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Corte de mata em estágio médio de regeneração causa polêmica em Santa Teresa

Idaf de Santa Maria de Jetibá autorizou corte com base em licença simplificada da prefeitura, que repudia ação

O escritório local do órgão de fiscalização de um município emite autorização para corte raso de Mata Atlântica a um proprietário rural do município vizinho, com base em uma Licença Ambiental Simplificada emitida pela prefeitura onde o imóvel se localiza, mas esta, por sua vez, repudia a licença para corte e convoca reunião extraordinária do seu Conselho Municipal de Meio Ambiente.

O caso se desenrola desde o último sábado (24) em Santa Teresa, região serrana do Estado, quando Renan Zottele levou ao chão 1,19 hectare de vegetação em um terreno de sua propriedade localizado às margens da Rodovia Josil Espíndola Agostini, no distrito de Penha, próximo ao centro de Santa Teresa.

A licença emitida pelo Instituto de Defesa Agropecuária e Florestal (Idaf) de Santa Maria de Jetibá lhe autorizou a supressão 0,54 hectare de mata em estágio médio e o restante em estágio inicial de regeneração. O objetivo, parcelamento do solo para fins urbanos.

“A autorização foi possível uma vez que a Lei Federal da Mata Atlântica n° 11.428/2006 prevê a supressão nessa condição e por ter sido apresentada pelo proprietário a Licença Ambiental Simplificada emitida pela Prefeitura Municipal de Santa Teresa referente à atividade de parcelamento dos solos para fins urbanos. Também constam no processo Ofício do Incra [Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária] e certidão de cartório de registro de imóvel que comprovam e oficializam a caracterização do imóvel como urbano. Em 2020, o proprietário havia solicitado autorização de supressão ao Idaf e o pleito foi indeferido, pois, naquela ocasião, o imóvel ainda era caracterizado como rural”, informa o Idaf, por meio de sua assessoria de imprensa.

Foto do Leitor

“A autorização foi emitida pela Gerência Local do Idaf em Santa Maria de Jetibá, uma vez que o laudo de diretrizes florestais havia sido elaborado por servidores dessa gerência. De qualquer forma, os servidores do Idaf apresentam competência de atuação em todo território do Estado”, acrescenta a autarquia.

“Pelo Projeto de Recuperação de Áreas Degradadas (PRAD), está prevista a compensação em dobro para a referida supressão no que se refere à vegetação em estágio médio de regeneração, conforme prevê a Lei da Mata Atlântica, ou seja, caberá ao proprietário o reflorestamento de uma área de 1,20 hectare”, finaliza a nota.

Local ou regional?

A prefeitura, por sua vez, se posiciona contrária à liberação feita pelo Idaf. Em comunicado oficial publicado no início da semana, afirma que soube do desmatamento no dia 24 e que, no mesmo dia, comunicou o fato ao Idaf, à Polícia Ambiental e ao Ministério Público.

Sobre a tramitação do pedido de desmatamento dentro do Idaf, a prefeitura traz uma informação diferente da que foi respondida pela assessoria de imprensa. “O Idaf, órgão estadual, informou que o escritório de Santa Teresa não autorizou a supressão de vegetação, sendo esta autorizada, em recurso administrativo, pela instância superior do órgão estadual, o Idaf Regional”.

O comunicado diz ainda que “não ocorreu a anuência do Conselho Municipal de Meio Ambiente, o que é obrigatório por se tratar de ZPA (Zona de Proteção Ambiental), definida pelo PDM [Plano Diretor Municipal]. Informamos mais, que todos os trâmites para apuração dos fatos estão sendo adotados pelas autoridades competentes”.

De forma complementar, a Secretaria de Meio Ambiente afirmou ainda que já foi convocada uma reunião extraordinária ao Conselho de Meio Ambiente para a próxima segunda-feira (3), “a fim de que o conselho solicite esclarecimentos e providências mediante a não solicitação de anuência para intervenção na ZPA e que uma cópia da solicitação será enviada ao Ministério Público, “junto a lei municipal que prevê anuência, para que adote as providências legais cabíveis ao caso”.

