domingo, março 23, 2025
27.6 C
Vitória
domingo, março 23, 2025
domingo, março 23, 2025

Leia Também:

Reportagem especialA velha relação custo x benefício

O Ministério Público Estadual (MPES) registrou a maior variação no valor do orçamento entre todos os órgãos ligados à Justiça e ao Poder Legislativo nos últimos dez anos. Entre 2004 e 2014, as verbas repassadas à instituição subiram 231,78% – mais de quatro vezes o valor da inflação no período, que foi de 55,26%. No início do período, o MPES contava com um orçamento de pouco mais de R$ 105 milhões. Para este ano, mais de R$ 350 milhões serão destinados à instituição, que pode contar ainda com o “reforço” de créditos suplementares.

Esses números fazem parte de um levantamento elaborado pela reportagem de Século Diário, com base em dados do Tesouro Estadual. O crescimento do orçamento do MPES destoa de outros órgãos, que também contam com receitas oriundas do caixa do Estado. Por exemplo, a Assembleia Legislativa registrou uma variação de 98,47% no período, menos da metade destinada ao órgão ministerial. Até mesmo o Tribunal de Justiça do Estado (TJES) – que conta ainda com recursos próprios, extraídos de parte das custas processuais e taxas cartorárias – registrou uma variação menos significativa (179%).

Antes da comparação com os demais órgãos é preciso esmiuçar a evolução orçamentária do Ministério Público, diretamente atrelada à política de arranjo institucional durante o governador Paulo Hartung (PMDB). No início do governo passado, o MPES teve papel fundamental na consolidação da política do chamado “novo Espírito Santo”. Naquela oportunidade, o órgão foi responsável por uma série de denúncias na Justiça contra adversários políticos de Hartung, figuras que foram comumente associadas ao “crime organizado”.

Entre os anos de 2004 e 2011 (cujo orçamento fora elaborado na gestão do peemedebista), o Ministério Público teve uma evolução de 120%, chegando a R$ 233 milhões. Vale destacar que, neste período, o pagamento dos chamados penduricalhos passaram a ter grande impacto na folha salarial do órgão. Tanto que entre 2006 e 2007, o orçamento deu um salto de R$ 128,9 milhões para R$ 191,2 milhões.

Foi justamente neste período que o então procurador-geral de Justiça José Paulo Calmon Nogueira da Gama, hoje desembargador do TJES, fez o repasse de pouco mais de R$ 4 milhões aos membros da instituição às vésperas da eleição. O caso está sendo investigado pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE). O Ministério Público Especial de Contas (MPC) pediu a devolução do dinheiro que teria repassado de forma irregular sob a forma de suposta restituição da contribuição previdenciária.

Mais benefícios

Durante o atual governo, o Ministério Público também registrou um novo salto em seu caixa. No biênio da administração de Eder Pontes (foto), o orçamento saiu de R$ 267 milhões para os atuais R$ 350,5 milhões, um aumento de 30% entre 2012 e 2014. Coincidentemente foi no primeiro ano em que houve o polêmico reajuste no valor do auxílio-alimentação de promotores e procuradores de Justiça, que recebem R$ 1.679,00 mensais. Somente no início deste ano que o mesmo benefício foi concedido aos magistrados do TJES e conselheiros do TCE, que têm isonomia de tratamento pela lei – mesmo após as críticas de sindicatos de classe e até do governador Renato Casagrande.

Nos dois anos de administração de Eder Pontes, os gastos com pessoal estiveram na lista de prioridade do chefe da instituição, que será o candidato único nas próximas eleições internas – fato inédito na história do MP capixaba. Isso explica a destinação das verbas destinadas ao MPES, cada vez mais crescentes para uma instituição que permanece com o mesmo tamanho.

Somente no ano passado, quase 90% dos gastos orçamentários foi para o pagamento de despesas salários e vantagens fixas dos 313 componentes – 32 procuradores, 265 promotores e 16 promotores substitutos. De acordo com dados do Portal da Transparência do MPES, o custeio de pessoal foi responsável por R$ 251,4 milhões dos R$ 288,12 milhões que saíram dos cofres da instituição em 2013.

Deste total, o pagamento das despesas com exercícios anteriores, os chamados penduricalhos, atingiu a marca de R$ 50,81 milhões (29,19% do total gasto com membros). Valores que contribuíram para a garantida reeleição do corporativista Eder Pontes, que admitiu ao jornal A Gazeta que defende os interesses da classe acima de tudo.

