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Mais 5 mil hectares de eucalipto pra Suzano: bom pra quem?

A Suzano Papel e Celulose – gigante do setor que incorporou recentemente a Fibria (ex-Aracruz Celulose) – reclama: quer que o Estado agilize o licenciamento ambiental de mais 5,1 mil hectares de terra em Conceição da Barra, para expandir seus monocultivos de eucalipto.

O pedido foi feito em 2016 ao Instituto de Defesa Agropecuária e Florestal (Idaf) e ainda não foi liberado. Na imprensa corporativa, a Federação das Indústrias do Espírito Santo (Findes) endossou a súplica pela urgência na liberação na última quinta-feira (8), com o presidente, Léo de Castro, blasfemando: “leva renda e riqueza para o campo”.

A pergunta é: renda e riqueza para quem? Para alguns poucos executivos da multinacional de papel e celulose, certamente. Quantos são esses executivos? Dezenas? Talvez.  Para os políticos – do legislativo, executivo – que se submetem às barganhas milionárias e apoio para suas campanhas eleitorais, também. Quantos? Mais um punhado nessa ordem de grandeza, provavelmente. Para as entidades de classe como a Findes, também, certamente, pois aumenta a já obscena concentração de dinheiro e poder no clube.

Afora isso, pode-se pensar nos parcos ocupantes dos empregos gerados nas fábricas e nas atividades de campo. Empregos cada vez mais escassos, subtraídos a cada nova onda de mecanização e automatização das plantas fabris.

Empregos, porém, que são ínfimos, quando comparados com a progressão geométrica com que podem ser multiplicados no caso de uma modernização radical do projeto econômico forçadamente estagnado no Espírito Santo, baseado em grandes indústrias de semielaborados voltados para a exportação, com baixíssimo valor agregado, que se sustentam em renúncias fiscais impublicáveis – e de fato não são publicizados esses números, mantidos numa caixa-preta governo após governo – e que destroem o solo e as águas por onde passam, expulsando famílias camponesas e quilombolas, ameaçando gravemente a segurança e a soberania alimentar capixaba.

Há dois meses, o Plenário da Assembleia Legislativa aprovou, em regime de urgência, o Projeto de Lei (PL) nº 443/2019, de autoria do Poder Executivo, que modifica a Lei 7.000/2001, que dispõe sobre o Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), introduzindo dispositivos para a transferência de créditos acumulados decorrentes de operações e prestação que destinem ao exterior mercadorias, inclusive produtos primários e industrializados.

Conforme publicado no portal da Ales, o projeto beneficiará a Aracruz Celulose (Fibria/Suzano). “É uma compensação dos créditos para a empresa que já paga ICMS através da Lei Kandir (lei que isenta o pagamento de ICMS sobre as exportações de produtos e serviços). O Estado está fazendo essa compensação para a empresa Fibria. No caso, ela vai fazer outra obra agora com esses créditos compensados”, defendeu o vice-líder do governo, Dary Pagung (PSB).

Canaviais abandonados

Em agosto de 2016, Século Diário publicou matéria sobre o recebimento, pelo Idaf, dos “Estudo e Relatório de Impacto Ambiental (EIA/Rima) da Suzano Papel e Celulose para o licenciamento do plantio de mais cinco mil hectares de eucaliptos em Conceição da Barra, norte do Estado”, no chamado “Bloco IV do projeto de expansão da empresa, localizado nas fazendas São Joaquim da Água Preta e Dourada Una, de propriedade de Ângelo Coutinho”. Provavelmente, trata-se do licenciamento reclamado pela Findes essa semana.

O bloco IV, informou a reportagem, “é apenas um dos projetos de expansão da Suzano Papel e Celulose no Estado submetidos ao Idaf, que juntos representarão o aumento das áreas de plantios em cerca de 11 mil hectares nos próximos anos no norte e extremo norte do Estado”.

Nas redondezas, no município de Montanha, também tramita ação judicial que visa impedir a expansão dos monocultivos de eucalipto. Impetrada pela promotoria local do Ministério Público Estadual (MPES), a ação aduz que o grave déficit hídrico da região mostra a insustentabilidade do projeto da Suzano.

Em seu despacho, o relator da decisão em segunda instância, desembargador substituto Getulio Marcos Pereira Neves, cita o estudo feito pelo MPES mostrando falhas no Estudo e Relatório de Impacto Ambiental (Eia-Rima) apresentados pelas empresas.

“A existência de questões que demandam uma dilação probatória muito mais ampla e baseada em critérios mais concretos, aliada às alegações do MPES que dão conta das falhas no Rima (Relatório de Impacto sobre o Meio Ambiente) apresentado pela Agravante, somado à realidade de escassez hídrica de nosso Estado, mormente em sua região norte, onde se situa o município de Montanha, não deixam dúvida quanto a necessidade de manutenção da cautela empreendida pelo juízo a quo”, argumentou.

Um dos coordenadores do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA) na região, Valmir Noventa acredita que a expansão dos eucaliptos solicitada pela Suzano e Findes deve acontecer sobre canaviais abandonados. Por mais que essa terra esteja degradada, está própria para a silvicultura, explica. “Ela é plana extremamente, não tem destoca (murundus, tocos de árvores e outras irregularidades de relevo). A empresa já tem sua estrutura na região, com viveiros e maquinário”, descreve.

