Sexta, 03 Mai 2024

Syã Fonseca faz crônica fotográfica das ruas do Centro de São Paulo

Syã Fonseca faz crônica fotográfica das ruas do Centro de São Paulo


A falta de uso comprometeu a Zenit de quatro décadas de idade que Syã ganhara do pai. Câmera antiga é assim: o ócio não conserva. Quando aos 19 anos chegou em São Paulo a convite de amigos para trabalhar na pintura e restauro de uma igreja em São Carlos, município distante 250 quilômetros da capital, deixou a câmera na assistência técnica. E mais a pedido da irmã que pelo desejo de fotografar.
 
A história da Zenit é de certa forma a história de seus primeiros passos na fotografia. Filho do artista plástico Sebastião Fonseca e da cantora Andrea Ramos (que está com um disco no forno, o competente Andréa Ramos canta Chico Lessa), Syã tinha 12 anos quando lidou pela primeira vez com fotografia.
 
Com o pai, passou quatro anos percorrendo o Espírito Santo em um projeto do Governo do Estado de registro em vídeo das manifestações da cultura popular capixaba. Assistente de fotografia. O trabalho acabou, mas o interesse pela coisa permaneceu. Daí - e depois daí - vem a Zenit. A câmera vivia esquecida num canto qualquer.
 
Voltamos a São Paulo. O trabalho na igreja já havia terminado, Syã já tinha se envolvido em outros trabalhos. Mas um dia, na rua, deparou-se com uma vitrine e um livro: Cartier-Bresson: O Olhar do Século, perfil do mítico fotógrafo francês escrito pelo jornalista Pierre Assouline. 
 
Mesmo com uma grana no bolso já empenhada para outras despesas, não pensou duas vezes antes de comprar o livro e, em seguida - um ano e oito meses depois - resgatar a Zenit no conserto. Mais ou menos assim começa a história de São Paulo, Rua!, exposição fotográfica de Syã Fonseca no Studio BASE 40, em Vitória.
 
O Salão de Fotografia Consigo, realizado pela tradicional loja de equipamentos fotográficos paulistana, estreou a mostra em junho. Syã conheceu uma funcionária da loja e por email enviou seu Flickr como "portifólio". Lá a exposição durou um mês.
 
 
Findo o projeto sobre a cultura popular capixaba, e sobretudo para preservar o contato com a fotografia, Syã foi trabalhar como arquivista na Agência Porã, em Vitória. Nas horas vagas, folheava livros de fotografia; entre os muitos que abarrotam a estante da agência, a um devotava atenção especial.
 
Syã se levanta, vai à estante, passeia os dedos nas lombadas e saca Henri Cartier-Bresson: Photographer, um grande e volumoso livro lançado pelo francês em 1979. Perdeu, ou ganhou, umas boas horas errando pelo lirismo em preto e branco de Bresson. “Foi o primeiro livro de ficar meia hora em cada foto, estudando tudo”. O olhar bressoniano deixou-o maravilhado; atiçou ainda mais uma afeição que já era profunda. 
 
Mas a mudança para São Paulo arrefeceu os sentimentos. O sustento que obtia com trabalhos como o da igreja eram alentadores. Daí condenou a pobre Zenit a um triste degredo. Mas alguma coisa aconteceu no seu coração anos depois, quando viu o livro de Assouline. “Nossa, como pude me esquecer disso?!”, reagiu, ao reencontro com Bresson. 
 
O desejo da fotografia renasceu com violência. Ele morava com a irmã no quarto andar do Edifício Copan, no centro nervoso de São Paulo. Agora queria fotografar. Muito. Porém não sabia exatamente o quê. 
 
Nessas horas os grandes eventos apareciam como um prato cheio. Foi durante a Parada Gay de 2012, na Rua da Consolação, que fez a primeira foto que integra as 20 que compõem a exposição: um homem observa alguma coisa que não sabemos o que é (que, na verdade, é a multidão de cinco milhões de pessoas da Parada, no outro lado da rua), enquanto, numa aparição surreal, um (pobre) diabo fica como que à espreita.
 

                    


Entre idas e vindas sem rumo pelas ruas de São Paulo, ele conheceu Rafael, também fotógrafo, da sua idade e com a mesma dúvida: o que fotografar? A amizade com o hoje membro do coletivo de fotografia selvaSP iluminou o caminho de ambos: assim nasceu a ideia de fotografar a rua, diretriz que orienta as fotos de São Paulo, Rua!. O local geográfico delimitou-se ao Centro de São Paulo.
 
Em um ano, Syã bateu perna pela Pinacoteca, Butantã, Parque do Ibirapuera, Rua da Consolação, Praça da Sé, Praça da Luz, Rua Augusta, Vale do Anhangabaú, Avenida Paulista, Praça da República. 
 
Foram cerca de 500 fotografias. Tudo em filme e, da exposição, quase todas captadas com lente 50 milímetros (visada equivalente ao olho humano); a exceção foi realizada com uma 24 milímetros.
 
E em um ano, a câmera foi seu terceiro olho. Era mais fácil esquecer o pescoço que a câmera no Copan. 
 
O preto e branco e o lirismo das capturas expõem certa filiação a Bresson. Como ainda é um tanto acanhado para meter a lente na fuça alheia, prefere não interferir na ação fotografada. “A única relação que tenho com a pessoa da foto é a própria foto”, analisa. A exceção é um pequeno Homem-Aranha andando de bicicleta, que o encarou sem medo.
 
A submissão à pureza da cena também é linguagem. Nem mochila ele levava para as saídas; os filmes iam no bolso; às vezes andava com as mãos para trás, segurando a câmera. “Parecia um nóia”. 
 
Por isso as fotografias tem um sabor de crônica, não apenas pela fixação técnica de um evento aparentemente leviano, mas ainda pela postura do cronista-fotógrafo: a observação tão atenta quanto silenciosa da vida ao redor. 
 
Serviço
A exposição São Paulo, Rua! está em cartaz no Studio BASE 40. Av. Maruípe, 40, Santa Cecília, Vitória. Entrada franca.

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Sábado, 04 Mai 2024

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