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Entusiasmo supera cautela socioambiental em debate sobre sal-gema no ES

Audiência pública em Conceição da Barra reuniu prefeitos, deputados estaduais e federais, e moradores

Lucas S. Costa

Três filas apertadas de cadeiras foram necessárias para acomodar todas as lideranças políticas presentes na audiência pública realizada na noite dessa quinta-feira (2) sobre os “desafios e oportunidades da exploração do sal-gema capixaba”, realizada no Centro de Referência em Assistência Social (Cras) de Braço do Rio, em Conceição da Barra, norte do Estado.

O evento ocorreu às vésperas da realização, pela Agência Nacional de Mineração (ANM), do leilão de 11 blocos que compõem as jazidas da região, em Conceição da Barra e municípios vizinhos. A expectativa é de que o resultado do leilão seja anunciado no próximo dia 20.


A iniciativa foi da Comissão de Infraestrutura da Assembleia Legislativa (Ales) e do Centro de Estudos e Debates Estratégicos da Câmara dos Deputados, sob liderança, respectivamente, do deputado estadual Marcelo Santos (Podemos), presidente do colegiado da Assembleia, vice-presidente da Frente Parlamentar de Apoio à Exploração das Jazidas de Sal-gema e vice-presidente da Assembleia, e do deputado federal Da Vitória (Cidadania), presidente do Centro de Estudos da Câmara Federal.
Além dos dois parlamentares, o tablado do Cras foi preenchido por prefeitos da região e deputados estaduais e federais dividiram o microfone em mensagens de franco otimismo com o potencial das jazidas capixabas, descobertas há 40 anos e consideradas as maiores da América Latina, estimadas em 12 bilhões de toneladas.
Entre as figuras políticas, o presidente da Assembleia, Erick Musso (Republicanos), e os colegas de parlamento Marcos Madureira (Patri), Raquel Lessa (Pros) e Freitas (PSB), este, presidente da Frente Parlamentar. De Brasília, veio Felipe Rigoni (sem partido). Entre os prefeitos, Guerino Zanon (MDB), de Linhares, Daniel da Açaí (PSDB), de São Mateus, e o anfitrião Mateusinho (PTB), de Conceição da Barra. Registram-se ainda o gerente regional da Agência Nacional de Mineração, Virgílio Macedo, o diretor da Federação das Indústrias do Espírito Santo (Findes) Fernando Prates e o superintendente do Instituto Federal do Espírito Santo (Ifes), Jadir Pela, entre outras autoridades políticas da região, como vereadores e líderes comunitários.
Lucas S. Costa

Cada um dos presentes relatou seus desejos de progresso e redenção econômica, abafando qualquer debate sobre os impactos ambientais intrínsecos à atividade. O silêncio na audiência reflete o silêncio em campo, onde o assunto ainda não entrou na pauta de debates das entidades e órgãos ambientais do Estado, tampouco de sindicatos de trabalhadores.

Apenas Marcelo Santos fez menção ao tema, ao citar a tragédia de Maceió, capital de Alagoas, onde bairros inteiros estão virando áreas fantasmas devido ao afundamento do solo e remoção de pelo menos 55 mil famílias, configurando o maior crime socioambiental em curso do mundo, após 40 anos de exploração de sal-gema pela gigante Braskem. O parlamentar disse, no entanto, que o episódio não ocorrerá no Espírito Santo.

Reprodução

Marcelo Santos ressaltou ainda que o Espírito Santo poderá tirar o Brasil da condição de importador de sal-gema para exportador e que diversos segmentos econômicos poderão ser beneficiados a partir dos investimentos feitos para viabilizar a atividade, como o comércio local, gerando emprego e renda, e reforçando a arrecadação municipal, sendo necessário realizar a capacitação da mão de obra local, com apoio do Ifes e da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes). Mencionou também a necessidade de considerar o aumento dos gastos públicos para suprir as ofertas de serviços essenciais devido ao crescimento da demanda e impactos ambientais.

