
Durante a história, explica-se que o Método foi criado logo após as guerras do século XX, em um momento em que conceitos como nação, religião e família se dissolviam, os sistemas de garantias sociais entrava em colapso e o caos e insegurança se instauravam. O Método foi o sistema que solucionou esses problemas.
Entretanto, o que aparenta ser um sistema perfeito que livra o cidadão do sofrimento vai se mostrando pouco a pouco um regime autoritário, que priva o ser humano da sua liberdade. A saúde se torna um princípio de legitimação estatal e o controle total dos corpos os tornou dóceis e cativos.
Na obra, a manutenção da saúde é um direito e um dever do cidadão. O medo da doença e da morte se tornou um terreno fértil para o nascimento de uma ditadura e um estado de vigilância constante. Nessa sociedade um ser humano saudável é visto como norma, só assim ele está apto a alcançar os melhores resultados e a felicidade.
Para manter esse bem-estar comum, a ordem é manter a casa e o corpo sempre asseados, consumir apenas alimentos saudáveis, praticar exercícios físicos diariamente. O Método controla tudo isso, inclusive os esgotos para verificar os dejetos e o uso de sustâncias tóxicas. Há também chips implantados na pele dos indivíduos para facilitar o controle e o reconhecimento de cada um e qualquer cidadão que se expor ao risco de contaminação é punido por colocar em risco o bem-estar comum.
A protagonista do livro é Mia Holl, uma bióloga que recentemente perdeu o irmão. O irmão de Mia Holl, o idealista Moritz, suicida-se depois de ser acusado de assassinar e estuprar uma jovem. Mesmo depois do exame de DNA, que comprovou a suspeita, ele alegou-se inocente. Mia, que sempre acreditou no Método, começa colocar sua crença em dúvida, mas ela só descobre a verdade em seu julgamento.
Apesar do sofrimento, Mia não tem direito de se sentir deprimida e se abster de sua rotina. A bióloga então começa a ser investigada porque seus relatórios de sono, de alimentação, de exercícios e seus exames de pressão e de urina não foram entregues ou estão abaixo do normal. Essa situação é encaminhada a um tribunal e ela é tratada como uma criminosa.
A princípio, isso parece um exagero ficcional, mas a lógica é simples e reconhecida: o estado lhe deve assistência em caso de necessidade, mas é dever do cidadão evitar esse esforço do estado.
Outro personagem instigante é o famoso jornalista Henrich Kramer, que se coloca sem qualquer dúvida em favor do Método. Ele defende que por meio do Método a sociedade finalmente chegou ao seu objetivo. Ao contrário das outras sociedades, o Método não se vale de uma religião, da economia ou de uma ideologia, ele se baseia apenas na razão.
Enquanto o julgamento de Mia se desenvolve, ela lembra cada vez do irmão. A história é interrompida com flashbacks de quando Moritz ainda estava vivo, que provam que ele era uma alma livre e até um pouco ingênuo às vezes, nessas passagens fica difícil acreditar que ele seria capaz de cometer um assassinato.
Outro ponto interessante da escrita de Juli Zeh é a forma como ela desenvolve os relacionamentos. Apesar de Mia e Kramer terem interesses totalmente opostos, os dois acabam ficando extremamente próximos e atraídos pela determinação um do outro.
No romance também aparece um grupo terrorista chamado D.A.D, ou melhor Direito a Doença, que apoia Mia. O D.A.D prega a liberdade, o direito de fumar, nadar em um rio natural, comer uma fruta direto da árvore, andar pelas áreas não controladas, não entregar os exames médicos de rotina, namorar com quem desejar – e não apenas com aqueles que possuem um sistema imunológico compatível -, entre outras afrontas a rigidez do Método.
De forma sutil, Corpus Delicti critica a sociedade atual que já vive essa tirania da saúde. Mas até que ponto o homem se adequaria a essa realidade? E o governo tem mesmo o direito de intervir na vida dos cidadãos em prol do bem comum? E ser saudável é não estar doente? O que é ser saudável?
O livro não tem a pretensão de responder a nenhuma dessas questões e sim de criá-las e gerar muitos outros questionamentos. Entretanto, apesar dos focos de resistência, no final da história, o Método revela que continua forte e a sua manutenção não deixa espaço para heróis e mártires.
Serviço
Corpus Delicti
Juli Zeh
Record
254 páginas
R$ 35 (preço médio)