Sábado, 27 Abril 2024

Atingidos do ES e MG discutem saúde e territórios à luz do relatório da Aecom

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Um grande encontro de atingidos pelo crime da Samarco/Vale-BHP de 2015, vindos de cidades e comunidades do Espírito Santo e Minas Gerais, será realizado nesta segunda-feira (15) em Nova Almeida, na Serra, região da Grande Vitória, para discutir questões de saúde e reconhecimento de territórios atingidos, à luz dos relatórios 58 e 59 da Aecom, divulgados com exclusividade em Século Diário, que confirmaram a grave contaminação do pescado e dos produtos agropecuários produzido na Bacia do Rio Doce, bem como o nexo causal entre a toxidade dos metais encontrados nos alimentos e os rejeitos que vazaram do Barragem de Fundão, em Mariana/MG.

A necessidade de implementação da Deliberação 58/2017 do Comitê Interfederativo (CIF), que amplia a área atingida pelo crime para dezenas de comunidades em Serra, São Mateus e Conceição da Barra, também integra as pautas prioritárias, além de categorias de atingidos ainda não reconhecidas, como os surfistas de Regência. O objetivo, afirma o convite para a atividade, é a "elaboração de uma pauta única das demandas de todos atingidos da Calha do Rio Doce".

Os impactos da cheia do Rio Doce, com as chuvas dos últimos dias, trouxeram preocupação extra aos atingidos de Linhares, que também levarão o tema para o encontro. Imagens aéreas divulgadas na terça-feira (9) pelo vereador Roninho Passos (DC) mostram o tom barrento das águas do rio Doce, contaminadas com os rejeitos de mineração, chegando à Lagoa Juparanã, a maior do Brasil em volume de água e importante ponto turístico do município.

Complementando as imagens, relatos de pescadores e moradores que conhecem bem a região, compartilhados nas redes sociais, ressaltam que, para chegar à Juparanã, as águas contaminadas do Doce passam pelo rio Pequeno, que faz a ligação natural entre os dois grandes recursos hídricos do município. "É onde o SAAE [Serviço Autônomo de Água e Esgoto] faz a captação de água que abastece a cidade", alerta Luciana Souza, integrante da Comissão de Atingidos de Regência e Entre Rios e representante da Bacia do Rio Doce no Coletivo Vozes Negras pelo Clima.

Ela ressalta a importância do encontro em Nova Almeida, para que pautas invisibilizadas sejam melhor apropriadas e recebam os devidos esclarecimentos e encaminhamentos por parte das entidades responsáveis por prestar assistência aos atingidos, como os governos, a Justiça, as assessorias técnicas e a Fundação Renova. "A gente está pedindo ajuda de técnicos parceiros, para explicarem os laudos da Aecom. A gente sabe que é tudo muito grave, mas não conseguimos ver qualquer ação concreta acontecer. Quando reivindicamos, a Renova menospreza a nossa voz, usando termos técnicos e jurídicos para nos calar", relata.

O caso da cheia do Rio Doce é mais um exemplo. "É muito sério isso. Mas é sério para os atingidos que estão na luta, para quem entende o quão tóxico são os metais que contaminam os alimentos e a água. A população urbana de Linhares está tranquila, porque não acompanha, acha que é alarmismo da gente aqui na Foz. Essa pauta não está se popularizado, não há interesse da Renova e das mineradoras para que seja divulgado e explicado. Mesmo com as recomendações da Aecom e da Nota Técnica do Ministério da Saúde. Por isso estamos nas mobilizações".

Histórico de sucessivas judicializações

O acesso do Rio Doce à Lagoa Juparanã e, consequentemente ao rio Pequeno, foi liberado pela justiça em setembro passado, quando o juiz da 4ª Vara Federal de Belo Horizonte, Vinícius Cobucci, negou recurso da Procuradoria Municipal de Linhares e autorizou a retirada das "ensecadeiras" instaladas pela Fundação Renova para impedir que as águas do Doce chegassem à Lagoa. A sentença revoltou moradores de Linhares, que protestaram, incluindo com fechamento da BR 101, mas a decisão foi mantida.

A obra foi feita em dezembro de 2019, também por determinação judicial, para substituir um barramento provisório que havia sido feito ainda em novembro de 2015, que ameaçava desabar e causava alagamentos em uma ampla área no entorno, provocando insegurança e prejuízos para famílias moradoras de diversos bairros e áreas rurais.

