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‘Apenas 39% das mulheres cadastradas foram ouvidas’, lamenta defensora pública

Em Brumadinho, compara Mariana Sobral, cartões de auxílio são individuais e dependentes são ligados às mulheres

Mariana Sobral

“Apenas 39% das mulheres que estão dentro do cadastro de atingidos da Fundação Renova puderam relatar seus danos”, consterna-se a defensora pública Mariana Sobral, integrante da equipe capixaba na Força-Tarefa do Rio Doce, ao lado de outros defensores, além de procuradores da República e promotores de Justiça do Espírito Santo e Minas Gerais. 

No universo das poucas mulheres que foram ouvidas, há o agravante de que, em muitos casos, mesmo sendo a mulher o esteio financeiro de suas famílias, ela acabava informando que o chefe do núcleo familiar era o companheiro, submetendo-se ao contexto machista do cadastramento de atingidos.

“O cadastro é por núcleo familiar, onde se escuta apenas uma pessoa por família. E os núcleos familiares da Renova são muito extensos, muito além da realidade, com até 15 integrantes”, aponta.

As duas formas de não-escuta, lamenta Mariana, são o ponto de partida para uma sequência de omissões e violações dos direitos das mulheres atingidas pelo maior crime ambiental do país, que completou cinco anos nessa quinta-feira (5).

“O cadastro, que é a porta de entrada, foi feito de maneira extremamente equivocada. Os problemas sociais atingem de forma muito severa a mulher. Violência, emprego, saúde, manutenção do seu lar. Há uma sobrecarga do trabalho domiciliar. Mas nada disso foi observado pela Fundação Renova, o que causa um dano irreparável. As mulheres estão sendo excluídas desde o começo. A cada marco temporal, vemos repetir problemas das comunidades”, descreve a defensora.

A violação direta acontece rotineiramente por meio do não reconhecimento de determinadas categorias exercidas majoritariamente por mulheres, como lavadeiras e artesãs; pelo pagamento de valores de indenização menores a mulheres pescadoras ou o não reconhecimento delas como profissionais da área; e pela classificação das mulheres como dependentes dos companheiros, com auxílio emergencial de apenas 20% em relação ao do homem, mesmo quando o esteio financeiro é delas ou é compartilhado pelo casal.

“O auxílio não tem característica de indenização, é emergencial, a característica é garantir a manutenção do lar enquanto não retornarem as condições de antes do rompimento”, ressalta. Com o relato dos danos da família sob o viés masculina, no entanto, “a autonomia econômica da mulher foi atacada pela Renova. Muitas mulheres que haviam conquistado sua independência a perderam e passaram a ser dependentes de seus companheiros, pais, irmãos”.

Há ainda violações mais amplas, como a inobservância da necessidade de aumento de investimento da rede pública de assistência social e de saúde nos municípios, necessidade agravada durante a pandemia de Covid-19.

“A gente sabe que a pandemia trouxe aumento da violência doméstica contra as mulheres. E as mulheres atingidas estão com essa situação há cinco anos, pois muitos perderam o seu lazer, sua atividade laboral, aumentando a ociosidade, o consumo de álcool e drogas e os episódios de violência doméstica. Mas não foi feito investimento na rede de atendimento às mulheres atingidas em suas comunidades”, conta.

Mariana explica que uma forma de resolver essas injustiças seria a implementação de duas medidas, já exaustivamente reivindicadas pela Força-Tarefa e a DPES, mas sem sucesso, e que foram prontamente implementadas no rompimento da barragem da Vale em Brumadinho/MG, ocorrido em janeiro de 2019: a adoção de cartões de auxílio emergencial individuais e vinculação dos dependentes, no âmbito familiar, no cadastro das mulheres.

“Fizemos reuniões com a Samarco, antes da criação da Renova, pedimos pra dar preferência para mulher, citando os programas sociais que já funcionam assim e evitam a dependência da mulher e a violência, mas não adiantou. “Brumadinho avançou nesse sentido, não tem esse problema”, compara.

No Rio Doce, ao contrário, o esforço da Renova e das empresas, repudia, “é fechar o cadastro e finalizar todas as medidas como concluídas”.

A saída, avalia Mariana, é atender as mulheres individualmente. “Difícil conseguir uma reforma estrutural, ampla”, diz, apesar de perceber que o relatório da consultoria Ramboll – expert contratada pelo MPF para monitorar a execução dos programas de reparação pela Renova, e que apontou o negligência com as mulheres – fez a Fundação rever alguns pontos, como reconhecer as artesãs. “Mas ainda não todas”, contrapõe.

“Após cinco anos, ocorre um novo desastre dentro do desastre. O desastre dentro das comunidades atingidas acontece todos os dias”, lamenta.

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