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Liberação de ‘testes represados’ indica que saúde do ES pode colapsar em poucos dias

Na periferia da Grande Vitória, muitos bairros se viram com quase 20 novos casos de um dia para o outro

Helio Filho/Secom

Os 802 casos confirmados nessa quarta-feira (21) foram mais do que o maior recorde registrado até o momento na pandemia provocada pelo novo coronavírus no Espírito Santo. Mostraram que o sistema de saúde capixaba pode colapsar em poucos dias, caso medidas mais firmes de distanciamento social não sejam tomadas. 

Publicados à noite no Painel Covid-19, os dados começaram a ser melhor analisados nesta quinta-feira (21) pelo Núcleo Interinstitucional de Estudos Epidemiológicos (NIEE), que subsidia tecnicamente a Sala de Situação de Emergência em Saúde do governo do Estado, formado por especialistas da Secretaria de Estado de Saúde (Sesa), Corpo de Bombeiro da Militar (CBMES), Laboratório de Epidemiologia da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) e Instituto Jones dos Santos Neves (IJSN), que o coordena.

O que chamou muita atenção dos técnicos é que dos 802 casos confirmados, mais da metade se referia a testes feitos há até dez dias passados, sendo 347 deles resultados de pacientes testados nos dias 10 e 11. Todos eles, ressalta-se, são testes de pessoas que integram o grupo de risco identificado pela Sesa, que correspondem a 84% dos pacientes que necessitam de Unidade de Terapia Intensiva (UTI): possuem mais de 45 anos e ao menos uma comorbidade.

Com esse grande atraso na entrega dos resultados laboratoriais, todo o planejamento do Estado em relação à flexibilização de atividades econômicas e disponibilização de leitos de enfermaria e UTI muda sensivelmente.

“Soubemos apenas ontem [quarta] o que aconteceu na semana passada e o impacto vai ser sentido na próxima semana”, alerta a epidemiologista Ethel Maciel, professora da Ufes e integrante do NIEE, referindo-se ao tempo de até quatorze dias em que os pacientes ou recebem alta ou têm agravamento da doença, necessitando de internação hospitalar.

Essas pessoas testadas nos últimos dez dias, explica, estavam com sintomas gripais e foram orientadas pelos profissionais de saúde a tomarem medicamentos e se isolarem em casa, para evitar possíveis transmissão do vírus. No entanto, sem receber o resultado dos exames há tanto tempo e possivelmente com melhoras nos sintomas, devido aos medicamentos, podem não ter sido disciplinadas nessa orientação de isolamento domiciliar, ou podem mesmo não podido se isolar, por terem sido chamadas ao trabalho pelos patrões ou por necessidade própria. Assim, provavelmente transmitiram o vírus de forma preocupante, sem saber, durante todo esse tempo. 
Mais vulneráveis

O que é ainda mais grave, ressalta a epidemiologista Ethel Maciel, é que esse aumento substancial dos casos confirmados ocorre, principalmente, nas periferias da Grande Vitória, em bairros mais vulneráveis, onde não há boas condição de isolamento e “onde nossas orientações de isolamento e distanciamento não têm condições de se efetivar”, sublinha.

Como exemplo, ela cita os bairros em que mais cresceu a quantidade de casos confirmados a partir da liberação dos testes represados, havendo locais onde, de um dia pro outro, foram descobertos quase 20 casos a mais, escondidos na demora na liberação dos resultados dos testes.

Na Serra, por exemplo, José de Anchieta tinha três casos até o dia seis de maio. Nessa quarta-feira (20) descobriu-se mais 19, chegando a 22 no total. Nova Carapina I tinha dois e agora tem 20. Novo Horizonte saltou de um para 17.

Em Vitória, São Pedro passou de um para 14; o Bairro da Penha, de dois para 13; e Jesus de Nazareth e Gurigica, saltaram de um para seis cada.

Em Viana, Areinha saiu de um para nove. Em Cariacica, Nova Canaã tinha um e agora sabe-se de nove; e Campina Grande saiu de dois para dez.

