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Dos Corsos aos Blocos de Rua, Carnaval de Vitória se perpetua no tempo

Dentro dos preparativos de carnaval do bloco Pela Dona's do Centro, um debate ajudou a lembrar um pouco da memória dos festejos da Capital, mostrando um panorama da trajetória desde o início do século aos dias de hoje, quando o carnaval do Centro vem ganhando forte impulso, especialmente nas últimas duas edições, quando reuniu grandes multidões.

Stael Magesck, uma das organizadora do Pela Dona's e coordenadora do centro cultural que recebeu o debate, lembra que na verdade o Carnaval de Vitória nunca morreu, embora tenha vivido momentos de mais ou menos mobilização de pessoas. Ela destaca, porém, que o movimento dos últimos anos faz com que a festa em Vitória passasse a ser um destino de muitas pessoas e não apenas “falta de opção” de quem não podia ir a outro lugar, a ponto da rede de hotéis da cidade já estar praticamente lotada para a data da festa popular.

Relembrando a história, a produtora cultural Veronica Gomes lembrou dos Corsos Carnavalescos que marcavam os desfiles até o início do século 20, como um verdadeiro espetáculo artístico pelas ruas que era acompanhado pelo povo, trazendo a sátira e os personagens clássicos da Commedia dell'Arte, como Pierrot, Arlequim e Colombina. Começaram a ser feitas pelos donos de fazenda, ricos, que desfilavam em charretes, numa manifestação com moldes burgueses, luxuosa para mostrar ao povo.

Entre 2007 e 2015, o Corsos Carnavalescos voltaram a acontecer a partir da organização de diversos artistas capixabas, mas por dificuldades de recursos, sobretudo para o aluguel dos carros antigos que fazem parte do desfile, deixaram de acontecer. Mas, boa notícia: devem voltar no ano que vem na Capital! A banda do Corso inclusive está ativa e tocará na abertura do Carnaval 2020. Stael lembra que o desfile é diferente dos blocos ou das escolas de samba, pois traz ao mesmo tempo que uma maior proximidade do público e uma força cênica, com interpretação e performance dos participantes.

Historicamente, essa tradição dos Corsos Carnavalescos acabou perdendo espaço a partir dos anos 30 com os desfiles das Batucadas, que traziam uma percussão com uma cadência ainda diferente da que surgiria com as escolas de samba, a primeira delas, Unidos da Piedade, fundada em 1955. Nas Batucadas, ficou famosa nos morros ao redor do Centro, a rivalidade entre o Chapéu do Lado e a Mocidade da Fonte Grande. 

As Batucadas aos poucos deram lugar às escolas de samba. Uma das presenças marcantes na história foi a Lira do Moscoso, que teve sua história contada no debate por Lacy Ramos. Médico, ele se envolveu profundamente com o carnaval. Embora tenha desfilado por poucos anos, do final dos anos 80 para início dos anos 90, a Lira do Moscoso era querida e costumava surpreender no carnaval. Chamou atenção pelo fato de homens saírem vestidos de baianas. Com profundo respeito, ele diz, homenageavam a Tia Ciata e outras baianas pioneiras do início do samba no Rio de Janeiro. O então prefeito Hermes Laranja chegou a desfilar na ala.

Foi Hermes quem inaugurou o Sambão do Povo, em 1987, mesmo que ainda inacabado. O local, em Mário Cypreste, recebeu o desfile das escolas de samba até 1992, quando estes foram paralisados. Os desfiles das escolas de samba só voltariam em 1998, acontecendo até 2001 na Avenida Princesa Isabel, sem caráter competitivo. Foi um duro baque para o carnaval, que se era considerado por muitos o terceiro melhor do Brasil.

Muitas escolas de samba não resistiram aos tempos de paralisação e encerraram atividades. Outras seguiram ativas, embora sem realizar os desfiles tradicionais. O Sambão do Povo volta a abrigar as escolas de samba em formato competitivo em 2002, dando novo fôlego e retomando a força junto ao público e algum destaque a nível nacional. Mais recentemente, surgiram novas escolas e outras antigas voltaram às atividades, como a Mocidade da Praia, que havia sido campeã tanto no desfile das Batucadas como no das Escolas de Samba.

As escolas de samba acabaram ocupando os fim de semana anterior ao Carnaval. Muitos assistiam aos desfiles, mas não permaneciam na cidade para a data festiva oficial. Diversos blocos de ruas, dos mais novos aos mais tradicionais, também preferiam desfilar antes o depois do feriado carnavalesco. 

Porém, essa realidade começou a mudar nos últimos anos, tendo como um dos expoentes o Regional da Nair, hoje maior bloco da capital, tendo atraído cerca de 20 mil pessoas no ano passado. O grupo tem 12 anos de existência, mas começou a sair como bloco em 2011, criando também em paralelo o Regionalzinho, projeto infantil.

Em 2014, o bloco que já mobilizava muitos foliões decide sair na data do Carnaval, com a ideia de conectar pessoas, trazê-las para o Centro e segurar as pessoas no Carnaval de Vitória, como explica Lourenço Ramos, um dos produtores do grupo. Nesse momento, considera, já havia grupos e espaços culturais que tornavam o bairro um local acolhedor e importante para a cultura, o que contribuiu para todo esse processo que culminou no grande sucesso de público do ano passado, que pode ser superado em 2020.

Algumas mudanças acabaram sendo necessárias, como o deslocamento dos grandes blocos para desfilar nas avenidas, já que o miolo do Centro Histórico sofreria um impacto muito grande por conta de trio elétricos e grande fluxo de pessoas.

Outro fator importante iniciado em 2019 foi a consolidação do Blocão, uma espécie de liga dos blocos que saem no carnaval do Centro, reunindo um total de 16 deles. A partir desse ano, passaram a ter um papel importante de dialogar e levar demandas para o poder público, que antes definia os detalhes do carnaval de maneira menos participativa. Embora haja mais blocos em outros bairros e com demandas distintas que ainda precisam de representação, o Blocão parece representar um avanço importante para contrapor a visão limitada que a burocracia do Estado costuma ter sobre as festas populares.

Nem no Centro nem nos outros bairros, a realização do Carnaval, ainda mais com seu crescimento nos últimos anos, é uma unanimidade. Há um impacto real na vida dos moradores, problemas de segurança, barulho, falta de banheiros, entre outros, que precisam ser bem avaliados e planejados. 

Os ataques velados como do vereador Davi Esmael (PSB), que propôs extinguir o financiamento público de atividades e a sugestão de que blocos pudessem ser deslocados dos bairros e seus desfiles confinados ao Sambão do Povo, matando sua característica comunitária, mostram que a disputa política em torno da festa é mais do que real.

Há quem simplesmente se oponha ao Carnaval, que não gosta ou se incomoda com a festa por diversos motivos. Parte da mídia também costuma dar especial atenção às reclamações deste grupo e visibilidade para possíveis falhas e problemas, como brigas, mesmo que isoladas, considera Maria Teresa Campos, dos blocos Esquerda Festiva e Maluco Beleza, que integram o Blocão.

Paulo Gois, integrante do Bloco da Onça, também membro do Blocão, considera que isso faz parte de uma disputa política, de projetos de cidade. Se queremos uma cidade com as ruas ocupadas, criatividade e festas populares ou uma cidade no sentido contrário, no império da ordem e do silêncio.

No Bar da Zilda, ponto de ensaio, saída, parada e partida de blocos, algumas letras permanecem nas paredes remanescente de um evento há alguns meses: “Disputar a cultura. Disputar a cidade”.

 

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