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As tautologias da (in)segurança

É notório que a segurança pública é um dos mais graves problemas percebidos e enfrentados pelos brasileiros. Os índices da violência permanecem alarmantes. A sensação de insegurança é muito grande. Mesmo com várias políticas públicas lançadas nos últimos anos para combater a violência, o Brasil tem um dos piores resultados do mundo nessa área de segurança.  
O Índice de Progresso Social (IPS), que analisa 133 países, coloca o Brasil na 122ª posição quando o assunto é segurança pessoal.  Este resultado negativo é influenciado por quesitos como taxa de homicídio, percepção de criminalidade e taxa de crimes violentos. O IPS se baseia em 52 indicadores objetivos para avaliar o bem-estar da população. É um levantamento confiável , organizado pela ONG “Social Progress Imperative”, em parceria com a Deloitte e a Fundação Rockefeller ( ÉPOCA, 09/04/2015).  
Olhando os dados de 2014, a Anistia Internacional reafirmou a crise recorrente da segurança pública no Brasil. “O Brasil é um dos países onde mais se mata no mundo”, afirmou Atila Roque, diretor da Anistia Internacional (Relatório 2014/15-O Estado dos Direitos Humanos no Mundo).  Olhando para o país como um todo, a taxa de homicídios por 100 mil habitantes tem permanecido praticamente no mesmo patamar, passando de 21,7 homicídios por 100 mil habitantes em 2002 para 23,2 homicídios por 100 mil habitantes em 2013 (SINESP).   
Apesar das variadas iniciativas de políticas públicas na área de segurança pelo país afora, o Brasil ainda não mudou significativamente a sua posição, a se julgar pela média nacional. Das cinco regiões do país, apenas o Sudeste vem registrando uma tendência de melhorias incrementais  nas taxas de homicídios entre 2002 e 2014, mesmo que com oscilações anuais pontuais. Dos quatro estados do Sudeste, apenas Minas Gerais tem apresentado tendência continuada de piora das taxas, chegando a 19,8 em 2012 e a 22,8 em 2014. Portanto, as melhorias das taxas do Sudeste têm sido “puxadas” pelas melhorias em São Paulo, Rio de Janeiro e, em menor escala, o Espírito Santo. 
São Paulo teve uma queda no índice de 58,6% entre 2002 e 2012, chegando a 11,54 em 2012. Em 2013 a taxa do estado caiu mais ainda para 10,18, em 2014 voltou a crescer para 15,1, mas em julho de 2015 voltou a cair para 9,25. Já o Rio de Janeiro teve uma queda de 50,3% entre 2002 e 2012, quando chegou a 22,52. Mas passou para 25,56 em 2013 e para 28,3 em 2014, mostrando um recrudescimento da violência. Por sua vez, o Espírito Santo teve um aumento vigoroso de homicídios por ano entre 2001 e 2009, passando de 1.592 homicídios em 2001 para 2.034 homicídios em 2009. Mas, então, teve um significativo ponto de inflexão entre 2009 e 2013 – passando de 57,2 homicídios por 100 mil habitantes em 2009, para 42,2 homicídios por 100 mil habitantes em 2013, o que o levou a cair do 2º  para o 8º lugar no ranking dos Estados mais violentos do país. 
Para além da numerologia, o que os exemplos de São Paulo, Rio de Janeiro e Espírito Santo indicam, ao lado também do exemplo de Pernambuco, é que onde há estabilidade e continuidade nas políticas públicas, os indicadores tendem a melhorar. E que, o que é ainda mais importante, parece estar em construção, nos últimos anos, um novo consenso sobre o conteúdo das políticas públicas de segurança no Brasil. 
Nele, neste novo consenso, são cruciais iniciativas e projetos que articulam ações de prevenção e ações de correção e ocupação de territórios. Que articulam visão interdisciplinar e sócio-educativa, com ações de assistência social do apenado e dos moradores das periferias urbanas. Que articulam ações do poder executivo com ações do poder judiciário. Que olham para as carências e demandas da juventude, grande parte dela fora da escola.  Que cuidam das ações de inteligência e contrainformação. Que fazem o policiamento preventivo e ostensivo. Mas que não reduzem as ações apenas ao policiamento.  Na era digital, com tecnologia da informação, as políticas de segurança incorporam gradualmente ferramentas digitais de alta resolutividade. 
Nos estados onde este novo consenso de políticas de segurança ganhou predominância, e onde existem estabilidade e continuidade das equipes da área e da própria essência da política de segurança, os resultados positivos começam a aparecer e perdurar.  Para combater crimes contra a vida e a integridade física – homicídio, assalto, estupro – que crescem significativamente há muitos anos. Para combater crimes contra a propriedade – roubo, furto e fraude -, também em crescimento. E para combater o crime organizado, em especial o tráfico de drogas e a lavagem de dinheiro, crescentes no Século XXI.  Neste Século XXI, a violência e a insegurança também se globalizaram.  
