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‘Lutas pela Reforma Agrária e igualdade de gênero têm que ser concomitantes’

O I Encontro Nacional de Mulheres Sem Terra acontece entre os dias 5 e 9 de março em Brasília e representa a culminância de um longo processo de conquista de espaço, voz e decisão femininas dentro do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), uma das mais importantes organizações sociais do país. 

Não que o MST seja mais ou menos feminista ou machista que outras entidades ou a sociedade brasileira como um todo. O que está em pauta no I Encontro é como essa polarização se reflete na luta pela justiça fundiária no Brasil. 

Para Eliandra Rosa Fernandes, dirigente nacional do MST pelo Espírito Santo, está claro que as duas lutas são sincrônicas. “Nós não vamos fazer primeiro a reforma agrária pra depois fazer a luta pela igualdade de gênero. Tem que ser concomitante”, assevera. 

Ao longo da história do Movimento, recorda, as mulheres sempre foram e são “as primeiras a ir pro front contra a polícia e pistoleiros, a iniciar a ocupação. Depois de assentadas, ficavam em casa, não participavam das assembleias, das decisões sobre crédito, sobre o que plantar. Hoje, não! Esse debate vem junto”, testemunha. 

No início do Movimento, há 35 anos, era muito comum mulheres sem documentos, sem carteira e trabalho ou de identidade, e que não constavam nos contratos de comodato da terra. “Em caso de separação a terra ficava com os homens. Hoje, não!”, exemplifica, falando ainda do trabalho junto ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), para que o primeiro nome no contrato seja o da mulher. 

Houve, constata Eliandra, uma considerável “elevação do nível de consciência das companheiras, que aprenderam a falar em público, a fazer um ‘debate de igual pra igual’ em espaços de direção”. “Hoje, há muitas mulheres fazendo viagens internacionais, representando o MST no mundo”, comemora.

Com isso, ganha em qualidade não só a vidas mulheres, mas todo o Movimento. “Crianças, juventude, agroecologia … as mulheres são as principais a defender a agroecologia, a diversificação da produção. Esse olhar da produção de subsistência, do quintal, da saúde alternativa, é muito feminino e a gente consegue trazer esses temas pro diálogo com a sociedade”, observa. 

São questões que compõem todo do movimento e toda a sociedade, não apenas o universo das mulheres sem terra. “A ocupação da terra é o nosso principal instrumento de luta, mas há várias outras coisas que compõem o movimento, ligado à proposta da reforma agrária popular, e que é importante que toda a sociedade compreenda, porque é uma luta de todas. É a partir da reforma agrária que você produz alimentos saudável, preserva o meio ambiente, a educação de qualidade”, explica.

Estopim 

O ano de 2000 foi um marco da trajetória de conquista de espaço. Foi quando surgiu o Setor de Gênero no MST, o qual Eliandra foi coordenadora. Seis anos depois, outro marco, com o protesto das mulheres sem terra do Rio Grande do Sul contra os monocultivos de eucalipto, em que promoveram um grande ato no viveiro da então Aracruz Celulose (hoje Suzano), com grande repercussão na mídia nacional. 

“Foi o estopim pra que todas as mulheres do MST, nos diversos estados, também fizessem lutas contra o capital”, explica, citando outro ato contra a Aracruz Celulose, desta vez no Espírito Santo, no porto da empresa,, em Barra do Riacho, Aracruz, norte do Estado, junto com mulheres da Via Campesina da região sudeste. 

A conjuntura política brasileira atual coloca um novo desafio para os movimentos sociais e as mulheres. “Um governo extremamente machista, fascista, homofóbico. Momento muito perigoso, em que até pra fazer lutas e mobilizações é preciso ter muito mais cuidado. Um governo que manda matar, que libera a polícia pra matar. Essas coisas se colocam com muito mais responsabilidade pra nós do MST. A gente se compromete mais ainda na organização das mulheres pra enfrentar esse momento”, contextualiza. 

Caravana capixaba

Moradora do Assentamento Vale da Vitória, em Nestor Gomes/São Mateus, no norte do Estado, Eliandra ressalta o “feminismo camponês e popular” como parte indissociável da luta pela terra. “O patriarcado é uma das bases que fortalece o capitalismo”, expõe. Ou, nas palavras do grito de luta do I Encontro Nacional, “sem feminismo não há socialismo”. 

A caravana capixaba para Brasília no início de março deve ser formada por dois ônibus, com mulheres de diversos assentamentos e acampamentos. Uma nova investida da Suzano, que reativou pedidos judiciais de reintegração de posse contra seis acampamentos do MST, deixa em alerta o movimento no Espírito Santo. Mas a disposição é de não arrefecer, ao contrário!

A identidade capixaba no Encontro, conta Eliandra, vai se expressar pelos produtos da marca Terra de Sabores, que caracteriza pela produção feitas nos assentamentos do MST no Estado, como geleias, licores, cafés. Também pelas técnicas alternativas de saúde da assentada Sanuza Motta e seus fitoterápicos, ervas, massagens, heiki. Além de manifestações artísticas e gastronomia. 

“Estamos todas despertas!”

O 1º Encontro Nacional das Mulheres Sem Terra deve reunir três mil mulheres, vindas dos 24 estados onde há coordenações do MST, além de aproximadamente 500 convidadas. Na cartilha com orientações políticas e práticas para a organização do evento, as organizadoras afirmam que “há 35 anos, realizam a luta pela Terra, por Reforma Agrária e por Transformação Social”. 

“Seguimos firmes na construção do MST, fazendo o enfrentamento às cercas do latifúndio, do patriarcado, do racismo e pautando este debate com o conjunto da organização”, relatam. 

Diante disso, salientam, todos os debates, análises e espaços políticos e culturais do Encontro estarão permeados pelo que o MST tem definido politicamente no último período: lutar contra a violência do capital sobre nossos corpos e territórios; lutar contra a reprodução do capital no campo, o agronegócio, o hidronegócio e o mineronegócio; compreender, aprofundar e consolidar o debate do Feminismo Camponês e Popular na construção da Reforma Agrária Popular; nos colocarmos em movimento para a construção e consolidação da Jornada Nacional do Trabalho de Base, por meio da formação política da militância, da confraternização e do intercâmbio cultural das diferentes regiões do país; avançar na compreensão e elaboração sobre o patriarcado e o racismo como elementos estruturantes do capitalismo; seguir construindo nosso projeto de Reforma Agrária Popular, que implica em outras relações com a natureza e entre os seres humanos, produzindo alimentos saudáveis, através da agroecologia; reafirmar a importância da participação da Juventude, das Mulheres, Negras e Negros, LGBT na construção da Reforma Agrária Popular e no enfrentamento a todas formas de violência; manter vivo o princípio e valores humanistas e socialistas, entre nós e com os povos em lutas e resistência.

“Estamos todas despertas!”, afirmam. 

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