O gerente regional da ANM destacou que, mesmo durante a fase de pesquisa geológica, será possível que as empresas possam fazer pedido de extração para testar o mercado e o produto. “Não podemos pensar a mineração apenas do ponto de vista da exploração no local sem a geração de cadeias econômicas mais fortes”, pontuou.

Da Vitória salientou que as lideranças políticas locais, estaduais e federais devem atuar no sentido de criar um ambiente para atrair os investimentos e proporcionar a geração de emprego e renda.

Mateusinho abordou o histórico do sal-gema na região, dizendo que cresceu ouvindo sobre o assunto e que agora, como gestor, está fazendo o “dever de casa” para proporcionar o rápido desenvolvimento do município que, segundo disse, ” está pobre”.
Erick Musso apontou para necessidade de “desburocratização da máquina pública” para “gerar emprego e renda”, dizendo que em cinco décadas, cerca de 15 mil novas oportunidades de emprego serão criadas em solo capixaba com a exploração do sal-gema.
Já Felipe Rigoni revelou o seu empenho pessoal junto à Agência Nacional de Mineração (ANM) para destravar a concessão das jazidas para a iniciativa privada, após décadas sob alçada da Petrobras. O deputado explicou que os vencedores do certame terão direito a realizar pesquisas mineral nas áreas durante três anos, período em que se estima a injeção de R$ 170 milhões em investimentos em serviços de mapeamento do solo.
“A gente tem de fato quase que uma mina de ouro aqui debaixo da Conceição da Barra”, ressaltou, ao enfatizar a necessidade da criação de um polo industrial cloroquímico na região, evitando que somente o commodity seja produzido, atraindo mais investimentos para o Estado.
Aplicações
O sal-gema se destaca por ser um produto consumido assiduamente pelos cidadãos, sendo indispensável no tratamento de água, purificação de gases, na preparação de determinados alimentos e no complemento da alimentação de gado. Na indústria, é bastante aproveitado para o tratamento de óleos vegetais e a produção de vidro, papel, tintas, produtos farmacêuticos e cosméticos.

Maceió

O documentário “A Braskem passou por aqui: a catástrofe de Maceió“, de Carlos Pronzat, que estreou no início de agosto, denuncia que cinco bairros da cidade estão condenados pelo afundamento do solo provocado pela mineração de sal-gema pela Braskem há mais de quatro décadas, “atingido quase 70 mil pessoas, 4,5 mil negócios e 30 mil empregos”. São 35 minas a cerca de 1.200 metros de profundidade, que começaram a desmoronar há mais de dez anos, “já tendo formado crateras subterrâneas do tamanho do Complexo Esportivo do Maracanã”.

Em reportagem do dia nove de agosto do Observatório da Mineração, o repórter Maurício Angelo salienta que a Braskem é a maior petroquímica das Américas, controlada pelo grupo baiano Odebrecht (agora “Novonor”) e sua atividade em Alagoas transformou bairros inteiros em áreas fantasmas, com “cenário de guerra”. Ao deixarem suas casas, sublinha, “a única opção dessas famílias foi aceitar um acordo com a Braskem que paga míseros R$ 81 mil para cada uma, insuficiente para adquirir um imóvel em outro lugar e certamente insuficiente para cobrir todos os danos causados”.

As indenizações de 55 mil pessoas, somadas ao valor pago ao estado de Alagoas e à cidade de Maceió, totalizam R$ 10 bilhões, expõe o Observatório, montante equivalente ao lucro da empresa somente no primeiro trimestre de 2021. Com esse valor ínfimo, acrescenta a reportagem, “a Braskem passou a ser dona dos quatro bairros – Pinheiro, Mutange, Bom Parto e Bebedouro. No longo prazo, esta área em região valorizada de Maceió pode significar até R$ 40 bilhões para a petroquímica”. Além do lucro, complementa, “a receita líquida da Braskem no segundo trimestre subiu 136% na comparação anual e 16% em relação ao primeiro trimestre, a R$ 26,4 bilhões”.

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