisa, com a realização das APNPs [Atividades Pedagógicas Não Presenciais], mas num sentido de manutenção dos estudantes em casa e de um vínculo com a vida escolar, com os professores, com os estudos, entretanto, um reconhecimento de um baixo aproveitamento no campo do aprendizado, com muitas falas dos respondentes voltadas para anulação do ano letivo, de estudar tudo novamente, de recuperar o aprendizado não alcançado”. 
Com base nessa percepção dos sujeitos e nas desigualdades impostas por este momento, “não faz sentido considerar as atividades remotas como cumprimento do processo educacional”, relata o professor Alex Nepel Marins, da Escola Família Agrícola (EFA) de Vinhático, em Montanha, extremo norte do Estado, e representante da Regional das Associações dos Centros Familiares de Formação em Alternância do Espirito Santo (Raceffaes) no Comeces. 
“O Comitê entende que as ações do governo e dos sistemas de Ensino estão sendo pensadas para as pessoas que têm as condições objetivas e subjetivas para realização das chamadas APNPs e desconsideram aqueles que não têm essas mesmas condições, fazendo com que o processo seja excludente e aumentando ainda mais as desigualdades educacionais”, pondera. “Somos contra o retorno das aulas presenciais no ano de 2020, pois não teremos vacina ainda disponível”, ratifica.

A falta de acesso dos estudantes à tecnologia ou às condições de acesso a ela foi apontado como o grande dificultador no cumprimento das APNPs, condição já denunciada pelo Comeces em nota publicada em abril, com ênfase na “precariedade de oferta de sinal de TV aberta em várias localidades rurais capixabas, de suprimento regular de sinal de telefonia e de internet, e de condições financeiras daquelas populações para a aquisição de aparelhos, condição que se agrava quando há mais de um estudante por grupo familiar”.

A pesquisa evidenciou ainda “a necessidade de formação específica de educadores para uma utilização adequada dos recursos didáticos que as novas tecnologias exigem” e “a urgência, por parte dos gestores públicos, de escutar as preocupações da população e atender às suas demandas no que refere ao retorno às aulas presenciais”.

Doação de tablets

Em Marilândia, no centro-oeste capixaba, a EFA local, vinculada à rede do Movimento de Educação Promocional do Espírito Santo (Mepes), empreendeu um projeto com o Ministério Público do Trabalho (MPT) e conseguiu a doação de 30 tablets de excelente qualidade para famílias que possuem acesso à internet, mas não um aparelho que dê condições de estudo.

“Os estudantes começaram a perder o vínculo com a escola, então fomos fazendo contatos com instituições que pudessem financiar a doação dos equipamentos e chegando ao MPT”, relata o diretor da EFA Marilândia, Felipe Jr M Pomuchenq.

Os aparelhos chegaram em meados de agosto e estão sendo distribuídos. A prioridade é para quem tem cadastro no Bolsa Família, quem mora em residência com mais de um estudante, e quem está nas séries finais do curso técnico, pois fazem estágio e precisam enviar relatórios eletrônicos, acompanhar cursos e seminários online. “Assistir um seminário o dia inteiro pelo celular não é digno”, afirma Felipe.

Os benefícios advindos da cessão dos tablets – as famílias assinam um termo de compromisso e devem devolver o aparelho ao final do curso – são muitos, elenca Felipe. “Diminui a desigualdade de acesso à tecnologia. Agora eles estão minimamente se comunicando com os colegas, diminui o impacto psicológico do distanciamento. Nós também passamos a ter contato direto com estudante, é um instrumento a mais pra envolvê-lo no processo de ensino e aprendizagem”. Ao final da pandemia, os equipamentos poderão ser utilizados na sala de aula para pesquisas e para a realização de provas sem a necessidade de papel, cita o diretor. 
A escola tem 210 alunos matriculados do sexto ano do ensino fundamental até a educação profissional técnica em agropecuária. Entre eles, há ainda quase trinta que não possuem acesso à internet e sobre eles a direção da escola ainda busca uma solução. 
A escola realizou, na última semana, um mapeamento de todos os alunos que pararam de manter contato com a instituição desde o início da pandemia. A maioria não dispõe de recursos tecnológicos, às vezes até um telefone, havendo alguns poucos que, mesmo tendo o recurso, não estão conseguindo acompanhar as atividades. “Conversamos com eles, dizem que não estão aprendendo e não querem mais fazer, preferem trabalhar na roça. A gente fica nessa tentativa de motivação, pede para não desistir, mas aí entra na questão legal também. Há a possibilidade que todo mundo seja aprovado”, relata.

