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Esbanjando arrogância

Após o silêncio de um mês, o governador Paulo Hartung decidiu, finalmente, dar o ar da graça para abordar publicamente a crise na segurança. A última aparição para se manifestar sobre o assunto foi no dia 8 de fevereiro, quando ainda estava afastado do cargo por motivos de saúde. 
 
O momento, estrategicamente planejado, surgiu nesta quinta-feira (9), durante o evento de posse dos novos integrantes da equipe de governo. Hartung preferiu evitar tratar exclusivamente do tema segurança, mas procurou diluí-lo em um universo mais amplo, onde imperasse um contexto positivo. Era preciso conferir conotação de vitória do governo no enfrentamento da crise, tentando amortizar o desgaste que a paralisação de 22 dias da Polícia Militar causou à imagem do Espírito Santo e, especialmente, à dele, que se mostrou incompetente para gerir a crise.
 
O governador se preocupou em exortar que a superação da crise na segurança não poderia ser atribuída apenas a ele, mas a toda equipe de governo — uma tentativa falsa de transmitir humildade.
 
As palavras iniciais deram o tom a uma narrativa carregada de emoção. Hartung recorreu até aos ensinamentos do seu pai (“Não vá sozinho, meu filho”) para enaltecer seu espírito de coletivo, de time, como ele gosta de dizer, americanizando o termo. Em seguida, o governador arrancou palmas da plateia ao afirmar que sua equipe (ou time) poderia fazer frente a qualquer uma do País a qualquer tempo.
 
Os aplausos deram a deixa para Hartung abordar a crise pelo lado mais emocional. Reivindicando o papel de vítima, ele lembrou que a manobra sórdida de parar a PM foi tramada quando ele estava vulnerável, sobre uma mesa de cirurgia — em menção à intervenção cirúrgica que fez em São Paulo para extirpar um tumor na bexiga. 
 
O governador fez questão de destacar que a crise na segurança não era uma exclusividade do Espírito Santo. “O desafio bateu na nossa porta, mas poderia ter batido na porta dos outros 26 Estados”. Essa afirmação tinha o intuito de mostrar que o fato ocorreu no Espírito Santo por mera casualidade, eximindo a sua gestão de qualquer responsabilidade direta sobre os dias de caos que puseram o Espírito Santo de cabeça para baixo.
 
Ele tratou a crise como uma oportunidade para capixabas e brasileiros entenderem a importância de zelar pelo dinheiro público, exaltando o choque fiscal de “sucesso” que empreendeu nesses dois anos de governo. Hartung aproveitou também para rebater o jornalista Elio Gaspari, que pôs em xeque sua política fiscal. No auge da crise, Gaspari escreveu que a política fiscal comprometia os investimentos do governo na área social. 
 
Hartung, que estava engasgado com o jornalista, foi à forra. Invertendo a equação de Gaspari, o governador vaticinou: “Responsabilidade fiscal numa mão permite responsabilidade social na outra”. Embalado pela frase de efeito, ele aproveitou para avisar que o governo não dará aumento a nenhuma categoria do funcionalismo público enquanto as contas não estiverem equilibradas, como determina a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). 
 
Com a Proposta de Lei Complementar (PLC) que altera as regras de promoção da Polícia Militar já aprovada pela Assembleia, Hartung tratou o PLC como o marco no processo de “refundação” da PM. “Nossa PM vai sair desse episódio e vai ser uma polícia muito melhor”.
 
Sempre alternando entre a crise financeira e a da segurança, martelando a tese de que o ajuste é imprescindível para o Estado, o governador fechou seu discurso em tom otimista. Cravou que o Estado que sair da crise financeira melhor posicionado, pula na frente dos outros. Em seguida, afirmou que o Espírito Santo tinha tudo para aparecer no pós-crise melhor posicionado em relação aos outros Estados. “Ninguém segura esse pequenino Estado chamado Espírito Santo”, disse em tom eloquente, arrancando novamente efusivos aplausos da plateia. 
 
Os aplausos, porém, não apagam o show de incompetência do governador na condução da crise. Desde o início, Hartung mostrou-se intransigente. Recusou-se a abrir canal de diálogo com o movimento de mulheres e tampouco a negociar a pauta de reivindicações da PM, que pedia o pagamento de reajuste salarial previsto em lei. 
 
Ao sentir-se acuado pelo movimento, o governador desvelou seus instintos mais primitivos. Tornou-se mais autoritário, arrogante e vingativo. Passou a perseguir policiais, anunciar listas de punições e decretar prisões dos “rebeldes”. Fez da ameaça a sua principal arma.
 
Mesmo com o fim do movimento, a sede por vingança do governador não foi saciada. O PLC aprovado esta semana na Assembleia, que implica em profundas mudanças nas vidas dos policiais — num momento em que a tropa ainda está fragilizada — tem sido interpretado como um “pacote de maldades” de Hartung. 
 
Longe de ser uma proposta modernizante para a PM, o PLC é um instrumento que confere plenos poderes ao governador para que ele possa manter a polícia sob rédea curta. Com um subjetivo critério de promoção em suas mãos, ele poderá punir os policiais que representarem ameaça e beneficiar os que se mostrarem fiéis ao Palácio Anchieta, ou seja, um conjunto de medidas autoritárias que ele vem chamando de “reformulação da PM”.

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