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A quem interessa denominar como florestas as plantações industriais de árvores?

Carta da Rede Alerta contra Desertos Verdes tem apoio de entidades que lutam por justiça agrária e socioambiental

Leonardo Sá

A quem interessa denominar, como florestas, os extensivos monocultivos de árvores a serviço da indústria de celulose, de ferro-gusa e de carvão que devastam vastos territórios no país? Uma breve síntese do emaranhado político-econômico que financia os desertos verdes e os travestem de florestas plantadas sustentáveis e bioeconomia consta no Manifesto da Rede Alerta contra os Desertos Verdes deste ano.

Assinado por entidades que apoiam a justiça agrária e socioambiental, o documento é resultado do encontro realizado pela Rede Alerta contra os Desertos Verdes na última terça-feira (21), Dia Mundial da Árvore e também Dia Internacional de Luta contra Monocultivos de Árvores.


O conluio do agronegócio tenta fazer crer que toda a sociedade ganha com o progresso trazido pelos exércitos de espécies exóticas, que ocupam territórios de povos tradicionais, impedem a reforma agrária e devastam o solo, a água e a biodiversidade, criando enorme desertos verdes. “Mas, atenção! Alerta! Plantações de árvores NÃO são florestas!”, bradam as entidades que integram a Rede Alerta

Usurpado há meio século pela indústria de celulose, o norte e o noroeste do Espírito Santo compõem as áreas de interesse para expansão dos desertos verdes das indústrias de árvores, voltados ao insustentável “sobreconsumo” de papel e aço nos países do hemisfério Norte e entre as elites do Sul.
A tragédia socioambiental capixaba, assim como em outras áreas da Mata Atlântica (extremo sul da Bahia), do Cerrado (Mato Grosso do Sul e norte de Minas Gerais) e dos Pampas (Rio Grande do Sul) teve início nos anos 1960, com apoio direto da Ditadura Militar. Agora, o filme de horror e sarcasmo avança sobre a Amazônia, no Maranhão.
Passada a Ditadura Militar, relata o Manifesto, os diferentes governos da Nova República sempre mantiveram as empresas de celulose e siderurgia no “núcleo do poder”. “Sempre ocuparam ministérios, formaram bancadas, definiram e foram beneficiadas por sucessivos programas de desenvolvimento, planos de aceleração de crescimento e por isenções fiscais. As empresas monocultoras sempre definiram as políticas climáticas e os planos florestais”. Até hoje.
“Sob o governo ultraliberal e fascista de Jair Bolsonaro, as mesmas empresas seguem apoiando as manifestações golpistas do agronegócio. Estão interessadas na desregulamentação das leis do trabalho e na flexibilização das leis ambientais”, pontua a Rede Alerta.
Por onde se instala, “o agronegócio do eucalipto provoca uma tragédia econômica, social e ambiental. Um Deserto Verde!”, denuncia a Rede, baseada em farta literatura a respeito, e elencando: Assola e expropria povos tradicionais; Impede a Reforma Agrária e submete a economia campesina; Promove a grilagem, concentra e se apropria das terras devolutas; Desgasta rodovias e incrementa os riscos de acidentes de trânsito; Precariza as condições de trabalho e a liberdade sindical; Seca nascentes e lagoas e contamina os córregos e rios, com o uso indiscriminado de seus agrotóxicos; Extingue a sociobiodiversidade dos territórios; Destrói a economia local, sem gerar emprego; Sua estrutura portuária voltada à exportação destrói berçários e manguezais, impede e inviabiliza a pesca artesanal.
Plantas industriais
Nas plantas industriais, a tragédia continua. Quem mora ou passa nas proximidades da fábrica da Suzano (ex-Fibria, ex-Aracruz Celulose), em Aracruz, no norte do Espírito Santo, ao perceber o odor fétido e os gases que emanam diuturnamente de suas chaminés e lagos de decantação, sabe ou ao menos tem uma ideia do quão devastador é o processo de transformação das árvores na pasta branca exportada ao custo de generosas isenções de impostos.
“Utilizam grandes quantidades de energia e de água e geram grandes quantidades de efluentes líquidos, emitem ruído, materiais particulados como finos de serragem e fuligem, gases de efeito estufa, gases precursores da chuva ácida e gases odoríferos que causam náuseas, dores de cabeça, ardência nos olhos, nariz e garganta. A longo prazo, que danos podem causar à saúde humana?”, descreve e questiona o Manifesto.
Além dos impactos diários, complementa, há os riscos permanentes de “vazamentos de cloro, emissão de dioxinas e furanos e outros acidentes que podem atingir trabalhadores e comunidades vizinhas”.
Fatos distorcidos
O Manifesto informa a ordem de 10 milhões de hectares como estimativa do latifúndio de empresas como Suzano, Veracel, Klabin, Plantar, V&M e CMPC, entre outras, que “manipulam a opinião pública e disseminam suas monoculturas como se fossem ‘florestas'”.
“No relatório de sustentabilidade de 2020, a Suzano Celulose, por exemplo, invoca sua monocultura como transição energética, sob o lema de ‘renovar a vida, a partir da árvore'”, denuncia a Rede, relevando: é através da distorção de imagens e números e dos deslocamentos dos sentidos das palavras que os monocultivos industriais são apresentados à sociedade como florestas.
Enganação que, ao longo das décadas, foi sendo apoiada por bancos e fundos de investimentos (BNDES, BM/IFC, Fundo do Clima, BEI, BNI), organismos internacionais (ONU/FAO), conselhos e programas de engenharia florestal, institutos patronais, certificadoras e organizações e redes do ambientalismo de mercado, como WWF, CI – Conservation International e TNC – The Nature Conservancy.

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