Tristeza

A polêmica também se instalou nas redes sociais, com moradores se manifestando a favor e contra o desmatamento. Em favor de um maior controle do desmatamento no município, o professor Walter Có ressalta o aumento contínuo da perda de cobertura florestal na região e as consequências que esse comportamento tem sobre a agricultura, a qualidade de vida e o próprio turismo.

Foto Leitor

A grande seca de 2016, lembra, é uma referência do que ainda pode estar por vir, considerando a crise climática. “Vi pessoas desesperadas, sem água para as necessidades mais básicas, perdendo tudo na roça por falta de água para irrigação. Pois tudo isso deve acontecer novamente nos próximos anos, mas dessa vez com um agravante. De 2016 para cá, Santa Teresa perdeu uma importante área de florestas, em regiões de recarga hídrica. Isso significa menos água disponível no sistema, o que tornará os efeitos da seca ainda muito mais severos. O desmatamento de hoje para a construção de loteamentos e pousadas levará o agricultor ao desespero amanhã”, alerta o professor, fazendo coro com uma avaliação semelhante feita pelo meteorologista do Instituto Capixaba de Pesquisa, Assistência Técnica e Extensão Rural (Incaper) Hugo Ramos a respeito dos rios voadores da Amazônia, que podem deixar de passar pelo Espírito Santo por conta do mau uso do solo, que intensifica as mudanças climáticas.

Sobre o caso específico do dia 24, ele também contextualiza como parte de uma tendência cada vez mais comum. “Para tornar um crime legal, basta um parecer, um pedaço de papel assinado. O poder e o dinheiro estão pressionando e sempre pressionarão pessoas e instituições cada vez mais frágeis e corrompidas. Uma simples assinatura em um pedaço de papel não pode ser a única barreira entre a vida e os que querem lucrar com ela, porque o preço disso será muito alto”.

Morador antigo da cidade oriundo da Capital, o professor lamenta a falta de sensibilidade de muitos nativos do município com a redução de suas áreas de floresta. “Como pode o teresense, que sempre conviveu com tanta vida e beleza, não sentir nenhuma dor ao ver um trator passando por cima de tudo? Trucidando, esmagando, moendo ninhos de beija-flores com filhotes ainda dentro e as árvores que viram nascer e crescer seus antepassados tombarem em uma única noite, para virar tudo terra nua e remexida. Esse mesmo teresense que se diz tão cristão, tão devotado a Deus, simplesmente destrói ou permite que se destruam as joias mais preciosas da criação, sem nenhuma responsabilidade ou peso na consciência por isso. Ainda temos matas maravilhosas, ar puro, água e vida. Mas tudo isso está por um fio ou por uma canetada”.

Números preocupam

A tristeza e preocupação do professor têm respaldo em dados. Em fevereiro passado, o Espírito Santo foi o sexto estado com maior número de eventos de desmatamentos da Mata Atlântica em levantamento nacional publicado no terceiro boletim do Sistema de Alertas de Desmatamento (SAD) e consolidado pelo MapBiomas Alerta, referente ao período de agosto a outubro de 2022. O Estado também ficou em nono lugar no ranking de área desmatada, entre os 17 que integram o bioma. Foram 292 eventos, totalizando 506 hectares.

Em abril, outro estudo mostrou que dois terços dos desmatamentos executados no Espírito Santo entre 2019 e 2022 foram ilegais. Os dados são da nova versão do Monitor da Fiscalização do Desmatamento, desenvolvido pela iniciativa MapBiomas e aplicado até o momento a nove estados brasileiros. No caso capixaba, as 121 autorizações para desmate legal, emitidas pelo Idaf, correspondem a apenas um terço do total de 386 casos. Outros 100 desmatamentos sofreram ações de fiscalização (26%). Considerando algumas áreas em que houve simultaneamente autorização legal e fiscalização, o balanço geral é que em 189 casos (49% do total) há indícios de ilegalidade e de falta de qualquer ação punitiva por parte do Estado.


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https://www.seculodiario.com.br/meio-ambiente/jornalista-e-ambientalista-intimidados-em-santa-teresa-pedem-justica

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