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‘Controle social e compromisso dos gestores são as perspectivas’

Delegação capixaba na Conferência Nacional de Saúde levou visibilidade aos corpos e vozes dos vulnerabilizados

“O que esperamos na pós-conferência é que seja levado a sério esse trabalho árduo em que os segmentos e movimentos sociais se uniram nesse esforço e que os nossos secretários de saúde e representantes governamentais, nosso legislativo e executivo, realmente assumam o papel de entregar um SUS [Sistema Único de Saúde] digno, que atenda a todas as pessoas, trazendo qualidade de vida e dignidade”. A afirmação é Suzana Lima, uma das 133 pessoas com deficiência (PCD) que participaram da 17ª Conferência Nacional de Saúde, realizada em Brasília na última semana, de 2 a 5 de julho, e uma das integrantes da delegação capixaba nesse grande evento democrático e de protagonismo social.

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“Regredir não combina com o atual cenário político. Depois da eleição, quantas coisas têm mudado! Diálogo, participação! A nossa grande luta nesse cenário atual é incluir as pessoas com deficiência em todos os serviços. Que todos os segmentos sejam contemplados em todos os programas e políticas públicas de saúde, tendo suas necessidades diversas atendidas”, reafirma.

Militante dos direitos das pessoas com deficiência e presença recorrente em eventos que tratam da temática no Espírito Santo, Suzana Lima tem uma doença rara, a osteogênese imperfeita e, ao lado da irmã, Suely Lima, em muitos momentos, levanta a bandeira da inclusão plena nas políticas públicas e nos mais variados espaços das cidades. Nessa 17ª edição da Conferência Nacional, ela acredita ter sido a primeira vez – na história ou pelo menos em muitos anos – que uma PCD capixaba conseguiu espaço e voz para defender as bandeiras desse segmento da sociedade, um dos mais invisibilizados, mesmo em serviços essenciais como os de saúde.

“Tive oportunidade de falar numa plenária, defender, aprovar e desaprovar propostas. As pessoas tiveram que o tempo todo entender a nossa presença na conferência, abrindo caminho, ouvindo a nossa voz. Muitos nunca estiveram tão perto de uma PCD, dividindo espaço e voz. Não fosse essa participação, talvez essa nomenclatura, PCD, passaria diluída nas propostas. Conseguimos tirar as pessoas com deficiência das ‘reticências’, do ‘e outros’. Esse ‘e outros’ suprime muitos grupos que já têm pouca visibilidade. Quarta-feira [5] retornamos e chegamos no Espírito Santo com a sensação de dever cumprido e a alma lavada mesmo. Saímos daqui com essa intenção de fortalecer o reconhecimento das pessoas com deficiências e realmente conseguimos alcançar esse objetivo de levar para o Brasil essa realidade. Foram quatro dias extremamente intensos”, relata.

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Suzana conta que a intensidade daqueles dias também se refletiu na diversidade de segmentos representados, e que marcaram de fato presença nos resultados finais da Conferência, cujas propostas serão incluídas no Plano Plurianual (PPA) 2024-2026.

“Os usuários [do SUS] eram a maior parte dos participantes, mais do que trabalhadores e gestores. A mesa era composta basicamente por trabalhadores e gestores, mas nos momentos de fala, os usuários conseguiram descrever o atual cenário da saúde pública do Brasil, se sentiram todos de alma lavada. Não nos sentimos acuados, realmente colocamos para fora a aflição de esperar uma fila, de não ser atendido, de sofrer negligências … e tudo dito diante dos gestores, de tantas pessoas que estavam ali que já deviam estar fazendo esse trabalho com muito mais responsabilidade. Ver gestores que aprovam e aplicam políticas públicas verem pessoas reais falando, reivindicando … Essa conectividade foi extraordinária! Valorizou muito a 17ª Conferência”, avalia.

E de que representatividades estamos falando? “Todas que a gente puder imaginar: doenças, raras, vítimas de violências, crianças, adolescentes, juventude, pessoas que vivem com HIV, pessoas em situação de rua, pescadores, quilombolas, indígenas …”, elenca.

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Controle social

Depois de tanta beleza e riqueza de encontros e definições, Suzana vislumbra um pós-conferência, nos próximos quatro anos, de muito controle social, para que as propostas aprovadas sejam efetivamente colocadas em práticas, refletindo em melhoria da qualidade de vida da população.