“É muito triste, no Enem [Exame Nacional do Ensino Médio] eles vão sair perdendo, na universidade vão sair perdendo. A evasão continua e serão eles os mais afetados, a meu ver”, lamenta o gestor, citando o caso de um estudante de uma família muito desestruturada, que já tinha dificuldade de acompanhamento antes da pandemia e que agora está tendo que trabalhar para sustentar a casa. A escola doou um tablet, mas ele não consegue acessar internet, o sinal só pego no alto de um morro perto da casa. “No final das contas a gente vai se conformando com situações como essas”, entristece-se.

Responsabilização

Para Felipe, “voltar às aulas esse ano é insustentável”. Sobre o ensino médio, ressalva, é possível tentar imaginar uma condição propícia para preparar a retomada ainda em 2020, considerando que os estudantes se deslocam em transporte escolar específico, que só circula com passageiros sentados. Excluindo os estudantes de ensino fundamental, eles se tornam mais vazios, podendo haver o distanciamento necessário. “Mas eu não posso garantir que os meninos vão sentar longe um do outro”, pondera.

“Eu falo de uma realidade que não é regra do Estado nem do Brasil, é uma realidade que a gente consegue ter uma disciplina maior, os alunos têm culturas diferentes, tudo isso nos favorece, mas se me perguntar se eu me responsabilizo pelo retorno, eu digo que não, não me responsabilizo”, afirma.

Promessa de ajuda

Para a futura volta às aulas, Felipe afirma que a escola precisará de recursos para se preparar. Uma promessa nesse sentido foi feita pelo secretário de Estado da Educação, Vitor de Angelo, em visita à EFA no último dia 25 de agosto, para conhecer o projeto de energia solar implementado com recursos de emenda parlamentar da deputada Iriny Lopes (PT) e que “está salvando as contas da escola”.

“O Estado se comprometeu a auxiliar as escolas agrícolas. Não sabemos ainda data nem valores, mas há essa promessa”, diz, lembrando que a relação com o Palácio Anchieta há muito não é tão próspera. “Chegamos a receber o 13º salário de 2016 em 2018!”, conta. “Eram muitos ataques [no governo de Paulo Hartung]. Hoje vivemos uma relação com o Estado muito melhor. Duas secretarias que haviam fechado as portas pro Mepes, educação e agricultura, se abriram novamente. Nos reunimos com o governador em maio de 2019, havia previsão de recursos pra informática, equipamentos, veículos, mas foi suspenso devido à pandemia”, relata.

Felipe também observa o contexto das escolas agrícolas capixabas e entende que há muitas em situação muito mais difícil que a de Marilândia. “Tem escola que não vai poder comprar uma máscara! Tem município que o prefeito odeia a escola e não passa um centavo! Como vai comprar máscaras e outros EPIs [Equipamentos de Proteção Individual]?”, relata.

A EFA Marilândia tem outra emenda parlamentar, com o deputado Sergio Majeski (PSB), próxima de ser liberada, e uma arrecadação de verbas em curso para reformar os banheiros, que “estão tenebrosos desde antes da pandemia”. Do orçamento de R$ 20,8 mil para a reforma dos sanitários, R$ 11,3 mil já foram levantados por um grupo de ex-seminaristas, hoje moradores de Vitória e muitos já aposentados. O restante, “estamos correndo atrás, buscando parceiros”, conta, acrescentando que quem quiser ajudar é só procurar a escola.

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