Cacá Diegues argumentou recentemente, sobre a problemática da violência, que “o bon sauvage que Jean-Jaques Rousseau , um precursor da democracia moderna, anunciou no Século XVI-XVII, nunca existiu. O homem sempre foi violento e essa violência nunca foi provocada apenas por necessidades incontroláveis como a fome. Na verdade, a violência apenas como fruto de necessidades é, ao contrário, uma característica de outros animais…A violência é uma perversão da natureza humana. Ela está na origem da espécie, em sua luta pela sobrevivência, mas também no desejo de se impor ao outro…Grande parte dos crimes cometidos em nossas ruas é provocada por um desejo incontrolável produzido por nós mesmos, sem que a vítima tenha nada a ver com isso. Na maior parte das vezes, esse desejo tem origem…na necessidade de conquistarmos o que o outro já tem, fruto da propaganda que nos fala todo dia das maravilhas que não estão ao nosso alcance…Só a educação pode evitar essa prática criminosa do desejo. Ou a civilização” (“A civilização contra o porrete”, O Globo, 30/08/2015). 
Dorrit Harazim – relatando a tragédia do êxodo em direção à Europa, e a muralha de insensatez das lideranças europeias para conter o êxodo com violência -, argumentou que a imagem sem vida do menino Aylan “anunciou ao mundo, em linguagem universal, a falência múltipla de humanidade e civilidade em que vivemos. À notável exceção da chanceler alemã Angela Merkel, a liderança europeia revelou-se uma muralha de insensatez e déficit moral” (“Onde está o mundo?” , O Globo , 06/09/2015). 
Violência cá. Violência lá. Déficit de civilidade. Déficit civilizatório. Urgência por educação. Urgência por civilização. Na prática, para enfrentar a questão da (in)segurança pública no Brasil, existem exemplos emblemáticos que já estão sendo levados em conta para a formulação do novo consenso na construção das políticas públicas de segurança.  
Bogotá, na Colômbia, e Nova Iorque, nos Estados Unidos, são exemplos e referências de modelos de gestão da segurança pública que tiverem bons resultados práticos.  Com estratégias de ação que aproximaram os policiais das pessoas e das comunidades de maior risco, fazendo com que o policial tenha a confiança e respeito destes moradores, e não o medo: a chamada Ronda Cidadã. Parecidos com nossos antigos “Cosme&Damião” e com os “Bobbies” ingleses. 
Em Bogotá, em 1993, eram 80 homicídios por 100 mil moradores. Em 2003, esse número havia caído para 26 homicídios por 100 mil moradores. E em 2012, os registros indicavam apenas 18 mortes por 100 mil habitantes. Já em Nova Iorque, que montou um poderoso aparato de tecnologia da informação , incluindo inteligência geo-referenciada,  a criminalidade foi reduzida drasticamente. 
Os exemplos e referências existem e estão sendo utilizados. O novo consenso está sendo construído. Mas ainda é preciso espalhar os exemplos e referências por outros estados brasileiros, utilizando tecnologia da informação, valorizando a interdisciplinariedade  e as soluções do novo consenso. 
Nesta direção da ampliação do novo consenso, é fundamental colocar em prática as medidas anunciadas em janeiro de 2015 pelo ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, em reunião com os governadores do Sudeste: a integração “permanente” entre as forças de segurança de cada unidade federativa com a União, através de operações integradas, a partir da experiência positiva da Copa do Mundo de 2014 – quando foram montados Centros Integrados de Comando e Controle para articular ações das polícias militar e civil dos estados com bombeiros, polícias federal e rodoviária federal, além das Forças Armadas.  
Ao lado dos governadores Paulo Hartung (ES), Fernando Pimentel (MG), Luiz Fernando Pezão (RJ) e Geraldo Alckmin (SP), o ministro Cardozo ressaltou em janeiro o foco estratégico: “segurança não deve ser política de governos, mas política de Estado…” (G1 , 07/01/2015). Para colocar estas ideias em prática, uma proposta de emenda à Constituição (PEC) aumentará a responsabilidade da União na área. Isto é muito importante. Como o Estado (Nacional) tem o monopólio do uso legítimo da violência, a questão da segurança tem que ser tratada não apenas pelos estados, mas pela União e os estados, com a colaboração das prefeituras. Este novo modelo – federativo – de gestão certamente poderá atingir maior efetividade para as ações na área, aumentando a capacidade de entrega. 
No Espírito Santo, é fato incontestável um ponto de inflexão a partir de 2009, com a melhoria da “performance” do Estado no ranking nacional. O secretário de Segurança do Estado, André Garcia, ressalta que “o estado passou por uma estabilização da política de segurança, por vários governos…é um ciclo completo” (A Gazeta, 26/08/2015). Para ele, há uma continuidade de programas, sendo “o programa de ´Ocupação Social ´uma evolução do conceito do programa anterior, o programa ´Estado Presente´ … (pois) toda política pública precisa se realinhar com o passar do tempo” (G1, 20/03/2015). 
Ou seja, mais uma vez, a estabilidade e continuidade das equipes e dos gestores é decisiva para a efetividade da política pública de segurança. Como o Espírito Santo ainda tem muito a caminhar na área, pois os indicadores de segurança ainda são comparativamente ruins, será ainda fundamental a continuidade e o aperfeiçoamento permanente da política na área. 
As tautologias estão claras. O novo consenso é salutar. Mas ainda é preciso mais entregas. Os desafios continuam. Aqui e acolá. 

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