“Uma das perspectivas do pós-conferência é o controle social. Durante a Conferência, essa necessidade de cobrar foi enfatizada. É preciso usar as ouvidorias. Quando um usuário se sentir lesado, é necessário, imprescindível, fazer uso das ouvidorias. Esses registros orientam os gestores a dimensionar as necessidades. E não só. O controle social envolve se reunir com os conselhos de saúde, estar presentes nas comissões de saúde, nas casas de leis, nas audiências públicas … É preciso abrir espaços de fala para que a população possa participar, ajudar a construir as soluções”.

A demora para marcar ou receber o resultado de um exame, por exemplo, deve ser sim motivo de denúncia e reclamação oficializada nos canais disponíveis. “Se eu, como usuária, tiver que aguardar oito meses por um exame e, quando ele chega, já passou o tempo de fazer os outros complementos, isso diminui meu tempo de vida, porque pode ser que eu esteja com algo e esse algo se agrave nesse período!”, exemplifica.

“É muito desgastante ver pessoas sendo prejudicas o tempo todo porque não têm o conhecimento dos seus direitos. Eu trabalhei cinco anos na saúde, no Crefes [Centro de Referência em Reabilitação Física do Espírito Santo] e eu sei o que é uma sociedade sem conhecimento. Sei o que é uma pessoa que sai lá de Brejetuba, ou de São Mateus, ou São José do Calçado, sai de madrugada para uma consulta na capital e chega lá, porque faltou um documento, ela é impedida de ser consultada. Precisa haver humanização no atendimento. Quando se fala de tratamento humanizado, isso requer uma equipe sensível, que entenda as pessoas. Eu não ignoro o que os trabalhadores passam, muita gente adoecendo devido à carga de trabalho, é muito desgastante para o usuário e também para o trabalhador. A gente espera que as pessoas responsáveis pelas políticas públicas se comprometam e ajudem os brasileiros a terem uma vida com menos dificuldades”.

Uma sugestão, pontua, são os painéis para acompanhamento público. “Políticas públicas têm que integrar um painel interativo para que a sociedade acompanhe os resultados, para onde está indo o orçamento. A sociedade tem que exercer o dever de fiscalização, de cobrar. Nós, usuários, temos dois deveres: ajudar a planejar e fiscalizar. Os gestores não estimulam essa participação porque sabem o poder da sociedade quando ela fiscaliza. Mas isso tem que mudar. A gente gostaria de muito que os governantes abrissem espaço para a população opinar, que eles quisessem ter um parecer da população sobre como estão os serviços, o que pode melhorar”.

Mães de PCDs

Outra integrante da delegação capixaba foi Marlucia de Moraes, mãe de uma criança com Transtorno do Espectro Autista (TEA). Sua participação também trouxe um ineditismo, em sua avaliação, que foi a possibilidade de ter o amparo do Estado para levar sua filha com deficiência. “Acho que é a primeira vez que uma mãe consegue levar sua filha com deficiência para participar de uma conferência”, conta.

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Marlucia explica que só conseguiu participar da Conferência Estadual de Saúde, em maio, em Aracruz, norte do Estado, porque a Secretaria de Estado da Saúde (Sesa) cobriu todas as despesas com transporte, hospedagem e alimentação de suas duas filhas, uma delas com TEA, e de uma acompanhante que cuidou das duas enquanto ela participava das atividades. Na Nacional, as despesas foram garantidas para as duas filhas, sendo que a mais velha, de 14 anos, ficou na função de cuidar da mais nova, de nove, que tem TEA. “O ideal é que a gente sempre consiga essa autorização naturalmente, sem precisar lutar tanto para conseguir, como foi o meu caso”.

Nas conferências, Marlucia procurou defender pautas como maior acesso às consultas, terapias e medicamentos necessários ao desenvolvimento das crianças e adolescentes com TEA. “As terapias a minha filha não faz, porque não conseguimos vaga ainda. Medicamento de alto custo, o SUS não libera ainda, precisam entrar no rol da Farmácia Popular”.

