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Dona Dominga vira rainha em jogo de xadrez

Mais na Coluna: Monumento à Bíblia; terreno em Cariacica; Lei Paulo Gustavo; editais Funcultura

Quem passa em frente à escadaria Bárbara Lindemberg, que dá acesso ao Palácio Anchieta, no Centro de Vitória, já deve ter reparado em um monumento de uma senhora carregando um saco nas costas. No entanto, os mais curiosos, ao se aproximarem para buscar alguma identificação, infelizmente não encontram. Essa mulher, embora não identificada na própria escultura que a retrata, virou rainha no jogo de xadrez produzido pelo Laboratório de Extensão e Pesquisa em Arte (LEENA) da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes).

Leonardo Sá

O jogo faz parte de uma série de materiais paradidáticos desenvolvidos pelo LEENA sobre os monumentos do Espírito Santo. A posição na qual a colocaram é simbólica e provocadora, já que, além da não identificação, trata-se da única escultura do Estado em homenagem a uma mulher negra, o que mostra o racismo que aqui impera.

Há, ainda, o fato de que as histórias que circulam na cidade é de que ela era uma catadora de papel, o que realmente é verdade, mas essa informação normalmente é dita com certo demérito e acompanhada de uma caracterização feita com base no olhar racista e misógino de muitos. Dominga é tachada de feia, esquisita, sisuda, quase uma figura meio sombria a vagar pela Capital com um saco nas costas, onde recolhia os papeis. Imagem projetada por pessoas que nunca sequer procuraram pesquisar sobre ela.

Mas quem foi Dona Dominga?

Quem responde a pergunta é a professora e pesquisadora do LEENA, Fabíola Fraga Nunes, que estuda sobre o monumento para sua pesquisa de mestrado em Artes. De acordo com ela, Dominga foi de fato uma catadora de papel, viveu grande parte da sua vida em Vitória, uma mulher negra, moradora do bairro Santo Antônio. Fabíola chegou a essas informações por meio de pessoas que conviveram com Dominga. Algumas  chegaram a descrevê-la como uma mulher que tinha “cheiro de roupa que secou ao sol”. Até o momento, não foram achados registros como certidões de nascimento e de óbito.

Devoção

Em entrevista a Século Diário em julho de 2022, por ocasião do Dia Internacional da Mulher Negra Latino Americana e Caribenha, a historiadora Ana Paula Rocha relatou que resolveu “fazer uma busca mais atenta” sobre Dona Dominga diante da “necessidade de recuperar a história do povo negro com o olhar não colonizado”. Nessa pesquisa, encontrou pessoas que conviveram com Dona Dominga e descobriu que ela catava papel para vendê-los e, assim, arrecadar recursos para festejos religiosos onde morava, no bairro Santo Antônio, além de auxiliar pessoas que necessitavam.

Confirmação

Fabíola relata que, até o momento, não encontrou nenhum registro sobre isso ainda. Mas as pesquisam continuam e a professora afirma ter o intuito de, por meio do estudo, “resgatar essa história e trazer para um lugar mais apropriado, trazer Dominga para a vida real, dar humanidade”, uma vez que muitos até duvidam de que ela realmente existiu, tratando como um personagem folclórico da Capital. A coluna deseja sucesso para a pesquisadora e a parabeniza pelo importante trabalho.

Jogos e miniaturas 3D

Divulgação

Mas voltando ao jogo de xadrez, ele é apenas um dos mecanismos encontrados pelo LEENA para trabalhar a história dos monumentos capixabas com estudantes nas escolas. Tem também outros, como jogo da memória e quebra-cabeça, que fazem o monumento “sair da praça e chegar até as pessoas”, como aponta o coordenador do Laboratório, Aparecido José Cirillo. A ideia é trabalhar a história e a cultura capixaba a partir dos monumentos. Além disso, os pesquisadores disponibilizam no site Arte Pública Capixaba um inventário com todos os monumentos do Espírito Santo, como bustos, esculturas, painéis e outras intervenções que ocupam o espaço urbano, e estão criando miniaturas 3D dos monumentos. Uma das propostas das miniaturas, explica Cirillo, é, por meio do tato, possibilitar que pessoas com deficiência visual possam conhecer essas obras. 

