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Petrocity mostra impactos ambientais nos territórios de comunidades tradicionais

Contratação de três mil empregados e desmobilização dos mesmos após as obras é um dos 38 impactados previstos

Divulgação

Três mil pessoas devem ser contratadas diretamente para implementar o Terminal de Uso Privativo (TUP) e a Usina Termelétrica Petrocity e, após a conclusão das obras, serão desmobilizadas. A chegada dessa multidão de trabalhadores, majoritariamente homens, pressionará a infraestrutura das comunidades localizadas no entorno das obras, especialmente a saúde. A grande movimentação de serviços de alimentação e hospedagem será seguida de um profundo esvaziamento dessas demandas, podendo deixar ociosos os estabelecimentos que venham a se instalar ou ampliar em função das obras. Haverá redução da disponibilidade hídrica, em função da captação de água subterrânea para o complexo portuário.
Esses são alguns dos 38 impactos ambientais listados no Estudo de Impacto Ambiental (EIA) do projeto Petrocity, cuja apresentação às comunidades tradicionais diretamente afetadas foi feita em audiência pública realizada nesta sexta-feira (28) no centro de São Mateus, no norte do Estado.

Segundo o documento, disponibilizado no site do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) – que em 2020, sob o comando do ministro Ricardo Sales, assumiu o licenciamento que havia sido negado por duas vezes seguidas pelo Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Iema) – “o empreendimento será composto por um acesso rodoviário, uma área portuária com sete berços de atração conectados, por meio de uma ponte de acesso, a um retroporto onde ficarão as estruturas destinadas a armazenamentos, áreas e pátios de estocagem, edificações, áreas de circulação e dispositivos destinados ao tratamento de efluentes e à gestão adequada de resíduos sólidos, assim como as estruturas da UTE”.

A previsão é de que 19 embarcações circulem mensalmente no TUP, que deve ter um canal de acesso com profundidade de 16 metros (acima da média nacional de 13,5 metros). “Estima-se que no quarto ano de operação, o TUP movimente 774.259 TEU [contêiner padrão de 20 pés] de cargas que incluem: rochas ornamentais, produtos agropecuários (café, mamão, coco, macadâmia, pecuária de corte e leiteira), veículos, papel e celulose, etc, facilitando o escoamento das regiões norte e noroeste do Espírito Santo, Zona da Mata mineira, Vale do Rio Doce, Vale do Mucuri, Vale do Jequitinhonha e sul e extremo sul baiano. No décimo ano de operação a estimativa é que haja um volume de carga de 1.067.222 TEU”.

Invisibilidade das comunidades

O EIA cita como três comunidades na Área Diretamente Afetada (ADA): Campo Grande, Urussuquara e Barra Seca, sendo a primeira uma comunidade tradicional de catadores de caranguejos e as demais formada basicamente por pescadores artesanais.

“A comunidade de Urussuquara faz vizinhança com a comunidade do Campo Grande ao norte, cerca de 5 km, e com a comunidade da Barra Seca ao sul, cerca de 4km. Em comum, as três comunidades têm a pesca como atividade tradicional e o turismo como atividade de grande ascensão recente”, descreve.

Há, no entanto, mais meia dúzia de comunidades que serão afetadas pelo empreendimento, conforme entendimento das mesmas, e que não estão analisadas no EIA: Barra Nova Sul, Barra Nova Norte, Nativo, São Miguel, Ferrugem e Sítio da Ponta. “Todas serão diretamente afetadas, porque são comunidades de povos tradicionais que vivem da pesca e vai ser retirado delas a pesca, o lazer, tudo o que traz sustentabilidade para elas. Nós temos o nosso cultural, o nosso social, vivemos desse oceano. Precisamos que a Petrocity não veja só o lado dela”, afirmou a presidente da Associação dos Pescadores, Catadores de Caranguejo, Agricultores, Moradores e Assemelhados de Campo Grande de Barra Nova (Apescama), Kelly Ramalho de Sena, às vésperas da realização da audiência.

A expectativa para o evento, disse, era levar a voz das comunidades para o processo, já que até o momento não houve qualquer diálogo formal com nenhuma delas, sequer os pedidos de condicionantes – mais de 70, protocolados em 2018 junto ao Iema, à Petrocity e ao Ministério Público Federal (MPF) – foram contemplados no licenciamento.

Durante a audiência pública, ela conta que permaneceu a falta de qualquer retorno sobre as demandas, levando a Apescama a renovar o requerimento, entregando o registro do protocolo feito em 2018, com cópia da lista de necessidades sociais, econômicas, ambientais e culturais dos territórios atingidos. Também não houve encaminhamento de qualquer reunião ou audiência pública a ser realizada dentro das comunidades, para que as demandas pudessem ser discutidas previamente. Passados dez anos desde o início do licenciamento, portanto, prevalece a invisibilidade das comunidades onde se pretende instalar o megaempreendimento.

“Não deram nenhum retorno para a gente sobre o nosso pedido de condicionantes, não marcaram nenhuma reunião dentro das comunidades. A única novidade [durante a audiência] foi que pelo menos agora eles mostraram os impactos ambientais, porque antes eles nem assumiam que teriam impactos, falava só que seria tudo lindo”, relata a líder comunitária.

