O Supremo Tribunal Federal (STF), instância máxima do Poder Judiciário, analisa a legalidade dos incentivos fiscais do Espírito Santo ao setor atacadista há mais de oito anos. A Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin 3416) foi movida pela Procuradoria-Geral da República (PGR), em fevereiro de 2005, contra os benefícios concedidos à época por meio de decreto assinado pelo ex-governador Paulo Hartung (PMDB). Apesar da revogação da norma, no ano seguinte, o órgão ministerial pede a nulidade dos incentivos considerados ilegais pela falta de lei específica ou aprovação do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz).
Nos autos do processo, o procurador-geral da República, à época, Cláudio Fonteles, pediu a suspensão cautelar dos incentivos que teriam causado um “desequilíbrio na livre concorrência de mercado entre as unidades da Federação”. Para ele, a celebração de convênios interestaduais, via Confaz, é o pressuposto de validade dos incentivos fiscais. “A finalidade da exigência constitucional, como se sabe, é impedir a denominada ‘guerra fiscal’ entre os Estados-membros”, sustenta.
O chefe do Ministério Público Federal (MPF) contestava dispositivos do Regulamento sobre Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (RICMS). Em fórmula semelhante dos atuais benefícios ao setor, o RICMS permitia que o crédito presumido de até 11% nas operações das empresas atacadistas – o que reduzia a base de cálculo de 12% para apenas 1% do tributo devido. A única diferença entre as fórmulas é de que o atual prevê como a suposta “compensação” o recolhimento de 10% do valor pago para o fundo cultural, Instituto Sincades.
Na ação, Fonteles criticou ainda o fato da fórmula do incentivo não estabelecer quais produtos seriam contemplados pela redução na tributação: “[O RICMS] não define, nem faz qualquer especificação a respeito dos produtos objeto das operações. Significa dizer, portanto, que, à exceção daqueles expressamente excluídos na norma (café, energia elétrica, combustíveis, lubrificantes e prestação de serviços públicos), o benefício será aplicado qualquer que seja a mercadoria a que se refere à operação, sendo relevante para o deferimento do benefício apenas a circunstância do estabelecimento que realiza a operação estar estabelecido no Estado”.
Chama atenção que a tese pela ilegalidade nos incentivos ao setor atacadista é a mesma que foi levantada pelo governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), que ajuizou uma Adin contra os chamados de Contratos de Competitividade (Compete-ES) – sucessor do RICMS -, em abril deste ano. Uma outra coincidência é que figura no processo, a Associação dos Distribuidores do Estado do Espírito Santo (Acades), que foi transformada em 2007 no Sindicato do Comércio Atacadista e Distribuidor (Sincades) – réu nas ações populares contra o incentivo na Justiça estadual.
Em defesa dos incentivos
Durante a longa tramitação da Adin relatada pelo ministro Ricardo Lewandowski (que substituiu o ministro Carlos Velloso, aposentado em 2006), o governo do Estado se manifestou duas vezes contra o prosseguimento do caso. Em março de 2005, o então governador Paulo Hartung respondeu às acusações, negando a existência sequer da concessão do incentivo fiscal. Para o ex-governador, a redução na base de cálculo do tributo para o setor já existiria.
“O que se promoveu foi o seu ajustamento, ocasionando um aumento da receita tributária […] O que o Espírito Santo fez foi se adequar à realidade já existente nos demais estados da Federação, já que boa parte deles contempla, em suas legislações, reduções da base de cálculo de ICMS tal e qual a ora questionado. E mais: ao contrário do que se alega na petição inicial, o requisito para a fruição do benefício fiscal não está condicionado apenas à circunstância de o estabelecimento comercial que realiza a operação estar sediado no Estado”, tergiversou.
Entretanto, o posicionamento do ex-governador foi contrário aos pareceres da Advocacia Geral da União (AGU) e da própria PGR, que reforçaram a necessidade dos benefícios pelo Confaz. O caso quase teve uma reviravolta em junho de 2006 com a revogação do dispositivo, substituído pelo Compete-ES, instituído no ano seguinte. A Procuradoria-Geral da República opinou pela prejudicialidade parcial da ação, isto é, a perda de objeto em parte das acusações, porém, manteve o pedido de revogação dos incentivos fiscais concedidos de forma ilegal.
Em março de 2011, o atual governador Renato Casagrande prestou novas informações no processo. Tal como o antecessor, o socialista pleiteou a extinção do processo sem resolução de mérito sob alegação de que a PGR não poderia aditar (emendar) a denúncia. No dia 29 de julho daquele ano, o ministro Ricardo Lewandowski determinou a inclusão do processo na pauta de julgamento do STF. Entretanto, até o momento, o exame dos incentivos dormita nos escaninhos há exatos 827 dias, ou seja, mais de dois anos – o julgamento estava marcado para o dia 1º de agosto seguinte.