Depois das polêmicas relacionadas à aquisição de terrenos para a instalação da mineradora Ferrous Resources, o município de Presidente Kennedy (litoral sul do Estado) protagoniza uma nova controvérsia, desta vez ligada à instalação do Porto Central. Se antes as transações milionárias de compra e venda de áreas eram alvos de suspeição, a nova denúncia revela que o projeto do superporto foi anunciado mesmo sem a posse dos terrenos pelos responsáveis do empreendimento. Novamente, as negociações para a instalação do projeto estão sob comando de pessoas ligadas ao ex-governador Paulo Hartung (PMDB).
O projeto do Porto Central está sendo anunciado pela empresa TPK Logística SA, criada especialmente para a ocasião, em 24 de novembro de 2011. Apesar de a empresa ZMM Empreendimentos e Participação Ltda – formalizada para dar vazão à compra de terrenos para a Ferrous, em 2008 – ter solicitado às licenças ambientais para a instalação do porto, os diretores da TPK (Terminal Presidente Kennedy) constam como responsáveis pelo projeto, de acordo com o governo estadual.
Na época do início das atividades, o capital social informado da TPK era de módicos R$ 1 mil. Atualmente, o capital da companhia já é de R$ 155,5 milhões, conforme registro na Junta Comercial do Estado (Jucees). Consta ainda que a empresa está sediada em um prédio comercial, no bairro Praia do Canto, em Vitória.
Por conta da natureza jurídica do negócio, a divisão do capital não é informada pela autarquia. Entretanto, a ata da assembleia de constituição da TPK oferece indícios de sua composição societária. Participaram daquele ato os representantes de duas empresas que seguem até hoje com membros na direção da TPK: a Fiabe Participações Ltda (Polimix) e RV Empreendimentos Ltda. Essas duas empresas fazem parte de um consórcio que administra uma Pequena Central Hidroelétrica (PCH), no Estado do Mato Grosso do Sul.
Em documento da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), datado de outubro de 2010, a empresa Polimix era formada por quatro empresas – além da RV Empreendimentos (de propriedade de Ronaldo Moreira Vieira, que surge como um dos majoritários no negócio), figuravam como sócias a LLV Empreendimentos Ltda (sociedade entre Larissa Reis Vieira e Luana Reis Vieira), RER Empreendimentos Ltda (sociedade entre Ricardo de Moraes Cipriano, Eduardo de Moraes Cipriano e Renato de Moraes Cipriano) e a Construtora Massa Ltda (de Gilberto Cipriano).
A primeira diretoria da TPK era formada por Gilberto Cipriano (presidente do Conselho de Administração), Breno Leme Asprino Neto e Maria Auxiliadora de Assis Franco Gribel como diretores. Hoje a direção da companhia responsável pelo superporto em Presidente Kennedy é composta por Jose Maria Vieira de Novaes – sócio da ZMM Empreendimentos –, como diretor superintendente; Ricardo de Moraes Cipriano – sócio da RER Empreendimento – e o engenheiro José Salomão Fadlalah – ex-diretor da LLX Logística SA, do empresário Eike Batista – como os atuais diretores de operação.
Velhos atores
A presença de José Maria Novaes à frente dos negócios, seja na interlocução junto ao governo estadual ou na divulgação do empreendimento à mídia, expõe a relação do negócio com a operação da Ferrous – e, consequentemente, com os parceiros do ex-governador Paulo Hartung. Essa participação se revela nos bastidores de uma nova negociação de áreas no município, desta vez, para a instalação do superporto até mesmo com a anuência de autoridades ligadas ao atual governo do Estado.
Em novembro de 2010, o então governador Paulo Hartung visitou junto com uma comitiva às instalações do porto de Roterdã, na Holanda. Na época, o peemedebista foi um dos principais incentivadores da vinda de um porto de águas profundas para o Estado. Foi levantada a possibilidade de criação em três locais diferentes, nenhum delas era Presidente Kennedy. No entanto, essa proximidade com o porto holandês acabou levando o modelo de gestão para o projeto em Kennedy.