A expansão da monocultura, no entanto, só vai aprofundar os problemas, diz. Ambientais, em primeiro lugar, com agravamento da crise hídrica. E, em segundo plano, os problemas sociais. “Não resolve a questão do emprego. Eucalipto gera menos emprego que a cana”. O intento da fábrica, diz, “é transformar seis por meia dúzia, só que piorado”, ironiza.

Mais empregos

A capacidade de geração de emprego pela Agroecologia é fantasticamente superior ao das fábricas de papel e celulose (e bio-óleo, segunda anuncia a Suzano, sua nova aposta para a região).

Na agricultura camponesa, os números de geração de emprego por hectare são bem variáveis, de acordo com a cultura. Num crescente, o café tem uma capacidade. Propriedades com dois ou três tipos de cultivo – que são a maioria na região norte e noroeste – aumentam um pouco mais essa capacidade. Na horticultura, a geração é ainda maior. 

“De qualquer forma, na agricultura camponesa, uma família que tem cinco hectares de terra, uma família de três membros trabalha em cima o dia todo a semana toda o ano todo e não falta serviço”, expõe Valmir Noventa.

Se transformar em horticultura, essa família gera ainda de dois a cinco empregos por hectare. Ou seja, “um hectare tem capacidade de gerar até oito ou dez empregos”, diz o camponês, citando estudos disponíveis sobre o assunto. “Plantio, colheita, adubação, capina, é tudo manual”, ressalta.

Toda pequena propriedade na região trabalha com pelo menos três tipos de cultura, tendo o café como base: café, pimenta e gado; café, pimenta e coco; café, milho e coco. Além de outras, para consumo doméstico familiar. Quando a família é feirante, porém, ou fornecedora do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), a geração de emprego é ainda maior. E é um trabalho, destaca o coordenador do MPA, “que envolve mulheres, jovens, os mais velhos, todo mundo”.

Além de mais vantajosa econômica e socialmente, e de fortalecer a produção de alimentos saudáveis para as famílias também da cidade – 70% do alimento consumido no Estado e no país vem da agricultura familiar – a agricultura camponesa e agroecológica também recupera os serviços ambientais, como solo fértil, água, clima, biodiversidade.

Mas então, porque o êxodo rural continua acontecendo e os projetos industriais insustentáveis continuam se alastrando como cânceres sobre o território? 

Tripé

Um tripé monstruoso explica a insanidade, impetrada há décadas no Brasil e no Espírito Santo, por governos seguidos: inviabilização econômica do trabalho do pequeno agricultor; invisibilização do campesinato; intimidação dos movimentos sociais do campo.

“São 40 milhões de camponeses no Brasil, mas a sociedade não vê. A pauta do campesinato não é debatida. As pessoas vão no supermercado e não veem o campesinato, não veem que aquele alimento é fruto do trabalho de campesinato”, diz Valmir.

“Com esse tripé, muitos camponeses não resistem e vão embora. Essa já é uma política pra afastar o povo do campo pra abrir espaço pros grandes projetos. Hoje no Brasil está acelerado esse processo. A reforma da previdência vai agravar. Porque mesmo estando fora, na hora de regulamentar vão colocar tantos entraves, que o agricultor vai ter dificuldades, como comprovar o tempo de trabalho”, explica. “É a política do governo. Isso vai fragilizar economicamente não só as famílias, mas os municípios como um todo. Noventa e cinco por cento dos municípios são agrícolas”, diz.

“O agronegócio não tem limite. Se tem uma empresa numa região que produz celulose, em outra soja, ou carvão … A proximidade daquela empresa vai exterminando a agricultura camponesa pra garantir o seu projeto ali. Vai exterminando agricultores e comunidades tradicionais”, relata. “É um quadro desesperador”, admite o camponês. “Exige muita organização, muita luta, das comunidades e do povo”, convoca.

As principais vitórias da Agricultura familiar e Agroecologia estão ligadas à sociedade, discorre, citando a ampliação dos espaços nas feiras livres e o reconhecimento, pela sociedade, da importância da Agroecologia. “Uma parcela da sociedade vem se preocupando com o alimento, com o clima, e procura se identificar com quem minimamente vem fazendo isso no dia a dia. Isso é uma vitória, que dá ao campesinato esperança e fôlego”, vibra Valmir.

Em função, disso, há muitas famílias se re-conhecendo como camponesas, jovens se identificando como camponeses. “Famílias que iam embora, hoje se organizam e optam por ficar na roça, mesmo sem apoio do Estado. Mas precisa de uma política de Estado que possa massificar isso. Se não fica em condições”, roga.

O esforço que se faz premente é hercúleo e exige a adesão da Academia, para levantar os números reais que comparem os benefícios do agronegócio e da agroecologia; dos legisladores, que convoquem audiências públicas e estudos precisos; dos gestores públicos, que exijam dados concretos para as tomadas de decisão; das comunidades rurais, que intensifiquem a auto-organização e mobilização para exigir melhores condições de trabalho e de vida no campo; dos movimentos sociais, que mantenham a resistência; da sociedade civil como um todo, que exija a renovação do projeto econômico arcaico do Espírito Santo, baseado em grandes projetos industriais eivados de passivos econômicos, sociais e ambientais. O esforço é hercúleo, mas, bem orquestrado, irá gerar os resultados necessários.

 

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