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‘Espírito Santo ainda não vive terceiro ciclo de desenvolvimento econômico’

O alardeado terceiro ciclo de desenvolvimento ainda não chegou na economia capixaba, adverte o economista e professor aposentado da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) Arlindo Villaschi. Continuamos, assegura, no segundo ciclo, o das indústrias baseadas em recursos naturais não-renováveis, que sucedeu, há 60 anos, o pioneiro ciclo, do café.

“São 50 anos de um modelo econômico baseado numa industrialização retardatária com uma produção que depende muito de matéria-prima não renovável. Setenta por cento do nosso PIB [Produto Interno Bruto] vem da Petrobras, Vale, ArcelorMittal e Suzano [dona da antiga Aracruz Celulose e Fibria]. Com exceção da Suzano, todas as demais têm como matéria-prima insumos não-renováveis”, explana. 

A renovação ainda não dá sinais de acontecer, lamenta o economista. “Há uma insistência nisso. A Findes [Federação das Indústrias do Espírito Santo] fazendo grande oba-oba, a Shell deitando e rolando no que era da Petrobras. O efeito que elas promovem, de contratação de mão de obra local, é muito diminuto”, critica. 

E como vencer a inércia e os falsos discursos de inovação? Arlindo acredita que, historicamente, sempre coube ao Palácio Anchieta fomentar as grandes mudanças, a exemplo de Arthur Carlos Gerhardt (1971 – 1975), que trouxe os grandes projetos industriais da Ponta de Tubarão para a Grande Vitória, acabando com a dependência da então cambaleante cafeicultura, por meio de um plano de desenvolvimento do governo federal, que visava substituir importações e diversificar exportações. 

“É óbvio que o governador tem hoje papel de articulador e fomentador”, assevera o economista, referindo-se a Renato Casagrande, não só pelo cargo atual de governador, mas por sua história política, pois já atuou na Conferência da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre o Clima (COP) quando era senador e membro da Comissão de Meio Ambiente do Senado. “Ele tem conhecimento científico e articulações políticas pra isso”, certifica. 

Considerando, porém, que a economia e as relações políticas hoje são mais complexas que as encontradas no momento histórico de outros políticos que de fato transformaram a economia capixaba, como Muniz Freire e Arthur Carlos Gerhardt, Arlindo ressalta a necessidade de envolver as empresas. 

E com empresas ele se refere às grandes, com suas tecnologias de ponta e grande poder econômico, e as pequenas e médias, que podem ser alavancadas, atendendo às novas demandas, contratadas pelas grandes, em Tecnologia da Informação, biotecnologia, nanotecnologia – “uma série de tecnologias portadoras de futuro”, acentua.

Uma forma também de fazer com que as gigantes multinacionais de fato possam honrar o compromisso que afirmam ter com a sociedade capixaba, que recebe os graves impactos ambientais e sociais de suas produções e lucros cada vez mais altos. “O diretor de tecnologia da Suzano não mora mais em Coqueiral de Aracruz. Há uma perda qualitativa em todas as grandes empresas. Quem vem dialogar com o governo do Estado são o terceiro e quarto escalões delas”, indigna-se.

Passivos x oportunidades

“O capixaba precisa ter mais orgulho. Há muito descaso”, provoca. A Vale abriu sua fábrica de locomotivas em Minas Gerais e investiu na Praça da Liberdade de Belo Horizonte. Aqui, as oficinas de locomotivas fecharam e temos o Museu Ferroviário, que fica de costas pra cidade”, exemplifica. É preciso transformar o passivo ambiental em oportunidade, brada o economista. “Solução tem, mas depende de ciência e tecnologia”. 

O terceiro ciclo tem que ser caracterizado por uma discussão dos atores que já existem no Espírito Santo, ratifica, incluindo as instituições de ensino e pesquisa capixabas, que são “da melhor qualidade”. A recomendação foi publicada em um livro de sua autoria – Elementos da economia capixaba e trajetórias de seu desenvolvimento – ainda no primeiro governo de Casagrande, em 2011. 

“Temos que começar agora a pensar que esta coisa que está aí tende a se esgotar: grandes projetos industriais, agricultura intensiva em água e fertilizantes, inclusive cafeicultura, e enxergar as oportunidades que podem ser aproveitadas na economia e na sociedade capixaba. Pensar o Espírito Santo com olhos que veem o que está dando certo nessa terceira década do século XXI”, exora, citando também “o conhecimento dos agricultores ecológicos sobre a terra”. “Nada mais contemporâneo”, aplaude.

A 'alma' da economia

A modernização da economia, no sentido de processos mais sustentáveis e insumos renováveis, vem sendo pregada também por grandes financistas mundiais, que veem o esgotamento do sistema atual. 

O ex-presidente do Banco Central inglês, Mark Carney, relata Arlindo, disse em 2019 que o sistema bancário corre um risco sistêmico, em função de estar muito comprometido com o financiamento da indústria do petróleo. “Financiam cada vez mais mineração e petróleo, onde é possível fazer grandes especulações. Mas a cadeia produtiva desses dois setores, concentrada em dez empresas, produz 30% dos gases de efeito estufa e outros da mudança climática”, conta.

O motivo é a aproximação, dos países mais ricos, dos efeitos da crise climática. Assim, o que era chamado de abstração dos cientistas e sensacionalismo de ambientalistas, se tornou real. “Moradores da Suécia, Finlândia, EUA, percebem que a velha tradição do Natal branco de grandes geadas acabou. As temperaturas estão cada vez mais elevadas em todos esses lugares. Estão entrando em contato direto com essa realidade”, observa. 

Por isso, pondera, tem surtido tanto impacto os posicionamentos da jovem sueca Greta Thunberg, indicada ao Prêmio Nobel da Paz nas duas últimas edições, com seu movimento de greve escolar em protesto contra a tragédia ambiental sustentada pelos governos nacionais e organismos internacionais. 

“A Greta está pegando todos nós com mais de 30 anos e dizendo que há sim boa legislação para relatórios de impacto ambiental e licenciamento ambiental, mas que tudo isso resultou em nada”, resume o acadêmico. “No máximo estendeu a vida útil de vocês, mas isso não nos dá futuro, é muito menos que o suficiente”, diz, reproduzindo falas da jovem ambientalista. “Há grandes acordos e campanhas mundiais, mas com resultados pífios”, ecoa o economista. 

E são justamente os jovens que estão sendo convocados pelo Papa Francisco a elaborarem um novo modelo econômico para o planeta Terra. O evento Economy of Francesco, que acontece no final deste mês de março em Assis, cidade italiana onde nasceu São Francisco, reunirá centenas de jovens empreendedores e economistas de todos os continentes, três deles capixabas: o seminarista e economista Vitor Cesar Noronha, o militante de movimento estudantil Marcos Batista Herkenhoff e a ativista social Crislayne Zeferina

“Francisco nos diz que precisamos resgatar o sentido de relações sociais, que dá sentido à economia. O social desapareceu da agenda, a financeirização mundial controla os governos. É preciso recuperar esse debate. Economia não é sinônimo de acumulação por parte de uns. Isso tem limite. A economia precisa recuperar a alma”, evoca. 

 

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