Avanços e estagnações

Coordenadora-geral do Coletivo Mães Eficientes Somos Nós (MESN), Lucia Mara Martins conta que a participação de Marlucia nas duas conferências exigiu tratativas exaustivas junto à Sesa e à organização da Conferência Estadual. “Conseguimos através do diálogo direito com a Sesa devido às lutas que estamos fazendo desde fevereiro de 2022, quando encerramos o acampamento no Palácio Anchieta e o governador nos recebeu e se comprometeu a se reunir conosco todo os meses para atender nossas pautas”.

O Coletivo, explica, ajuda a todas as mães de filhos com deficiência que pedem ajuda, como foi o caso de Marlucia, que já foi militante do MESN. Independentemente de um vínculo formal com o Coletivo, sempre busca auxiliar quem pede ajuda. Nesse um ano e meio de reuniões periódicas com Renato Casagrande (PSSB) e os secretários de Saúde e Educação, alguns avanços foram obtidos. Especificamente na saúde, Lucia destaca o aumento no número de vagas para atendimentos nos dois hospitais infantis da Grande Vitória, o Himaba, em Vila Velha, e o Nossa Senhora da Glória, na Praia do Canto, e a melhora no serviço de marcação de consultas. “Não precisa dormir na fila para remarcar consulta. A telemedicina está funcionando bem no Espírito Santo e está garantindo acesso de muitas famílias. Mas ainda tem represamento, muita gente sem consulta, vai levar um tempo até conseguir atender a toda essa demanda reprimida, de anos de descaso”, avalia.

Entre os “muitos gargalos” que ainda existem, a coordenadora destaca o atendimento a PCDs adultas. “A partir do momento que completa 18 anos, as PCDs ficam esquecidas. Ainda falta muita coisa para acontecer. Ainda faltam profissionais na rede pública, não existe concurso público há muito tempo. Precisa de psiquiatra, neuropediatra, Terapia Ocupacional”, aponta.

240 diretrizes e 1.190 propostas

Conforme registrou a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), a 17ª Conferência Nacional de Saúde reuniu mais de quatro mil pessoas delegadas, que aprovaram 240 diretrizes e 1.190 propostas elaboradas anteriormente em conferências municipais, estaduais e conferências livres realizadas em todo o país. A diretriz, explica a Fundação, indica um caminho e uma ideia mais abrangente, enquanto a proposta detalha algum aspecto da diretriz e pode ser entendida como uma meta.

Augusto Coelho/Fiocruz

O tema desta edição foi “Garantir direitos e defender o SUS, a vida e a democracia – Amanhã vai ser outro dia”, que foi subdividido em quatro eixos temáticos: O Brasil que temos, o Brasil que queremos; O papel do controle social e dos movimentos sociais para salvar vidas; Garantir direitos e defender o SUS, a vida e a democracia; e Amanhã vai ser outro dia para todas as pessoas. Além dos delegados, quase duas mil pessoas se somaram às atividades, totalizando um público de 5,8 mil pessoas que participaram intensamente desta edição, “já considerada histórica da CNS”, sublinha a Fiocruz.

“A plenária aprovou propostas relacionadas ao fortalecimento da educação para pessoas idosas, saúde de gestantes e, em uma das decisões mais comemoradas, aprovou a diretriz 670, que aponta para a legalização da maconha e do aborto. Por outro lado, foram rejeitados pela plenária, acréscimos de participação no Sistema único de Saúde do terceiro setor e de organizações sociais, vistas como formas de privatização do SUS”, ressalta a Fiocruz.

“O Conselho Nacional de Saúde destacou que também entrarão no relatório final a ampliação de serviços de homeopatia nos diversos níveis de atenção do SUS, a construção da Política Nacional de Cuidados Paliativos para o SUS e a adoção de uma política de combate à desinformação e regulação de tecnologias de inteligência artificial”, complementa.

Entre as diretrizes aprovadas, estão a promoção de ações para o reforço da implementação dos princípios que regem o SUS; a efetivação da Política Nacional de Saúde Integral da População Negra (PNSIPN), criada em 2006; o fortalecimento da Vigilância em Saúde; garantia do direito à saúde da população idosa, da população de rua e da LGBTQIA+; e a criação de uma Política Nacional de Comunicação do SUS.

Agora, após discutidas, votadas e aprovadas, as diretrizes e propostas oriundas de um longo processo democrático nos municípios, estados e conferências livres, deverão ser contempladas no próximo ciclo de planejamento da União, servindo de subsídio para a elaboração do Plano Nacional de Saúde e Plano Plurianual de 2024-2027.

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