Quinta, 02 Mai 2024

​Caso Araceli: Estado brasileiro é denunciado à OEA

araceli_cabrera_crespo_Arquivo Arquivo

O assassinato da menina Araceli Cabrera Crespo, após ser drogada, torturada e estuprada, que completa 50 anos nesta quinta-feira (18) com a marca da impunidade, foi denunciado à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização Estados Americanos (OEA). O Movimento Nacional de Direitos Humanos (MNDH) e o Centro de Defesa dos Direitos Humanos da Serra (CDDH) e a Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (Fase-ES) cobram "reparação histórica" e que o Estado brasileiro seja responsabilizado internacionalmente por omissão e violações.

Arquivo

O movimento de Direitos Humanos requer à OEA que o Estado Brasileiro apresente ações como a obrigação de investigar o caso; imponha medidas disciplinares, administrativas ou penais às ações ou omissões de funcionários estatais que tenham interferido na investigação; e estabeleça medidas de reparação integral dos direitos humanos de crianças e adolescentes no enfrentamento às violências sexuais contra a população infanto-juvenil.

"Trata-se de uma reparação histórica que reposiciona o Caso Araceli no campo da responsabilização do Estado, por ter violado um conjunto de direitos humanos, inclusive da sociedade. A omissão do Estado brasileiro é evidente, e o que é mais grave, com uma motivação decorrente de atuação com o regime militar à época", afirma o advogado do MNDH, Carlos Nicodemos.

Na denúncia, destaca que, passado meio século do crime, "não houve um cumprimento efetivo quanto ao dever de investigar, responsabilizar e punir do Estado brasileiro, visto que não há a responsabilização e condenação daqueles responsáveis pelo crime. Ademais, a vítima, seus familiares e a sociedade brasileira, até a presente data, não foram reparadas pelos danos resultantes das violações de direitos que serão aqui expostas. Por estas razões, entende-se que as violações de direitos permanecem e perduram no tempo, caracterizando e justificando a competência temporal da CIDH no presente caso, conforme precedente do Relatório de Admissibilidade nº 80/12".

O texto prossegue dizendo que "apesar do fato criminoso ter ocorrido em 1973, os desdobramentos judiciais e os danos do caso permaneceram até hoje, data em que o Estado brasileiro já reconheceu a competência desta Comissão, complementando o argumento quanto a competência temporal, especialmente, diante das violações de garantia e proteção judicial".

Na denúncia também é recordado que, quando o crime aconteceu, havia "ausência de normativas específicas na época dos fatos que efetivassem a proteção integral devida à vítima, com o devido direito a memória, verdade e justiça", uma vez que a proteção aos direitos da criança e adolescente no Brasil foi efetivada somente em 1990, com a ratificação da Convenção sobre Direitos da Criança e a promulgação do Estatuto da Criança e Adolescente em julho de 1990.

O movimento de Direitos Humanos acrescenta que "pelas condições sociais e econômicas da família de Aracélia Cabrera Crespo, evidenciou-se a impossibilidade de esgotamento formal e qualificado com os recursos cabíveis e pertinentes das instâncias do Sistema de Justiça no Brasil". "Soma-se a isso o fato de que, a época dos fatos, o Estado brasileiro era uma ditadura civil-militar que fora notoriamente baseada em apoio e tráfico de influência com certas camadas da sociedade brasileira, como famílias economicamente influentes e o empresariado, razão pela qual, a ditadura brasileira deve ser considerada como uma ditadura civil-militar".

A influência política da família dos acusados junto ao regime militar, conforme consta na denúncia, "acabou por promover insuperável coação contra a família da vítima, impedindo, por evidente, a adoção de medidas legais pautadas num estado de normalidade que pudesse dar ao caso um outro destino que não fosse a impunidade. Assim como o tráfico de influência da família dos acusados operou durante todo o processo investigativo e de julgamento que ocorreram no caso, resultando em procedimentos viciados, ineficazes e parciais que acabaram por absolver os acusados e perpetuaram as violações de direitos da vítima".

Caso Araceli

Araceli tinha 8 anos quando foi raptada, drogada, estuprada, morta e carbonizada. A menina morava em Bairro de Fátima, na Serra, de onde saiu para ir à escola, na Praia do Suá, em Vitória. Após sair do colégio, foi vista por um adolescente em um bar entre o cruzamento das avenidas Ferreira Coelho e César Hilal, em Vitória. Depois disso, Araceli não foi mais vista. À noite, o pai, Gabriel Sanchez Crespo, iniciou as buscas.

Em 24 de maio, dias após o desaparecimento, o corpo de uma criança foi encontrado desfigurado e em avançado estado de decomposição em uma mata atrás do Hospital Infantil, em Vitória. Diante dos fatos apresentados pela denúncia do promotor Wolmar Bermudes, a Justiça chegou a três principais suspeitos: Dante de Barros Michelini, conhecido como Dantinho; seu pai, Dante de Brito Michelini; e Paulo Constanteen Helal, todos membros de tradicionais e influentes famílias do Espírito Santo.

A acusação alegou que Araceli foi raptada por Paulo Helal no bar que ficava entre os cruzamentos da rua Ferreira Coelho e César Hilal, após sair do colégio. Além disso, foi afirmado que no mesmo dia, a menina teria sido levada para o Bar Franciscano, na Praia de Camburi, pertencente à Dante Michelini, onde foi estuprada e mantida em cárcere privado sob o efeito de drogas. Devido ao excesso de substâncias em seu corpo, Araceli teria entrado em coma e levada ao hospital, local onde já chegou morta. Paulo Helal e Dante Michelini teriam jogado o corpo da menina em uma mata atrás do Hospital Infantil.

Na época, chegou a ser apontado que Dante Michelini se apoiou em suas ligações e influência com a polícia local para dificultar as investigações. Além disso, testemunhas-chave do processo morreram durante as investigações. 

Após a prisão, os três foram condenados em primeira instância, mas depois absolvidos pelo Tribunal de Justiça (TJES), alegando "falta de provas". Na denúncia feita à OEA consta que o sargento José Homero Dias, quando estava prestes a finalizar as investigações, foi morto com tiros nas costas, assim o caso ficou esquecido por algum tempo.

Recorda ainda que Clério Falcão, vereador que se elegeu deputado estadual com a promessa de levar o caso Araceli ao fim, conseguiu a constituição de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) na Assembleia. A CPI concluiu que houve de fato omissão da polícia local, interessada em manter distantes de suas investigações os reais assassinos, que eram figuras de prestígio.

Veja mais notícias sobre Justiça.

Veja também:

 

Comentários:

Nenhum comentário feito ainda. Seja o primeiro a enviar um comentário
Visitante
Quinta, 02 Mai 2024

Ao aceitar, você acessará um serviço fornecido por terceiros externos a https://www.seculodiario.com.br/