O projeto do Porto Central prevê a construção de um complexo industrial e portuário em uma área de aproximadamente 6.800 hectares (equivalente a 68 milhões de metros quadrados). No entanto, a área portuária deve ser de 2.000 hectares (20 milhões de metros quadrados), sendo que a primeira fase pode ocupar 1.500 hectares (15 milhões de metros quadrados), segundo dados divulgados pela TPK. Contudo, a maior polêmica reside no fato de a empresa de negócios sequer constar como proprietária das áreas onde deve ser instalado o superporto em Presidente Kennedy.
Diferentemente do caso da Ferrous – onde os terrenos foram adquiridos pela ZMM e repassados à mineradora –, as áreas do superporto continuam em nome de terceiros, que não tem qualquer relação com o negócio. A reportagem de Século Diário descobriu que, cerca de um terço das áreas do novo porto pertencem à empresa mineira Predial Itabirana Ltda, que é dona de um loteamento no local, batizado como Cidade Balneária Solimar. Ao todo, o loteamento abriga uma área de 4.681.761,84 metros quadrados, em torno de 468 hectares – ou seja, quase um terço do que foi previsto pelos responsáveis pelo empreendimento.
Os empresários Lúcio Reis e Henrique Osvaldo Vivacqua Campos, donos de aproximadamente 7,5 mil dos dez mil lotes registrados, afirmam que chegaram a ser procurados pelo advogado Fabrício Cardoso Freitas – que participou da intermediação das transações com a Ferrous, juntamente com o ex-secretário da Fazenda, José Teófilo de Oliveira, atual sócio de Hartung, e o corretor imobiliário Paulo Sardenberg. Henrique Vivacqua, que é também primo de José Maria, relata que eles viajaram até o Estado para tratar com o advogado sobre as áreas pertencentes à Predial Itabirana. No entanto, o encontro sequer foi realizado sob justificativa de que o projeto não seria localizado na região do loteamento.
No entanto, a confusão sobre a real localização do porto levou os empresários a procurarem o governo do Estado, que figura como um dos principais incentivadores do projeto do Porto Central. Nos primeiros meses deste ano, os empresários se reuniram duas vezes com o secretário de Desenvolvimento, Nery Vicente Milani de Rossi, para tratar do assunto, após encaminhamento do secretário-chefe da Casa Civil, Luiz Carlos Ciciliotti, que teria ficado surpreendido pelo fato do empreendimento ter sido anunciado em áreas de terceiros.
Na primeira reunião, eles relatam que o secretário [que havia sucedido Márcio Félix, que foi um dos remanescentes do governo Hartung na atual administração] respondeu que todos os procedimentos seriam os corretos. Naquela ocasião, Nery de Rossi teria marcado uma nova reunião, que contaria com a participação também do diretor da TPK, José Maria Vieira. Segundo Henrique Vivacqua, o tom da conversa com o secretário mudou no novo encontro, onde eles teriam sido informados que o governo iria “passar o rodo”.
A partir deste momento, os empresários afirmam que nunca mais foram procurados por nenhuma dos envolvidos na construção do superporto. “Ficamos atônitos porque eles disseram que o nosso terreno não valia nada, era apenas um pedaço de terra na zona rural. Mas agora fomos surpreendidos pelo decreto de desapropriação de uma parte da área do loteamento para a construção do porto”, observou Lúcio Reis.
Nessa terça-feira (27), o governador Renato Casagrande assinou o Decreto nº 1825-S, que declara de utilidade pública as áreas no município destinadas à implantação do complexo portuário. Ao todo, o ato prevê a desapropriação de pouco mais de 5,3 milhões de metros quadrados – deste total, as áreas do loteamento Cidade Balneária Solimar representam 4.374.241,00 metros quadrados. O texto do decreto afirma que as áreas serão adquiridas pelo governo do Estado, através das verbas do orçamento da Secretaria de Desenvolvimento (Sedes), que deve entrar como sócio no empreendimento.
O decreto estipula que as desapropriações serão promovidas de forma amigável ou judicialmente pelo Estado, que poderá alegar urgência para tomar posse dos terrenos. A possibilidade de uma eventual imissão de posse – que dá o direito à exploração da área, mesmo sem a aquisição formal do terreno desapropriado – surge como o maior temor dos donos do loteamento, que entraram com uma ação judicial contra o Estado e os responsáveis pelo empreendimento.
Confira na próxima reportagem da série os detalhes da ação movida pela empresa contra a expropriação de suas áreas.