Nesse meio tempo, houve também movimentação no âmbito da Justiça Estadual, incluindo um conjunto de multas que totalizaram R$ 10 milhões, aplicado em setembro de 2018 pelo juiz Thiago Albani Oliveira Galvêas, da Vara da Fazenda Pública Municipal e Estadual de Linhares, o maior valor de punições judiciais até então deferido contra a Samarco em solo capixaba. A mineradora, no entanto, nunca cumpriu as decisões de primeira instância da Justiça Estadual, recorrendo ao Tribunal de Justiça (TJES), que decidiu por transferir o caso para a 12ª Vara, em Belo Horizonte.

Na tentativa de encontrar uma solução prática mais ágil, o Ministério Público Estadual empreendeu um Termo de Compromisso Ambiental (TCA), firmado também em 2018, quando a Aecom, perita judicial do caso, foi contratada para elaborar os estudos técnicos para as obras definitivas, que finalmente iriam substituir as provisórias, de 2015. Em seguida, o acompanhamento das obras passou a ser feito pela 12ª Vara Federal, para onde as mineradoras e a Fundação Renova sempre buscam levar todas as ações. Em 2022, a 12ª foi substituída pela atual 4ª Vara Federal, também em Belo Horizonte, como responsável pelos processos relativos ao caso. 

Poluidor-pagador

Na decisão de setembro passado, o magistrado ignorou o recurso da Prefeitura de Linhares que alegava que "o SAAE não tem condição de ampliar a medição de rotina dos parâmetros da água bruta", em caso de entrada das águas do Rio Doce nos pontos de captação. O juiz, no entanto, alegou que os últimos pareceres da Aecom indicavam o contrário e afirmou que o restabelecimento da ligação entre o Rio Doce e a Lagoa Juparanã não configura risco "grave e irreversível".

Em nota, a Prefeitura de Linhares informou à reportagem, neta sexta-feira (12), que "tão logo tomou conhecimento [da abertura da barragem], entrou com recursos judiciais para reverter essa decisão e aguarda o parecer final, que cabe a Justiça Federal". 

Afirma ainda que "acompanha de perto e com muita atenção informações que colocam em dúvida a qualidade da água que é fornecida aos moradores de Linhares" e que "a água distribuída ao município de Linhares pelo Saae pode ser consumida sem qualquer receio. Ela é tratada e entregue atendendo todas as exigências do Ministério da Saúde. O monitoramento é feito de forma diária, se estendendo desde a captação in natura, passando pelo processo de tratamento e distribuição".

A sentença do juiz Vinicius Cobucci destaca um ponto do relatório da Aecom que afirmava a previsão de retirada das ensecadeiras "ainda no período seco de 2023", dando sua anuência para a ação, em setembro passado. Com as cheias do Rio Doce, neste verão, no entanto, os atingidos não se sentem seguros, principalmente mediante os recentes relatórios da própria Aecom, evidenciando a contaminação dos alimentos produzidos com essa água.

Sobre esse assunto, o próprio magistrado faz menção em sua sentença, ao abordar possíveis gastos extras que o SAAE terá que empreender para tratar uma água com mais poluentes que o habitual, com a entrada do Rio Doce. "Em relação ao princípio do poluidor-pagador, a questão relativa à dificuldade de ampliação de medição dos parâmetros da água bruta deve se apoiar em elementos concretos. O SAAE deve exercer as suas atribuições institucionais e proceder à medição. Caso comprove que medições adicionais implicariam onerosidade excessiva à atuação rotineira, há possiblidade em tese de que as sociedades empresárias ou Fundação Renova arquem com o custo, como decorrência dos princípios do poluidor-pagador, da reparação integral e da prevenção. Este último princípio se aplica em razão de não ter sido constatada a possibilidade de dano grave e irreversível. No entanto, qualquer possibilidade de dano deve ser monitorada justamente para evita-lo ou mitiga-lo. Esta medida de repasse do custo ou imposição de obrigação acessória para o monitoramento pode ser analisada, desde que trazidos dados fáticos relevantes. Há apenas alegação de que tais testes seriam realizados por laboratório terceirizado. No caso, é possível se obter um plano de trabalho para que se obtenha o monitoramento ideal".

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