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‘A política do pescador de fato é uma violência aos trabalhadores da pesca’

“Um funil cruel que impede as pessoas de acessarem o seu direito”. Essa é a definição da Comissão Pastoral dos Pescadores (CPP) para a política do pescador de fato, proposta pela Fundação Renova, para cadastrar os pescadores atingidos pelo crime da Samarco/Vale-BHP, mas que ainda não foram incluídos nos programas de auxílio emergencial e de indenizações, por não disporem de toda a documentação exigida, como a carteira de pesca profissional.

“A política do pescador de fato é uma violência aos trabalhadores da pesca”, reforça a secretária-executiva da CPP, Ormezita Barbosa. “Esse nome pescador de fato é uma violência a pessoas, homens e mulheres, que vivem da pesca e têm uma relação histórica com a pesca, de tradicionalidade, uma relação ancestral, que não se baseia no dinheiro, mas principalmente na relação com a água, com a terra e com os peixes”, explica.

Ormezita enfatiza ainda que a política para o pescador de fato apresentada pela Renova não é uma demanda das comunidades atingidas. “Uma coisa é a comunidade demandar pra Fundação Renova a construção de uma alternativa para aqueles trabalhadores e trabalhadoras que não tinham acesso aos programas. Isso é diferente de tentar responsabilizar a comunidade pelo equívoco que é a política do pescador de fato”, esclarece.

Assim como já havia sido dito diretamente à Renova em uma reunião da Câmara Técnica de Ordem Social, vinculada ao Comitê Interfederativo (CIF) – instâncias criadas para fiscalizar a execução dos programas de reparação do crime pela Renova – realizada em Belo Horizonte no início de julho, Ormezita volta a afirmar que o arcabouço legal utilizado pela Fundação para criar a citada política é inadequado.

A lei do Defeso, por exemplo, não diz respeito aos pescadores de fato. Havendo ainda uma série de exigências de documentações que não estarão nunca disponíveis para esses atingidos e a impossibilidade do recurso da auto-identificação.

“A Fundação desconsidera nesse processo todo o princípio da auto-identificação”, aponta Ormezita, sublinhando também que, no escopo do programa, a própria Renova destaca, em negrito, um artigo do Código Penal referente à falsidade ideológica.

“A Fundação parte do princípio que todo mundo mente quando diz que é pescador. Isso não acontece em lugar nenhum do mundo. Os pescadores são considerados criminosos a priori”, acusa a liderança dos pescadores.

“Esse programa-piloto, se ele passar com esse escopo, se seguir da forma como ele está, vai continuar gerando uma violência cotidiana contra os pescadores”, afirma.

Audiência pública

O posicionamento da secretária-executiva da CPP foi feito diante da Renova, do Ministério Público, da Defensoria Pública e de dezenas de atingidos do Espírito Santo e Minas Gerais, em audiência pública realizada na última quinta-feira (15) em Linhares.

Passada uma semana, nada mudou. “A Fundação Renova permanece fechada a perspectivas mais abrangentes. Estamos em diálogo com a DPU e o MPF para avançar”, declara Ormezita.

“Em virtude dessa sistemática burocrática de documentos e formalidades para o atingido ser reconhecido, ao invés de ser um programa acolhedor – o cadastro, o auxílio financeiro, a indenização – está sendo um programa excludente”, concorda o defensor público estadual Rafael Portella, mediador do acalorado debate ocorrido na audiência pública. O evento, explica, foi uma “devolutiva” das negociações traçadas durante as ocupações de trilhos da Vale ocorridas em Serra e Colatina em julho passado.

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