Segunda, 29 Abril 2024

Jairo Maia, o amigo da dona de casa

 

Dizem que a verdadeira sabedoria reside nas coisas mais simples ao nosso redor. Isso é verdadeiro para as crianças e, creio, depois, para os idosos, quando a contemplação substitui o trabalho do modo ocidental de produção de bens e riquezas. Como ensinou Carl Jung, quando nosso olhar é interno, despertamos e, para isso, é necessário uma certa infantilidade.
 
O encerrar da jornada terrena humana ronda nossas vidas todos os dias, mas vai se tornando mais real à medida em que o tempo passa. Quando somos atingidos por tragédias pessoais descobrimos nossa impotência e finitude. Basta uma picada de um quase imperceptível mosquito para uma microscópica larva propagar uma doença em nosso “poderoso” corpo e encerrar nosso ciclo de vida.
 
A vida contrasta com a morte, como duas faces da mesma moeda. Homenageio a vida de dois contemporâneos, um famoso e outro anônimo: Jairo Maia e Zé Henrique. Este, conhecemo-nos na Rádio Espírito Santo, onde fui repórter de radio-jornalismo, e na Rádio Tribuna AM, onde ele foi meu operador em um programa dominical nos anos 80. Ambos partiram no mesmo dia, como se tivessem combinado operar a rádio celestial.
 
Sempre amei o rádio, embora tenha feito a vida mesmo no jornalismo impresso, talvez por timidez ou impaciência. Nos anos 70, em Alegre, ouvia rádio o dia inteiro, nos tempos em que não havia o enlatado das FMs e a comunicação era direta com o ouvinte. Sabia de cor as 24 horas de programação da Rádio Globo, que sintonizava num velho Mitsubishi a pilha, presente de um tio, e depois num Moto-rádio, que comprei com meus pequenos trabalhos de rua – engraxate, vendedor de picolé, frutas, amendoim e, depois, de jornais.
 
Quando vinha a Vitória, de carona, ficava na casa de uma tia na Rua Sete. Eram os tempos da rede de lojas Jairo Maia Discos, onde comprei boas  “bolachas” para tocar na minha Sonatinha, quando voltava para casa. O dinheiro que eu ganhava em meus pequenos trabalhos ajudava em casa comprando a carne do almoço (sempre de segunda, óbvio), os ingredientes para fazer dois pudins em meu aniversário (um para mim e outro para a família), e investia comprando livros, revistas e discos.
 
Nesses tempos, também, Jairo Maia tinha seu programa todas as manhãs na Rádio Capixaba, que funcionava nas ruínas da Igreja de São Francisco, na Cidade Alta. Aprendi a admirar o comunicador de AM que abria seu programa com uma música que até hoje é viva em minha memória, e sempre tocava seu amigo Roberto Carlos, de quem sou fã desde a adolescência (um dia minha mulher deu-me um dos melhores presentes, uma caixa com todos os CDs do Rei).
 
Jamais me esqueci da célebre frase de Jairo Maia, quando falava dos anos em que estava com seu programa no ar, desde que foi de Bom Jesus para Cachoeiro de Itapemirim, no final dos anos 50: “Deve haver uma razão para uma existência tão longa”. Nos últimos dias, falamos dele na Assessoria de Comunicação do TJES e eu cantei, inteira, a música prefixo de seu programa. Num dos trechos, ela diz “Programa Jairo Maia entrando na sua vida...”
 
A despeito de termos sido contemporâneos, nunca tivemos muita amizade, mas sempre o admirei e posso me lembrar dos flashes no início dos anos 80 que eu fazia dentro do horário do programa dele na Rádio ES. Jairo era guerreiro e respeitoso com todo mundo. Nos tempos de  Gazeta, nossos encontros eram sempre rápidos nos corredores da Rede.
 
As donas de casa ficaram órfãs de seu amigo de todas as manhãs, mas ele deixa um legado para todas as gerações. Coincidentemente, me casei com uma Euzi, mesmo nome da fiel escudeira dele no rádio por muitos anos.
 
Todos nós, principalmente os que fomos contemporâneos de sua fase áurea e temos alguma ligação com o rádio, seja como ouvintes ou profissionais, temos alguma lembrança de Jairo Maia entrando em nossa vida.
 
Ele deixa boas lembranças. Assim como o Zé Henrique, e seu eterno alto astral. É vida que segue... deve haver uma razão.
 
 
 


José Caldas da Costa é jornalista, licenciado em Geografia, escreve como colaborador neste espaço. Contatos:

Veja mais notícias sobre Colunas.

Veja também:

 

Comentários:

Nenhum comentário feito ainda. Seja o primeiro a enviar um comentário
Visitante
Segunda, 29 Abril 2024

Ao aceitar, você acessará um serviço fornecido por terceiros externos a https://www.seculodiario.com.br/