Destacam-se também bairros que não tinha casos confirmados até o dia seis de maio e que passaram a ter muitos, repentinamente. Na Serra, a Enseada de Jacaraípe confirmou seis; Nova Zelândia e Maringá, quatro; e Parque Residencial Mestre Álvaro, três.

Em Vitória, a Vila Rubim confirmou seis, Estrelinha confirmou cinco e Santa Helena, três.

O pior cenário possível

“Estamos caminhando de forma perigosa pra um colapso do sistema de saúde. O alerta vermelho foi aceso. A situação é muito delicada e exige medidas de contenção da interação e de proteção maior para essas populações”, assevera a epidemiologista.

“A atualização dos dados desses últimos dez dias, frente às projeções feitas pelo NIEE, mostra que, ao contrário do que se pensava, o Estado caminha para o pior cenário projetado”, afirma Fabiano Petronetto, professor no Departamento de Matemática da Ufes e também membro do Núcleo.

“Estamos muito preocupados com esse atraso na liberação dos resultados. Temos plena convicção de que se nada for feito, devemos entrar numa situação de colapso na próxima semana”, assevera Etereldes Gonçalves Junior, também matemático da Ufes e integrante do NIEE.

Os especialistas, explica Fabiano, têm elaborado semanalmente, nas últimas três semanas, projeções que preveem três cenários, classificados de acordo com o possível número de pessoas contaminadas até o final de maio: um mais ameno, um mediano e outro mais grave.

Como houve uma redução do número diário de testes positivos entre os dias seis e 14 de maio, a curva de contaminação passou a subir mais devagar, levando a equipe a ler a projeção de um cenário mais ameno da pandemia na segunda quinzena de maio. Com a liberação dos testes represados, no entanto, a curva voltou a subir mais abruptamente, aproximando o Estado, novamente, do cenário mais grave projetado. 

Com isso, fica claro que a flexibilização das atividades sociais e econômicas já implementadas e em planejamento – governo do Estado estuda reabrir academias de ginástica e já promoveu reabertura alternada do comércio de rua – é exatamente o que não pode ser feito. “Precisa agora dar um passo atrás”, recomenda Fabiano. “Temos que dar um passo atrás nessa flexibilização”, reforça Etereldes.

Pacto social

Ethel acredita ser necessário formar um grande pacto social, em que lideranças comunitárias, religiosas e outras lideranças locais, nos bairros, se dediquem a organizar, junto à população, formas de reduzir ao máximo a interação entre as pessoas. “Precisamos romper a cadeia de transmissão”, afirma.

O Núcleo e toda a Sala de Situação está se dedicando a encontrar medidas que possam colaborar nesse grande pacto, que devem ser anunciadas entre sexta-feira (22) e sábado (23) pelo governo do Estado.

“Estamos estudantdo estratégias adotadas em vários lugares do mundo, como referência”, conta, citando Israel, que adota um sistema alternado em que fecham as atividades por dez dias e reabrem outros quatro.

“Esse pode ser o novo normal”, concorda Etereldes. “Depois de todo esse esforço nos primeiros 40 dias, conseguimos reduzir a velocidade de transmissão e chegar a uma prevalência de 2%”, lembra, comparando a situação de outros estados, como o Amazonas, em que 11% da população já se contaminou, muito rapidamente, levando ao colapso do sistema de saúde. “Mas por outro lado, há muita gente ainda suscetível à doença”, alerta.

Painel Covid

O Painel Covid desta quinta-feira (21) informa a confirmação de mais 383 casos e 17 óbitos, totalizando 8.878 pessoas testadas positivamente e 363 mortes pela doença.

A estimativa da primeira fase do Inquérito Sorológico, divulgada nessa segunda-feira (18), é de que pouco mais de 80 mil pessoas já tenham entrado em contato com o novo coronavírus, cerca de 2,1% da população.

‘Nosso maior erro tem sido reagir e não agir’, aponta epidemiologista

Para Ethel Maciel, faltam saúde básica nos municípios e apoio econômico às famílias. ES tem 7.693 casos e 325 mortes

https://www.seculodiario.com.br/saude/nosso-maior-erro-tem-sido-reagir-e-nao-agir-aponta-epidemiologista

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