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Economia solidária gera renda para pessoas com transtornos mentais

Nos dias 11 e 12, Assembleia recebe feira com atrações culturais e produtos feitos por usuários de serviços de saúde mental

Entre outras questões, o acesso a trabalho e renda é um dos grandes desafios para pessoas atendidas pelos serviços de saúde mental. Nesse sentido, um passo que vem sendo visto como importante por trabalhadores e usuários desse serviços no Estado é a realização da I Feira Economia Solidária e Saúde Mental do Espírito Santo, que ocorre nos próximos dias 10 e 11 de dezembro, sexta-feira e sábado, na Assembleia Legislativa.

Lá estarão presentes iniciativas de economia solidária de onze Centro de Atenção Psicossocial (Caps), cujos produtos estarão expostos para venda junto com uma programação cultural também organizada a partir desses espaços, com oficinas, lançamentos de livros, shows e outras atividades, como debate sobre as conferências de saúde mental que vêm acontecendo (veja a programação ao final da matéria).

Alguns dos diversos produtos da economia solidária produzidos nos Caps. Foto: Divulgação

“Há muito preconceito, estigma, eles têm dificuldades de voltar ou ter acesso ao mercado de trabalho formal. Dentro da política de saúde mental, está previsto que os Caps trabalhem o acesso ao mercado de trabalho e a geração de renda por meio da economia solidária, que difere da lógica capitalista do lucro e prevalece o cooperativismo, o trabalho coletivo, justo, sem exploração”, diz Adriana Zoppi, coordenadora do Caps Cidade, que funciona no prédio do Centro de Referência em Especialidades (CRE) Metropolitano, em Cariacica.

Ali são realizadas diversas oficinas e atividades relacionadas com pintura, bijuterias, costura, além de haver um bazar para comercialização. Usuários do Caps desenvolvem os trabalho ali mesmo durante as oficinas e no dia a dia, e parte deles realizam suas atividades em suas casas.

“A mídia muitas vezes coloca quem tem um transtorno mental como uma pessoa que faz mal para a sociedade, mas a maioria de nós somos pessoas que sustentam famílias, têm vida, estudam, trabalham, mas que têm certas limitações por conta da doença e precisam de acolhimento da sociedade para reinserção”, diz Sunamita Gomes Ferreira Faustino, usuária dos serviços do Caps Cidade, que é viúva e sustenta três filhos com o que recebe do Bolsa Família e das vendas dos produtos de economia solidária. Ela chegou a buscar auxílio-doença, mas este foi negado. “Para o INSS eu estou boa para trabalhar, mas para o mercado de trabalho, não”, destaca sobre o limbo laboral, que encontra na economia solidária uma possibilidade.

Macramê realizado por usuários de Caps. Divulgação

A partir do Caps, ela produz artesanato, pintura, costura e bijuteria. As vendas se dão nos bazares no próprio Caps e CRE, em feiras como a Arte Santo, na lojinha colaborativa do Terminal de Campo Grande, e também pela internet, por meio de Facebook, Instagram e WhatsApp. “Às vezes consigo tirar uma renda boa, às vezes não. Depende do quanto eu trabalho, às vezes não estou bem, mas tem outras pessoas que produzem e fazem o grupo funcionar”, conta. O grupo chegou a ter cerca de 20 pessoas usuárias produzindo antes da pandemia, mas diminuiu desde então.

Sunamita também escreve e fala com orgulho de sua participação no livro de autoria coletiva de quatro usuários do Caps que será lançado no ano que vem com apoio da Lei João Bananeira, programa de incentivo cultural de Cariacica. Mas a situação nem sempre é boa. Foi um texto-desabafo de Sulamita no último 18 de maio, Dia Nacional da Luta Antimanicomial, que de certa forma impulsionou o que vem a ser hoje a I Feira Economia Solidária e Saúde Mental do Espírito Santo.

“A insegurança de não conseguir sustentar minha família me deixa sem sono, sem chão. Exaurida da vida”, dizia o texto divulgado quando as oficinas e atividades de economia solidária estavam paralisadas por conta da pandemia. “Essas atividades me tiravam da estagnação e afastava o pânico em relação ao futuro (sic) além de me manter focada, afastando as vozes e ruídos indesejáveis”, desabafava. O texto ecoou e provocou a mobilização de projetos de pesquisa e extensão da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes).

Busca por fortalecer o associativismo

Foi então realizado um curso de formação online em parceria entre grupos universitários para capacitação de usuários, familiares e profissionais do serviços de saúde mental. “A ideia do curso era falar sobre as possibilidade de associativismo na área de saúde mental, relacionadas com uma lei de 2001 que já previa como um dos princípios da reabilitação social o a geração de trabalho e renda a partir da economia solidária”, diz Fabíola Leal, professora de Serviço Social da Ufes e coordenadora do Grupo Fênix, um dos envolvidos na realização do curso. Ela explica que há várias experiências no Brasil de criação de associações do tipo para fomentar e potencializar as iniciativas, mas o Espírito Santo ainda não possui uma.

A feira é, então, ao mesmo tempo um desenrolar do curso realizado e um passo mais para articulação das iniciativas existentes para pensar a possibilidade de fazer esse movimento crescer de forma conjunta. Mas Fabíola destaca que não é uma feira apenas para usuários e pessoas próximas do serviço, pelo contrário, o desafio é justamente chegar a novos públicos, fazendo com que a rede seja menos dependente dos Caps para escoar e vender seus produtos.

Oficinas e cursos contribuem para formação em torno da economia solidária. Foto: Divulgação

“Prevemos para 2022 fomentar uma incubadora de economia solidária como projeto de extensão universitária para prestar assessoria para criar uma associação de usuários e familiares”, afirma a professora, que entende a geração de renda como fundamental para o processo de reabilitação e garantia de direitos. “A gente quer cidadania plena para que esses sujeitos possam estar em liberdade. É uma perspectiva totalmente contrária à dos manicômios”.

Sunamita é uma que vê com bons olhos a possibilidade de fortalecer o associativismo nos projetos, que hoje funcionam de maneira mais informal. Com a criação de uma associação, ela vislumbra a possibilidade de inserir trabalho com produtos alimentícios e de limpeza e higiene. Também fala da necessidade de leis municipais e estaduais para proteger e apoiar esses trabalhos, para que a formalização seja inclusiva e não exclua pessoas, já que algumas possuem dificuldades de participar por poderem perder alguns benefícios a que têm direito. “O caminho é esse. A economia solidária é muito legal para trabalhar e mostrar que somos seres humanos como qualquer outro. Temos desejos e queremos uma sociedade melhor para todos”.

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