A empresa mineira Predial Itabirana, dona do loteamento Cidade Balneária Solimar, está recorrendo à Justiça para manter a posse de uma área de 4.681.761,84 metros quadros, em torno de 486 hectares, que foi “incluída” dentro da área do projeto do Porto Central, em Presidente Kennedy (litoral sul do Estado). O processo (0000688-83.2013.8.08.0041) foi ajuizado no dia 12 de julho último, portanto, antes da confirmação da área do empreendimento, cujos limites foram oficialmente conhecidos somente nessa terça-feira (27) após a declaração de utilidade pública dos terrenos.
A ação ordinária movida pela empresa tem como requeridos, o Estado do Espírito Santo e o município de Presidente Kennedy. Nos autos do processo, o advogado da empresa mineira, Fernando Moreira Drummond Teixeira, pede a condenação dos réus ao pagamento de danos morais pela utilização de imagens do loteamento na divulgação de notícias que alardeavam a construção do complexo portuário, bem como a reparação dos eventuais prejuízos causados à empresa pelo futuro ato expropriatório – que devem ganhar efeito a partir da publicação do Decreto nº 1825-S, desapropriando as áreas de interesse do empreendimento.
O representante da Predial Itabirana alega que a autora da ação vinha negociando 6.578 lotes no local até o início da divulgação na imprensa regional e estadual de notícias dando conta da instalação do superporto, que engloba toda a área do loteamento. Na peça, a empresa sustenta que o intenso noticiário sobre o empreendimento espantou os possíveis compradores, bem como ameaça os atuais proprietários de lotes que sofrem com a ameaça de questionamento e até rescisão dos contratos já assinados.
“Por uma questão ética e com base no princípio da boa-fé, a autora [dona do loteamento] fica tolhida de ofertar os referidos lotes a qualquer desavisado, porquanto sabedora que o loteamento será abrangido por complexo portuário”, explica o advogado na petição inicial.
Além do prejuízo aos atuais e futuros compradores, a empresa lança questionamentos sobre os valores em uma eventual ação de desapropriação – que, na época, do ajuizamento do processo era somente uma possibilidade, mas se tornou real a partir do decreto assinado pelo governador Renato Casagrande. O texto deixa claro que a dona do loteamento não deve abrir mão das áreas, de forma amigável, como prevê o texto do decreto.
“Sondagens iniciais [junto] aos órgãos públicos envolvidos demonstram que os réus pretendem imitir-se da posse [ou seja, tomar a posse dos terrenos antes da conclusão do processo], pagando preço vil com depósito prévio ínfimo, enquanto aguardam o longo desfecho judicial da ação de desapropriação obrigatoriamente a ser interposta”, narra um dos trechos do processo.
No mesmo texto, o advogado levou à ciência da Justiça o teor das conversas entre os empresários [Lúcio Reis e Henrique Osvaldo Vivacqua Campos, donos de aproximadamente 7,5 mil dos dez mil lotes registrados] com representantes do empreendimento e do governo – que já haviam sido relatados por Século Diário na primeira reportagem da série, pessoas notadamente ligadas à polêmica transação para compra de terrenos para a mineradora Ferrous, todas elas relacionadas ao ex-governador Paulo Hartung (PMDB).
Os donos do loteamento alegam que as áreas foram avaliadas entre R$ 160 milhões e R$ 197 milhões, de acordo com dois laudos de peritos que prestam serviços de avaliação à Justiça. Esse seria o valor considerado por eles como justo, porém, o decreto de desapropriação pode reduzir o valor do negócio – expediente comum a este tipo de negociação quando se dá entre o Estado e terceiros. De acordo com dados já divulgados sobre o empreendimento, o loteamento cobre quase um terço da área previstas do complexo portuário.
“Esse inadmissível intuito foi revelado em reuniões ocorridas entre a autora e representantes dos réus, inclusive o secretário estadual de Desenvolvimento [Nery de Rossi], além de estar sendo amplamente divulgado para o público em geral. Como se vê, as atitudes perpetradas pelos réus vêm impondo limitação ao uso e gozo da propriedade da autora, assim como a futura expropriação impedirá a continuidade do empreendimento, […] cabendo ao Estado indenizar o prejuízo causado ao proprietário”, aponta o texto.
Nos autos do processo, os donos do loteamento expõem ao juízo a sua preocupação com possíveis manobras políticos no processo: “Diante dessa situação inusitada e para se prevenir de possíveis surpresas só admissíveis nos tempos atuais onde os homens exercem funções públicas não mais se cuidam quanto à repercussão de seus atos, a autora pretende ver assegurado seu direito constitucional a justa e completa indenização”.
Entre os pedidos na ação, a empresa pede a concessão de liminar para determinar que seja garantida à posse do terreno até o cumprimento de todos os requisitos legais para a expropriação, assim como a proibição de qualquer nova publicação relacionada ao Porto Central que esteja relacionada às áreas do loteamento.
No último dia 31 de julho, o juiz da comarca de Presidente Kennedy, Marcelo Jones de Souza Noto, indeferiu os pedidos de antecipação de tutela, mas obrigou o governo do Estado e a prefeitura municipal a prestar informações sobre o projeto. Na decisão liminar, o magistrado entendeu que não havia comprovação, até aquele momento, de que o projeto do superporto seria localizado na área do loteamento.
Com a oficialização dos “limites” do empreendimento, os empresários garantem que vão pleitear novamente o pedido de posse do imóvel. Para eles, o maior tempo fica por conta da possibilidade de eventual imissão da posse no caso de “urgência”, previsto no artigo 3º do decreto, o que retiraria da noite para o dia o direito de propriedade sobre as áreas.
Tramitam ainda na comarca de Presidente Kennedy duas ações movidas pela empresa Predial Itabirana contra representantes do empreendimento: uma ação de reintegração de posse (0014036-08.2012.8.08.0041) contra o ex-vereador Marcos Antônio Vieira de Novaes, o Marcos Vivacqua, sócio da empresa ZMM Empreendimentos – empresa que operou a compra e venda de áreas para a Ferrous e está a frente do pedido de licença para a construção do porto –; e outro procedimento ordinário (0032712-21.2013.8.08.0024) contra a empresa TPK Logística SA, que se apresentam junto ao poder público como os responsáveis pelo empreendimento.
Na primeira reportagem da série, os dados sobre a empresa TPK (Terminal Presidente Kennedy) – e seus sócios e diretores – foram tornados públicos. A empresa, criada somente para este fim no dia 24 de novembro de 2011, viu seu capital social crescer dos R$ 1 mil iniciais para os atuais R$ 155,5 milhões. Participaram do ato de constituição da empresa os representantes de duas companhias que marcam presença na direção da TPK: a Fiabe Participações Ltda (Polimix) e RV Empreendimentos Ltda, cuja posse majoritária é do empresário Ronaldo Moreira Vieira.
De acordo com o registro na Junta Comercial do Estado (Jucees), a direção da companhia responsável pelo superporto em Presidente Kennedy é composta por Jose Maria Vieira de Novaes – irmão de Marcus Vivacqua, e também sócio da ZMM – como diretor superintendente; Ricardo de Moraes Cipriano – sócio da RER Empreendimento (que faz parte do capital da Polimix) – e o engenheiro José Salomão Fadlalah, ex-diretor da LLX Logística que é apresentado como porta-voz da TPK junto às autoridades, ambos como diretores de operação.