O documento classifica a área com “fragilidade ambiental média”, devido a “integração de algumas características ambientais observadas principalmente no litoral, tais como: fragmentos remanescentes de vegetação de restinga, área de desova de tartarugas marinhas, baixa declividade do relevo, solo com alta permeabilidade e baixa capacidade de retenção de água e áreas prioritárias para a conservação da biodiversidade classificadas como de importância extremamente alta”.

Três mil trabalhadores

Alguns dos impactos que se repetem nas fases de implementação (construção) e de operação (funcionamento do complexo portuário) e que têm grande potencial de modificar drasticamente a realidade das comunidades, relacionam-se à chegada dos três mil trabalhadores. O primeiro é o “aumento da empregabilidade”.

Na fase de implementação, é esperada a geração de três mil empregos diretos, que, segundo o documento, atrairão trabalhadores preferencialmente dos municípios de São Mateus, Jaguaré e Linhares. Na fase de operação, “a estimativa é de que sejam empregados diretamente 267 trabalhadores na operação do TUP e 236 na operação da UTE e FSRU [sigla em inglês para unidade flutuante de armazenamento e regaseificação]. Além disso, o Complexo Administrativo localizado no interior da área do TUP, que contará com 402 salas comerciais, tem potencial para atrair cerca de 2000 pessoas”.

Especificamente na primeira fase, de construção, o EIA elenca a “diminuição da empregabilidade: ao final das obras do empreendimento serão desmobilizados cerca de 3000 colaboradores, número de trabalhadores previsto durante o pico das obras”, sem detalhar, no entanto, as consequências diretas que esse desemprego em massa pode causar.

Outro impacto das obras é chamado de “pressão sob a infraestrutura urbana local”, em que “ainda que seja priorizada a contratação de mão de obra da região, notadamente nos municípios de São Mateus, Jaguaré e Linhares, e não haja previsão para a implantação de alojamentos, tendo em vista a infraestrutura urbana incipiente das comunidades próximas à ADA do empreendimento, é prevista uma pressão sob a infraestrutura urbana local, especialmente, sob os serviços de saúde”.

Impactos sobre a pesca

Em ambas as fase é pontuada a “interferência na atividade pesqueira”. O documento registra que existem três principais faixas de pesca: “a 1ª faixa de até 100 m de distância da costa, onde é realizada principalmente a pesca de subsistência e para pequenas comercializações; a 2ª faixa, de 100 a 500 m da costa, onde ocorre principalmente a captura de camarão, com embarcações de médio e grande porte; e a 3ª faixa, depois dos 500 m da costa, onde ocorre a pesca de peixes de maior porte com embarcações também de grande porte”.

Especificamente na área de construção do empreendimento, pontua, “a pesca ocorre apenas na 3ª faixa. Considerando que foi delimitada uma área de exclusão de pesca de 500 metros (…), haverá interferência na atividade pesqueira devido à restrição do desenvolvimento dessas atividades em uma área total de cerca de 947 hectares”.

Impactos sobre o turismo

No tópico sobre “interferência nas atividades de turismo”, o EIA afirma que, para a construção da retroárea do TUP, está prevista a terraplanagem de 1,5 milhão de metros quadrados, sendo que parte dessa área localizada na faixa de areia da praia”. Dos 14 pontos de acesso à praia mapeados nos 5km ao norte e ao sul da área do empreendimento, seis sofrerão com restrição de acesso, o que equivale a cerca de 2km de praia que, após a implantação do empreendimento, terão acesso restrito.

Água

Sobre a “redução da disponibilidade hídrica”, o documento informa que, “tendo em vista que a localidade de Urussuquara não possui fornecimento de água encanada, é previsto o tratamento de 10 l/s de água proveniente de poço de captação subterrânea, o que contribuirá para a redução da disponibilidade hídrica na região”.

Lista de impactos

Na íntegra, o documento lista, na fase de implantação, são listados os seguintes impactos ambientais: Alterações no comportamento dos cetáceos; Alteração da biota marinha; Alteração da biota estuarina; Alteração da qualidade das águas marinhas; Alteração da qualidade das águas estuarinas; Alteração da qualidade do ar; Alteração da qualidade do solo; Alteração no padrão de distribuição da fauna marinha; Alteração no padrão de distribuição da fauna silvestre terrestre; Atração de fauna sinantrópica; Aumento da empregabilidade; Aumento da população de fauna que habita o substrato consolidado; Aumento de processos erosivos; Aumento do atropelamento de fauna; Aumento do escoamento superficial e carreamento de sólidos; Colisão com cetáceos e quelônios marinhos; Desorientação de quelônios marinhos; Destruição de ninhos de quelônios marinos; Diminuição da empregabilidade; Diminuição da população de fauna bentônica; Dinamização da economia local; Incômodo à vizinhança; Interferência na atividade pesqueira; Interferência nas atividades de turismo; Lesões em quelônios marinhos; Perda de cobertura vegetal; Perda de habitats de fauna silvestre; Pressão sob a infraestrutura urbana local; Redução da disponibilidade hídrica.

Na fase de operação, a maioria se repete, sendo acrescentados, alguns, como: alteração da linha de costa; Aumento da arrecadação tributária (previsão de duplicação da arrecadação do Imposto Sobre Serviços (ISS), de ordem municipal); Aumento da disponibilidade energética no sistema; Introdução de espécies exóticas; e Melhoria no escoamento de produção.

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