Análise

Leonardo Sá

Uma das ações do projeto é a análise crítica e conceitual. Cirillo destaca o monumento a Yemanjá, na Praia de Camburi. Nessa análise, afirma, são encontradas estratégias de resistência. A estátua, de 1988, da gestão do então prefeito Hermes Laranja, afirma, foi feita semelhante a Nossa Senhora dos Navegantes, pois diante da intolerância religiosa que imperava (e ainda impera, infelizmente), dificilmente seria aceita uma imagem mais fidedigna da orixá, por exemplo, negra e sem cabelos lisos. Em 2017, recorda, ela foi pintada de preto e foi mudada a sua coroa, já que a anterior era muito semelhante à da santa católica.

Bíblia

Já que o assunto é monumentos, uma das polêmicas da semana foi a criação do Monumento à Bíblia, na entrada de Cariacica, na descida da Segunda Ponte. A obra é orçada em R$ 165 mil e de autoria do artista Hipólito Alves da Silva. Não há o que se discutir sobre o talento do artista, mas a questão é que um monumento desse tipo na entrada da cidade tem um significado, que é o de apresentar a quem chega que Cariacica é totalmente cristã, portanto, não abarca a diversidade de crenças que há no município.

Terreno

Nessa sexta-feira (15) foi lançado o edital de licitação para construção do prédio do Centro Integrado da Perícia Técnica e Científica (CIPTC), que será em frente à Prefeitura de Cariacica, no trevo de Alto Lage. Durante sua fala, o prefeito de Cariacica, Euclério Sampaio (União), falou que, ao doar o terreno para a construção do equipamento, encontrou resistência de alguns atores da cidade. Ele não especificou, mas trata-se da classe artística, pois tradicionalmente o terreno é usado para atividades culturais, como instalação de circo e realização de feiras.

Terreno II

A doação foi feita em 2021. Os artistas, inclusive, escreveram uma carta de contestação e reivindicando mais espaços públicos na cidade. Na ocasião, Século Diário perguntou ao prefeito se havia alguma alternativa a ser apresentada para a classe artística e ele disse que um espaço em Alto Dona Augusta seria destinado para as atividades culturais que eram tradicionalmente realizadas no terreno. De lá pra cá não se ouviu falar mais nada sobre o assunto. A coluna espera que de fato os munícipes não fiquem “com as mãos abanando”, principalmente por se tratar de um município com poucas opções de lazer.

 Lei Paulo Gustavo

Tayson Felix

Na última terça-feira (12), foram apresentadas as linhas dos editais da Lei Paulo Gustavo estadual. Algo muito importante é o edital Culturas da Infância, para apoio a projetos de criação, produção, e circulação de espetáculos e iniciativas culturais desenvolvidos com abordagem para criança, nas mais diversas linguagens. Ter um edital com projetos específicos para esse público é um avanço em uma sociedade que, infelizmente, ainda não enxerga as crianças como alguém que tem direitos, e a cultura é um deles.

Atrasos

Durante a solenidade de apresentação da Lei Paulo Gustavo, que ocorreu na Casa da Cultura Sônia Cabral, o secretário estadual de Cultura, Fabrício Noronha, falou da cobrança que se tem diante dos atrasos dos resultados dos editais Funcultura. Disse que a prorrogação das inscrições acaba gerando um “efeito cascata”, impactando nas etapas posteriores. Contudo, não é a prorrogação de uma semana que vai fazer o resultado atrasar dois, três, quatro meses, né? E havendo necessidade desse atraso, é de bom tom um pronunciamento oficial para dar uma satisfação aos artistas, que ficam ser ter previsão nenhuma de quando o resultado será divulgado.

Até a próxima coluna!

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