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Favor não incomodar

Vida de pobre é como andar na contramão da highway

Depois da festa as luzes se apagam, a orquestra guarda os instrumentos, o último bêbado é recolhido pelos seguran­ças. Entra o pessoal da limpeza: a base da pirâmide dos chamados eventos sociais. Pôr tudo em ordem que amanhã tem mais. Zildinha tira o uniforme de uisqueira – serve uisque importado para os convidados – e põe o avental de lavadeira – lavar os copos de cristal com muito cuidado: se algum quebrar o patrão desconta do pagamento. Vida de pobre é andar na contramão da highway.

*

Vai demorar essa lavação, menina? O chefe do bufê pergunta, mais pra lá do que pra cá. Na árdua tarefa de conferir quantas garrafas foram esvaziadas, bebeu mais do que os festeiros. É copo que não acaba mais! Zildinha reclama, e quando termina as kombis do buffet já sumiram na curva da estrada. Zildinha se desespera – a essa hora não passa ônibus, não tem dinheiro pra Uber, e a mansão fica longe de tudo – não tem como ir a pé nem de bonde.

*

Além da cena que o Euvídio vai fazer – ele chega em casa na hora que quer, ela tem a vida cronometrada. Já imagina o questionário: Como assim, deixaram você pra trás? Onde você estava que não viu a kombi sair? Ali não tem viva alma, os donos moram na Suíça, onde todo mundo é rico, e a mansão foi emprestada para o casamento da filha da prima da amiga da dona da casa. Se a vida lhe der limões, faça uma limonada, diz o ditado. Se não tem como ir embora, melhor ficar com estilo.

*

Zildinha apaga as luzes e vai se refestelar na imensa piscina. Noite de lua cheia, morna e quieta. O biquíni encontrado nos armários serviu muito bem. Depois um banho na jacuzzi, camisola de seda com etiqueta francesa – cama king-size com edredons tão macios que dá vontade de dormir pelo resto da vida. Mal pega no sono, porém… Zildinha acorda assustada: tem alguém ou alguma coisa se mexendo aqui no lado na cama. A coisa fica imóvel. Agora ronca. O segurança? Um ladrão? O assassino da motosserra? Tenta levantar de fininho, está acostumada a se mandar da cama sem acordar o Euvídio.

*

Um braço pesado a segura, chega mais perto, faz uma carícia em uma área imprópria, e volta a roncar, o braço prendendo-a firme. Zildinha calcula a distância entre seu lado da cama e a porta de retirada – o cara deve ser um dos bêbados da festa, outro que deixaram para trás. Num safanão livra-se do braço do sujeito e tenta saltar fora – ele é mais rápido e a prende outra vez, sem nem abrir os olhos – Vai embora não, bem. Tava com saudade… Sem outra alternativa, Zildinha fica quieta, acaba dormindo também, quem diria.

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De manhã o telefone toca – Estamos procurando por uma de nossas assistentes que não chegou em casa ontem … Sinto muito, sou o dono da casa e estou sozinho aqui. Se alguém sumiu, chame a polícia. Favor não incomodar. Ele bate o telefone. Teimoso, toca outra vez – A voz irritante do Euvídio interrompe o elegante café da manhã: champanhe francês, croissants e chocolate suíço. Estou procurando a Zildinha, que não chegou em casa ontem. Zildinha muda o tom de voz – Conheço não senhor, e aqui não teve festa nenhuma. Favor não incomodar.

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