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A dívida é uma onça domesticável

Fora a desigualdade na posse da terra e a exploração dos trabalhadores, fenômenos decorrentes da secular concentração da renda, o mais antigo problema econômico do Brasil é o endividamento público. É um cancro presente em todos os níveis de governo (federal, estadual e municipal), nas estatais e em empresas privadas que se valem de avais oficiais para tomar empréstimos no exterior. Quem amarra tudo isso num pacote são os bancos.
 
Como viciados, os devedores pagam os juros e renovam o principal, alimentando o corpo da dívida. É um comportamento tão natural que as pessoas, desde as autoridades governantes até os cidadãos comuns, acreditam não haver outra forma de gerir o endividamento. Como se dever fosse uma coisa orgânica e indispensável. É uma mentalidade que favorece especialmente os bancos-credores e os que vivem à sua sombra – os investidores, os especuladores, os rentistas.
 
Se não desatar esse nó, o Brasil não sairá da situação de dependência em que se encontra. Esse problema começou oficialmente em 1823, quando D. Pedro I tomou um primeiro empréstimo dos irmãos Rotschild, banqueiros de Londres que estão na ativa até hoje. Parece mentira que o monstro começou pequenino – apenas dois milhões de libras esterlinas. Agora está nos bilhões e cresce sem parar.    
 
Ora, está mais do que na hora de dar um basta nisso. Como? Inicialmente, é preciso denunciar a dívida. Segundo, questioná-la. Terceiro, desconstrui-la, desmontá-la, desmanchá-la até o ponto de transformar-se, o monstro, num gato doméstico, dócil e colaborativo.
 
Haverá chantagens e represálias mas, se houver vontade política e coragem econômica, tudo isso calçado na união nacional, o Brasil pode tirar das costas o endividamento, esse monstro invisível que suga (canalizando para os bancos e seus aliados) mais de R$ 200 bilhões por ano, cortando as asas dos investimentos em infraestrutura, educação, saude e segurança.
 
Nesse ano eleitoral, seria de grande utilidade se os candidatos e seus eleitores se debruçassem sobre o problema da dívida pública. O assunto está na marca do pênalti desde que há dois anos o governador Tarso Genro, do Rio Grande do Sul, decidiu cutucar a onça que toma conta do Tesouro Nacional em Brasília.
 
De 2012 para cá todos os 27 governadores e centenas de prefeitos se juntaram fazendo pressão para renegociar as dívidas que sufocam estados e municípios. A União, credora, tem direito a receber R$ 490 bilhões a perder de vista. Só o Rio Grande do Sul deve quase R$ 50 bilhões, ele que há dois anos devia R$ 42 bi. É por isso que estados e prefeituras não têm recursos para investir em obras e serviços.
 
Não há orçamento que sustente uma situação dessas. O Congresso está pronto para votar uma mudança nas regras do endividamento dos estados e municípios, que passarão a pagar juros menores. Tudo foi acertado no ano passado, mas o governo federal pediu para deixar a votação para 2014, de tal forma que a mudança não entrasse no orçamento federal deste ano. Agora…
 
Agora a União esperneia porque, com os cintos apertados depois de cortar R$ 44 bilhões do orçamento, precisa tirar de algum lugar os recursos para pagar suas contas – sendo a maior delas, justamente, o serviço da dívida externa, os mais de R$ 200 bilhões citados acima, que simplesmente desaparecem no sistema financeiro para remunerar os detentores de títulos.
 
Como no jogo de cartas, é preciso passar o mico adiante. Só falta agora a União fazer com os credores externos o que os estados e municípios estão prestes a conseguir no Brasil – tirar o nó do pescoço, sem rompimento dos contratos.
 
Internacionalmente, é mais difícil pressionar os credores, pois eles agem de forma articulada, fazendo pressões diplomáticas, sanitárias, técnicas e atuando nas brechas que os favoreçam. Mas, de repente, faria bem mirar-se no exemplo de países vizinhos. Num bagaço econômico, a Argentina parou de pagar sua dívida e chamou pra renegociar.
 
Nenhum devedor se cobre de vergonha por pedir arreglo. “Vergonha é roubar e não ter como carregar ou onde esconder”, diz um ditado de outras eras em que os países, como as pessoas, gostavam de botar banca de bacanas, como se pertencessem a uma elite superior. São balelas superadas pelo realismo político-econômico de um planeta lotado.
 
Quando confrontado com a perspectiva de continuar sem receber o que considera seu direito, todo credor dá pelo menos um desconto. Sempre há espaço para rever as coisas. Calotes e renegociações de dívidas são práticas comuns no mundo financeiro.
 
LEMBRETE DE OCASIÃO
 
 A cegos é lícito brandir bengalas 

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