Longe da crise

Esse quadro financeiro do Ministério Público passa ao largo das crises enfrentadas pelo Estado ou prefeituras, como a crise internacional no ano de 2008 ou dificuldades enfrentadas após os estragos causados pelas chuvas de dezembro passado. Por outro lado, os demais órgãos ligados à Justiça e ao Poder Legislativo também não podem reclamar da sorte. Se a comparação com o MPES é ingrata, o mesmo não pode ser dito em relação à variação da inflação, que está relacionado ao aumento do custo de vida da população em geral. No confronto com a inflação, todos os órgãos tiveram uma evolução orçamentária superior a 100%.

Entre 2004 e 2014, o orçamento do Tribunal de Justiça cresceu 179%, saltando de R$ 360,55 milhões para a R$ 1,01 bilhão. Diferentemente do caso do Ministério Público, a Justiça estadual conta com o “reforço” do dinheiro do Fundo Especial do Poder Judiciário (Funepj) desde o ano de 2002. Já o fundo do MPES, criado em 2006, terá o seu primeiro ano com receitas mais significativas, graças ao projeto aprovado na Assembleia, no ano passado, que garantiu a arrecadação do fundo. Para este ano, estão estimados os repasses de mais R$ 16,8 milhões ao órgão ministerial.

Os dois fundos agregam receitas oriundas das taxas e emolumentos cobrados em cartórios. Já o Funepj fica também com uma fatia das custas processuais, ou seja, valores pagos pelas partes no ajuizamento de processos. Neste ano, o fundo do Judiciário será responsável por R$ 127,38 milhões do orçamento do tribunal. Já a parte restante (R$ 882,12 milhões) sairá exclusivamente do Tesouro Estadual, isto é, da verba arrecadada pelo governo com imposto pago por todos os contribuintes.

No caso dos órgãos ligados ao Poder Legislativo, todas as receitas são repassadas pelo Estado. Entre 2004 e 2014, o Tribunal de Contas mais do que dobrou o seu orçamento. No período, os repasses saltaram de R$ 55,2 milhões para R$ 134,6 milhões, uma alta de 143%. Vale destacar que o aumento também esteve relacionado ao arranjo institucional de Hartung. O processo de “conquista” do TCE é ligado não apenas a nomeação de cinco novos conselheiros – três deles no governo do peemedebista –, mas também a imposição do discurso pela reconstrução, repetido até hoje pelos novos membros, sempre que possível.

Já a Assembleia Legislativa saiu da figura de “patinho feio”, quando era conhecida como o principal foco de atuação daquilo que se convencionou chamar de “retrocesso”, para uma Casa meramente homologadora, porém, com o caixa cheio. Nesse período de dez anos, o orçamento ficou próximo de dobrar. Na verdade, ele cresceu exatos 98,47%, passando de R$ 93,5 milhões para os atuais R$ 185,63 milhões. Durante este intervalo, o orçamento do Legislativo estadual chegou a cair, entre 2004 e 2005, mas depois ele seguiu a tendência positiva na curva de crescimento dos repasses (veja gráfico ao lado).

Apesar disso, as seguidas Mesas Diretoras da Casa não conseguiram cumprir a promessa de pagar aos servidores a reposição das perdas da URV para o Plano Real, o conhecido 11,98%. Chama atenção que de todos os órgãos listados nesta reportagem somente a Assembleia não realizou o pagamento, que hoje está sob análise da Justiça estadual, a pedido da Procuradoria-Geral do Estado (PGE).

Vale lembrar que o Estado bancou o pagamento no TJES, MPES e TCE, que já saldaram até mesmo supostas perdas e juros decorrentes do pagamento. Esses pagamentos extras são a origem dos penduricalhos, que hoje engrossam a folha salarial do Ministério Público.

O exemplo do atual procurador-geral ilustra bem a situação. Somente Eder Pontes recebeu R$ 67 mil líquidos no mês de dezembro deste ano, sendo R$ 25,3 mil como subsídios (já incluído os descontos), outros R$ 25,9 mil a titulo de indenizações, mais R$ 16 mil em penduricalhos.

Enquanto isso, há funcionários públicos no Estado que recebem menos do que um salário mínimo. Hoje, o cargo de quadro permanente do Executivo, com carga horária de 30 horas semanais, recebe a partir de R$ 733,00. Com os descontos legais, esse valor cai para pouco mais de R$ 500,00. Já o valor do salário mínimo é de R$ 724,00. O que demonstram uma realidade muito diferente dentro do funcionalismo público. Realidade que vai muito além do controverso vale alimentação de togados, membros do MPES e conselheiros de Contas

Mais Lidas