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Chocolate muito amargo – Nestlé vende alegria, mas cresce oprimindo seus trabalhadores

Em ato nacional, sindicatos do ES e BA já enxergam greve como último recurso para impedir perda de direitos

Elifas Medeiros

Alegria, cores e doçura por fora; ganância, opressão dos trabalhadores e perda de direitos por dentro. A triste contradição entre o produto vendido e o modo como ele é feito marca a trajetória recente da Nestlé e, no Espírito Santo, da Garoto, que desde 2002 integra o rol de empresas da multinacional. 

A escalada de ataques à legislação trabalhista brasileira nos últimos anos abriu caminho para que a direção da gigante mundial passasse a retrocessos inimagináveis no ambiente de trabalho da capixaba Garoto, que durante toda a sua história teve como elementos principais da sua identidade a valorização efetiva e o diálogo com o trabalhador. 


Ato nacional realizado nesta terça-feira (27) pelos sindicatos dos trabalhadores em alimentação e afins do Espírito Santo e Bahia (Sindialimentação) mostrou a greve como uma possibilidade de luta em breve, caso a postura autoritária da empresa não se alterar.

Em pauta, nos dois estados, duas questões essenciais à dignidade das famílias trabalhadoras: o pagamento integral da Participação nos Lucros e Resultados (PLR) e a manutenção do valor do tíquete-alimentação, com correção dele e dos salários segundo a inflação do período.

A posição da Nestlé é de anular grande parte do PLR, especialmente junto aos trabalhadores de salários iniciais, e de cortar pela metade o valor do tíquete, aceitando apenas o ajuste inflacionário. Após meses de reuniões e diversas rodadas de negociação, a posição é a mesma. 
Em pesquisa técnica, 99% dos trabalhadores capixabas não aceitam a redução do auxílio-alimentação e 97,32% ficar sem o pagamento da PLR. Na unidade baiana, a situação é semelhante, com a Nestlé insistindo nas mesmas condições, e 75% dos trabalhadores recusando os cortes da Nestlé.

Na Bahia, o ato teve formato de uma “assembleia de repúdio” e começou às 5h, se estendendo até a tarde, com a participação dos sindicatos de petroleiros, celulose e telecomunicações, numa “solidariedade de classe”, acentuou a diretora do Sindialimentação/BA, Ana Gabriela Xavier de Carvalho Barreto.

“Causou impacto na fábrica, mesmo a empresa segurando o turno de cinco até às 6h30, como forma de retaliação, então a gente não deixou nenhuma carreta entrar. Eles sempre fazem isso, mas a gente só inicia a assembleia quando libera os trabalhadores”, conta.

Antes do ato, a Nestlé foi notificada pelo sindicato. “Notificamos a empresa para negociar, propondo uma data, só que ela não respondeu e mandou o preposto dela pra coagir os trabalhadores dentro da fábrica”, relata a diretora sindical, contando que o preposto da direção, que é a pessoa sempre escalada para representar a empresa nas reuniões de negociação, passou a se reunir com os trabalhadores dentro da fábrica.

“Ele chegou a dizer para os trabalhadores que se não aceitarem, o caso vai para dissídio e nós vamos perder o que já temos, como se ele tivesse certeza que os juízes vão decidir em favor da empresa”, conta. “E ainda zombou: ‘eu vou pegar o meu jatinho pra comer a minha moqueca e se alguém estiver insatisfeito, que aproveite o programa de demissão voluntária e vai vender alguma coisa na Feiraguai'”, repudia, referindo-se ao nome popular como é chamada uma feira de produtos importados feita por pessoas humildades da cidade de Feira de Santana.

Diante da gravidade da situação, Ana Gabriela acredita que a categoria caminha para realizar uma greve, até onde o sindicato tem conhecimento, a primeira da Nestlé no Brasil. “Se a gente perder, vai perder de pé, não podemos nos curvar diante dessa gigante multinacional. Essa está sendo a pior negociação que eu já vi na minha vida. É muita falta de reconhecimento e de humildade e de bondade por parte da Nestlé”, lamenta.

A condição da greve, acredita a sindicalista, se de fato posta, pode enfim fazer a empresa negociar. “Eu posso estar errada, porque as leis estão do lado deles, mas o pessoal lá em cima, da direção acima da Bahia e do Brasil, que envolve a Colômbia também, acho que não vai querer sujar o nome da empresa por causa de 50% de tíquete-alimentação”, pondera.

Linda Morais, presidente do Sindialimentação/ES, conta que sua entidade só realizou uma greve em 2001, antes da compra da Garoto pela Nestlé. E compartilha do mesmo pensamento dos colegas baianos.

“Nossa linha é semelhante. A Nestlé chegou num ponto que não temos outra saída senão a resistência coletiva, se a Nestlé não ouvir a categoria. O protesto foi muito bem recebido pelos trabalhadores, contamos com apoio da categoria. A Nestlé não tem proposta, vem apenas com corte, uma decisão de cortar direitos. Diante desse quadro, o sindicato não vê outra saída”, explana.

“O mais grave é querer cortar 50% do auxílio-alimentação e não querer pagar participação nos lucros. O lucro da Nestlé no Brasil foi de 18,2% no primeiro semestre de 2020, fora os investimentos milionários que ela anunciou”, ressalta Linda.

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