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‘Policiais amedrontam comunidades do Sapê do Norte a mando da Suzano’

Quilombolas pedem ajuda para conter tiros, prisões e ameaças efetuadas em seu território tradicional

“Nós estamos sem saber o que fazer. A polícia, que tinha que dar apoio para nós, está dando apoio à empresa [Suzano Papel e Celulose, ex-Fibria, ex-Aracruz Celulose], fazendo o que ela quer, todo dia. Minha mãe mesmo vive trancada dentro de casa com medo dos tiros. A Polícia e a Suzano correndo e atirando nos moradores aqui direto. Estão amedrontando as pessoas, tirando o direito de ida e vida dos quilombolas, dos idosos e das crianças”. 

O pedido de socorro vem de Conceição da Barra, norte do Estado, da comunidade de São Domingos, uma das mais de 30 que integram o território quilombola tradicional do Sapê do Norte, que abrange também o município de São Mateus. O relato é de Maria Florentino, filha de Mestre Berto Florentino, liderança quilombola da região e regente do Ticumbi de Conceição da Barra, uma das manifestações folclóricas mais emblemáticas do Espírito Santo. 

“Os alunos estão indo para o colégio amedrontado. Pessoal que pega ônibus para Braço do Rio [comunidade na divisa com a Bahia] e [sede de] Conceição da Barra para estudar está com medo. Vigilantes da Suzano andam por aqui atirando, polícia também atirando, a mando da Suzano. Polícia Militar, Polícia Civil, até Polícia Federal a gente já viu”, conta.

Redes sociais

A violência cometida contra os quilombolas dentro de seu próprio território tradicional se assemelha à que é vivida pelo povo negro que, expulso pelo agronegócio a partir da década de 1960, se instalou nas periferias das cidades, criando espécies de quilombos urbanos, como o Território do Bem, em Vitória, onde muitos moradores já reconhecem suas raízes ancestrais nas comunidades rurais. 

A diferença é que, no Sapê do Norte, o racismo estrutural da sociedade e institucional do Estado encontram no agronegócio das monoculturas de eucalipto a principal motivação das ameaças, acusações, prisões, autuações e tiroteios. 

“A Suzano mesmo doa para gente as pontas e os galhos de eucalipto, o resíduo do eucalipto. Entrega um papel dizendo da doação. Mas quando os caminhões começam a sair, a polícia pede o documento e fala que essa nota da Suzano é fria, não vale nada. E prende os donos do caminhão, recolhe a madeira, prende o caminhão”, descreve. 

As principais vítimas da atual onda de agressões, reafirma Maria, são as crianças, jovens e idosos. “Os alunos ficam com medo de levar tiro. Polícia no nosso território é uma coisa muito boa, mas quando ela passa informação para a comunidade do que está fazendo. Mas aqui ela parece que está perseguindo bandido, seguindo a ordem da Suzano, e não protegendo a população. Se pegar alguém com aqueles pau podre [resíduos de eucalipto], ela prende. A mando da Suzano”, lamenta. 

Nota fiscal

Essa verdadeira perseguição aos trabalhadores que se dedicam à coleta dos resíduos de eucalipto para produção de carvão e outros produtos fabricados por empresas da região é antiga. O último acirramento importante ocorreu em janeiro deste ano, quando, revoltados, alguns quilombolas organizaram uma manifestação na BR-101 , em frente a uma unidade da Suzano, interrompendo o trânsito dos ônibus com os empregados e prestadores de serviço da papeleira. 

Após alguns dias de muito tumulto, foi prometida uma reunião com a equipe jurídica da empresa para encontrar uma solução sobre a ilegalidade forjada da atividade de coleta, uso e venda dos galhos de eucalipto. Desde então, a comunidade conseguiu apoio de um escritório de advocacia que, voluntariamente, ajuda na regularização das mais de vinte associações de catadores de resíduos que atuam no Sapê do Norte. 

“A Associação que vai emitir a nota fiscal, registrando a entrada das doações de madeira pela Suzano”, explica Altiane Brandino dos Santos, o S. Pipi, presidente de uma das associações e liderança local. 

“Se a Suzano quisesse, podia dar uma nota de doação, mas nem isso eles fazem. Ela entrega um papel pra gente que não vale nada em lugar nenhum. Quando a polícia para um caminhão na pista, a gente é preso, coloca na ocorrência como roubo de madeira”, reforça a denúncia. “Ontem [quinta, 10] mesmo, prenderam motosserra na carvoeira, fizeram escarcéu aqui. Quem vai enfrentar a Polícia? Nunca tem diálogo com nós. Tratam a gente sempre como um grupo de bandidos. E não é verdade”, brada S. Pipi.

Redes sociais

O tratamento racista é tão habitual e violento que, alguns jovens acabam se revoltando e querendo responder na mesma moeda, conta o líder quilombola. Nesse momento, alguns rapazes da comunidade estão foragidos, depois de terem feito uso indevido de carro da empresa de segurança que presta serviço para a Suzano e outras ações irregulares. 
“Eles estão errados? Estão, não vamos dizer que não. Eles ficaram revoltados e fizeram coisa errada, sim”, reconhece, desaprovando, no entanto, a forma como a polícia tem feito a busca pelos jovens. “Eles ficam de casa em casa querendo saber, ameaçando as famílias, ficam no meio de criança dando tiro, gente correndo no meio do carvoeiro gritando com medo. Está correto querer prender os meninos, mas não precisa humilhar quem não tem nada a ver. Não pode colocar o terror na comunidade assim. Isso é uma afronta à nossa dignidade”.

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